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Publicado em 1923, a novela la coscienza di zeno (confessions of zeno/zeno's conscience) de italo svevo deixa a leitor questionando-se sobre a identidade de zeno cosini, o personagem principal. Informações sobre a vida de zeno cosini, as relações entre ele e italo svevo, e as aproximações entre o personagem fictício e o autor real. Além disso, são discutidos os paralelos entre a vida de zeno e a de svevo, as relações de zeno com suas mulheres e a destruição da trama tradicional na obra.
Tipologia: Esquemas
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The Son of man. (1964) Rene Magritte
Ivair Carlos Castelan
São Paulo 2008
Ivair Carlos Castelan
Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), Campus de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em Letras (Área de Concentração em Literatura Italiana). Orientadora: Profa. Dra. Doris Nátia Cavallari
Aprovado em 26/09/
De acordo:
Profa. Dra. Doris Nátia Cavallari - Orientadora
São Paulo 2008
Dedico os resultados deste trabalho a todos que estiveram ao meu lado nesta apaixonante e intensa empreitada.
Dedico, em especial, ao Prof. Dr. Sérgio Mauro por introduzir-me no fantástico e intrigante universo da narrativa sveviana, e, sobretudo, pela marcante contribuição para meu crescimento intelectual e pessoal.
Agradeço especialmente e dedico, de coração aberto, os resultados desta pesquisa: a Deus, pelas batalhas vencidas, pelas conquistas, pela concretização de um sonho; a toda minha família, pela confiança depositada; à Profa. Dra. Doris Nátia Cavallari, pela paciente e confiante orientação e, acima de tudo, por acreditar em meu potencial e não desistir de mim; à Profa. Fernanda Telles, Mestra primeira e especial, por enxergar em mim qualidadesque eu não conseguia ver, pelos sábios ensinamentos, por lapidar-me intelectualmente; ao Prof. Dr. Sérgio Mauro, eterno Mestre, pelos sábios e importantes ensinamentos, por ver em mim uma semente a ser plantada, e pela ajuda com as traduções; ao Prof. Dr. Júlio Cesar Pimentel Pinto Filho, pela importante contribuição no direcionamento pontual de nosso estudo, pelas sábias sugestões e estímulo durante oExame Geral de Qualificação, pelas indicações bibliográficas; à Profa. Dra. Adriana Iozzi Klein, pelas sugestões pertinentes e estímulo durante o Exame Geral de Qualificação, pelo empréstimo de livros e sugestões bibliográficas; à Profa. Dra. Vilma de Katinsky Barreto de Souza, pelo empréstimo de livros, pelo incentivo, por me fazer ver, em momentos de dúvidas, que estava no caminho certo;à Profa. Dra. Maria Celeste Tommasello Ramos, pela atenção, incentivo e empréstimo de livros; à Profa. Dra. Maria Gloria C. Mazzi, pelo estímulo e pelo empréstimo de livros; ao Prof. Dr. Hilário Antonio Amaral, pela atenção, simpatia e empréstimo de livros; às minhas especiais amigas, irmãs, Christiane Damien Codenhoto e Márcia MariaSant’anna, pelo carinho, pelo intenso incentivo e constantes palavras de regozijo; ao amigo, irmão, Claudemir F. Santos, por acolher-me em uma cidade “estranha” para mim, pelos ensinamentos, pela companhia nos momentos de tensão e alegria; à grande amiga Lucilene Colodo, pelo incentivo, palavras motivadoras, por estar sempre presente, pela brilhante correção ortográfica deste sonho;à amiga Suely Perucci, pelo exemplo de bondade e caráter, pelo apoio incondicional; à amiga Maria Célia M. B. Fantin, pelo exemplo de perseverança, ética e bondade, pelo estímulo, pelas conversas nos momentos difíceis; à médica e amiga Dra. Márcia Facco, pelo caráter, integridade e bondade, por acompanhar todo o meu trajeto, sempre confiante e segura de meu potencial;a todos meus amigos especiais de São Carlos, Araraquara, São Paulo, Minas Gerais, Palhoça, Ribeirão Preto, Descalvado, São José do Rio Preto, Americana, Guarulhos, Rio Claro, Rio de Janeiro, Campinas e Garça por compreenderem e aceitarem minhas ausências, pelo carinho e presença fundamental nos momentos em que deles mais precisei;a todos os amigos e funcionários da E.E. Prof. Arlindo Bittencourt, por me acolherem no início de minha árdua, mas gratificante caminhada como docente, pela força, crença no meu trabalho e torcida na concretização de um sonho; aos meus ex-alunos, com carinho especial às turmas do 3°A e da 8ª B, pela contribuição para meu crescimento não só profissional, mas principalmente pessoal;a toda a equipe do Departamento de Letras Modernas, em especial Edite e Márcia, sempre atenciosas e dispostas a esclarecer todas minhas dúvidas. à Biblioteca da FFLCH, pelo empréstimo de livros, e a todos os funcionários, pelo atendimento atencioso; aos queridos amigos Talles Henrique Pereira e Fabiana Paganini, pelas palavras decoragem e tradução do abstract. ao CNPq, pela concessão de bolsa de estudos, sem a qual talvez não teria conseguido concretizar este trabalho;
CASTELAN, I.C. Zeno Cosini, uma identidade possível? Dissertação de Mestrado (Área de concentração: Literatura Italiana). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
RESUMO Publicado no ano de 1923, o romance A consciência de Zeno é importante por instaurar uma narrativa que traz em seu cerne a modernidade que rompe e transgride os cânones do modelo literário. O homem retratado por ela será marcado por frustrações, rodeado pelo vazio, atormentado pela angústia de viver. Assim nos é apresentado o narrador Zeno Cosini, cujo caráter é colocado em dúvida, já no prefácio, por seu suposto psicanalista e editor do texto. Enigmático e ambíguo, o senhor Cosini recorrerá, ao longo da enunciação de suas memórias, ao uso de várias máscaras para velar sua(s) identidade(s). Procurando o tempo todo ocultar-se, disfarçar-se, Zeno deixa em seu leitor um grande ponto de interrogação quanto à sua identidade e também o desafio de tentar responder “Quem é Zeno, afinal?”. Assim, o objeto desta dissertação é investigar a(s) possível(eis) identidade(s) do narrador Zeno Cosini. Seguindo os meandros mais profundos de seu discurso, o presente trabalho procura desvelar, desmascarar o senhor Cosini que, por trás de suas máscaras, de seu discurso irônico e ambíguo, esconde uma identidade tão fragmentada e múltipla quanto a do homem de sua época. Não pretendemos estabelecer um único rótulo a este narrador, mesmo porque isso seria impossível. Nosso principal objetivo é rastrear seus passos, ouvir suas vozes dissonantes para, então, chegarmos a uma sentença acerca de sua constituição identitária, erigida através da narrativa.
Palavras-chave : Italo Svevo, A consciência de Zeno , identidade, literatura italiana, fragmentação, multiplicidade.
CASTELAN, I.C. Zeno Cosini, a possible identity? Master’s thesis (Italian Literature). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo,
ABSTRACT Published in 1923, the novel La coscienza di Zeno (Confessions of Zeno/Zeno's conscience) is important for building a narrative which brings in its core the modernity which disrupts and transgresses literary model´s rules. The man described in it will be branded by frustrations, surrounded by nothingness, tormented by life´s anguish. In that context the narrator – Zeno Cosini – is introduced, whose character is dubious since the preface by his supposedly text editor and psychoanalyst. Puzzling and ambiguous, mister Cosini calls upon the use of many masks to cover his identity throughout his memories. By trying to hide and cover himself all the time, Zeno leaves to his reader an intriguing question about his identity, as well as the challenge of trying to answer “Who is Zeno, anyway?”. Therefore, this paper aims at investigating Zeno Cosini's possible identities. Following the deepest ways of his speech, the following paper seeks unveiling, uncovering Cosini that behind his masks, his ironic and ambiguous discourse hides such a fragmented and multiple identity as mankind of his age. It is not intended to label this writer even because it would be impossible. Our main goal is to trace his steps, hear his dissonant voices in order to reach a conclusion over his personality traits and identity structured through the narrative.
Keywords: Italo Svevo, Zeno's conscience, identity, italian literature, fragmentation, multiplicity.
Página Introdução 11
Notas 23 Capítulo I Italo Svevo, Solo Una Vita Non Può Bastare 24
1.1 Italo Svevo por ele mesmo 25
1.2 Italo Svevo: Solo Una Vita Non Può Bastare 27 1.3 Italo Svevo, homem múltiplo 37 1.4 Italo Svevo e Zeno Cosini, vidas paralelas? 43 Notas 48 Capítulo II A criação de Zeno Cosini 51
2.1 Zeno Cosini, herói de seu tempo? 52 2.2 Os olhares de Zeno, confiar ou não confiar : eis a questão! 60 2.3 Retrato de uma família burguesa, relações em jogo! 70 2.4 Quem tu és, Zeno Cosini? 88 Notas 107 Capítulo III Escrevo, logo existo
3.1 Escrita, maldição que salva? 116 3.2 Narrativa sveviana, sob os pilares da modernidade 124 3.3 Só sei que nada sei : a re-velação do discurso irônico 133 Notas 142 Considerações Finais 145 Referências Bibliográficas 155
INTRODUÇÃO Forse oggi l’obiettivo principale non ma piuttosto di rifiutare quello che siamo. Dobbiamo immaginare è di scoprire che cosa siamo, e costruire ciò che potremmo diventare. M. Foucault
O solo apresentava-se pedregoso, com grande desnível, infértil e bastante hostil ao plantio. As condições climáticas, também, não eram favoráveis. A chuva custava a dar o ar de sua graça, enquanto o sol castigava, deixando cicatrizes na terra. Mesmo assim, o agricultor decidiu pelo plantio e, sobretudo, acreditou nele. Cada semente foi plantada com muito amor, dedicação e a confiança de que daria bons frutos. Agricultor de palavras, o escritor Italo Svevo, nome de batismo Ettore Schmitz, também enfrentou condições adversas no “cultivo” de seus romances. Mesmo assim optou por escrevê-los, decidiu por acreditar em sua maior paixão, a literatura. Empenhou-se exaustivamente na colheita de frutos que insistiam em não amadurecer. Lutou com todas as suas forças na concretização de um sonho, o de ser escritor. Nascido no ano de 1861, na cidade de Trieste, no seio de uma tradicional família burguesa, Svevo não chegou a depender da venda de seus romances para sobreviver, aliás, ele mesmo arcou com todas as despesas na publicação de seus livros. O trabalho no banco e, posteriormente, na empresa de verniz submarino do sogro sempre lhe propiciaram uma vida estável e confortável. Sua história poderia ser a de mais um burguês que viveu no início do século XX, passando despercebida, não fosse o fervor e o talento peculiar que o instigou a retratar a vida e o homem. O gosto inato pela literatura e o desejo por escrever, quase uma obsessão, o perseguiram até o último minuto de sua vida. Através da escrita, ele buscou, acima de tudo — conforme suas palavras — conhecer-se, entender-se, chegar a seu mais profundo e complexo eu.
dos fatos sem uma ordem cronológica, como se repentinamente tornasse difícil dar um sensounitário às coisas 2. (CALIFANO, 2000, p.86, tradução nossa).
Tudo nos é apresentado a partir de um eu, cheio de perguntas, que busca, muitas vezes inutilmente, saber e compreender o verdadeiro significado da vida, o sentido do destino de um homem que se vê e se sente dilacerado e dissociado, com grande necessidade de “gritar” aos quatro ventos suas frustrações, sua(s) história(s) de vida (DEBENEDETTI, 1987, p.517). Svevo delineia,como se lê na antologia de Salinari, Ricci e Serri, um sujeito, vivente em uma sociedade burguesa, que acredita poder exercer, ilusoriamente, a própria liberdade de escolha, de poder satisfazer suas vontades. A esse problema da liberdade do homem liga-se toda a pesquisa narrativa de Svevo, seja quando dirige a sua análise sobre os personagens para investigar seus desejos, desmascararsuas mentiras e os auto-enganos, coagindo o limiar da consciência, seja quando rompe a aparênciacondicionamentos e compromissos do viver social tranqüilizadora da normalidade burguesa, (^3). (SALINARI; RICCI; SERRI, 1983, pp.180- trazendo à tona as hipocrisias, os 1, tradução nossa) Presos às aparências, às convenções sociais, demonstrando virtudes que não apresentam, os personagens svevianos procurarão se esconder atrás de máscaras, buscando ocultar o verdadeiro eu. Contudo, não conseguirão sustentar tais máscaras por muito tempo. O próprio comportamento inconstante, “desajustado”, contraditório termina por denunciá-los, por desnudá-los, possibilitando que tracemos uma linha para entendermos melhor suas personalidades obsessivas e “doentias”. Assim, seu primeiro romance, Uma vida , publicado em 1892, narra a história de Alfonso Nitti, um enigmático bancário em busca de reconhecimento social e intelectual. Nitti é atormentado por uma personalidade incapaz de conciliar o mundo idealizado dos desejos e esperanças com as relações em uma sociedade dominada pelo interesse e pelo poder. Já Senilidade , seu segundo romance, publicado em 1896, coloca em cena o elegante e culto Emilio Brentani que vê sua vida transformar-se completamente após descobrir-se
enamorado pela bela Angiolina. Envolvida por mistérios, mentiras e traições, essa relação termina por concretizar-se em uma dolorosa, mas fundamental experiência de autoconhecimento para Brentani, que passa a enxergar com outros olhos o amor, a irmã, os amigos e também o mundo que o rodeia. Publicado em 1923, seu terceiro e mais conhecido romance, A consciência de Zeno , objeto de nosso corpus de trabalho, conta a vida do burguês triestino, Zeno Cosini, que, na ânsia por curar-se de sua suposta “doença”, recorre à psicanálise, como mais um meio para tornar-se “são”. Como tratamento, o psicanalista, que nos é apresentado logo no prefácio, sugere ao paciente a escritura de suas memórias, como uma forma deste ver-se por inteiro. Assim, Zeno começa a escrever os acontecimentos que julga mais importantes para, de certa forma, influenciar o tratamento e o médico, conforme seus interesses. Infância, adolescência, morte do pai, casamento com a mulher que ele “não” escolhera, sociedade comercial com o cunhado e o adultério, constituir-se-ão em alguns dos fios que Zeno usará para tecer seu discurso. Na teia de um discurso irônico, ambíguo e múltiplo de significações, nosso narrador oculta-se, mascara sua possível identidade. Enigmático, fragmentado e múltiplo, Zeno é um, nenhum e cem mil ao mesmo tempo. Representando um homem que, na verdade, poderia ser qualquer um de nós, ele, através de suas memórias, descortinará os vícios e pseudovirtudes da sociedade burguesa da qual faz parte. Uma sociedade capitalista, preocupada em cultivar um belo jardim de aparências, sempre à procura de uma nova máscara para encobrir suas mazelas e essência. A essência distorcida que Zeno nos apresenta de si mesmo e o seu caráter “metamorfoseante”i^ despertaram em nós o desejo de tentar responder a algumas questões, entre elas: “Quem é Zeno?”, “Será que podemos chegar a alguma hipótese acerca de sua possível identidade, uma vez que sua vida é narrada exclusivamente de seu ponto de vista?” A i (^) O termo metamorfoseante refere-se aqui à capacidade de Zeno de se adaptar às situações que a vida lhe apresenta, e não a uma radical transformação.
realizar nossa leitura, essencialmente, a partir do tecido narrativo sveviano. Esclarecido esse ponto e a questão da tradução das notas, podemos partir em direção aos caminhos pelos quais enveredamos em busca das possíveis respostas às questões a que nos dispusemos investigar, tendo como foco central a questão da (não) identidade de Zeno. A fim de iluminar as veredas percorridas, dividimos o presente trabalho em três partes. A primeira parte intitulada Italo Svevo, solo una vita non può bastare , traz fatos da vida do escritor triestino que, acreditamos, sejam importantes para o desenvolvimento do trabalho e que tem como protagonista maior não Svevo, mas a sua intensa e intrigante vida. Uma vida, como ele próprio ressaltou, que não parece bonita mas que foi tão enriquecida por afeições felizes que aceitaria vivê-la de novo (apud VICENTINI, 1984, p.8). Apesar das frustrações, desencontros, decepções, em especial, as literárias, encontramos na história de Svevo um exemplo de perseverança, disciplina, paixão e entrega total a cada empreitada sonhada e realizada. Vivendo entre o tênue limite de cada ação, nosso escritor conseguiu cravar na História da Literatura um capítulo marcante por intermédio de um estilo, como bem ressaltou Aurora Bernardini, ainda hoje tão intrigante e desafiador para nós, com seu tipo especial de ironia e seus curiosos “procedimentos” (BERNARDINI, 1997, p.4). De fato, Svevo contribuiu com a introdução de um novo e diferente estilo na narrativa do século XX. Liberta de alguns cânones do passado, esta narrativa traz um indivíduo destituído de virtudes e qualidades que parece, por vezes, paralisado diante de sua realidade, sem forças para lutar na cruel selva chamada vida. Enfim, um sujeito fragmentado, duplo, marginal, que vive entre dois “mundos”, o imposto pela sociedade, no qual ele apenas sobrevive, sempre em busca de manter a(s) aparência(s) perante os outros, e aquele que, de fato, ele gostaria de viver e quereria vivê-lo.
Tendo caminhado por estradas diferentes, e, de certa forma, contrastantes, nosso escritor, assim como o homem esboçado em suas escrituras, também carregará consigo um caráter múltiplo, procurando equilibrar-se em sua duplicidade, estabelecendo não um ponto para fixar-se, mas todos os (im-)possíveis. Dessa forma, finda a síntese da grandiosa e digna existência de Svevo, passaremos a um estudo de sua multiplicidade. Cabe ressaltar que nosso principal intuito ao revisitar a biografia de Svevo, além de apresentar uma história digna de ser contada, será o de encontrar elementos que demonstrem que esse autor, assim como o homem “moderno” de sua época, é um ser múltiplo, fragmentado, à procura de respostas para seu vazio existencial e das quais vai em busca escrevendo. Através da escrita, Zeno Cosini também buscará preencher suas lacunas, conhecer-se, entrar em contato com seu verdadeiro eu, almejando compreender quem ele é. A vida já não lhe satisfaz mais, por isso ele escreverá. Bom contador de histórias, o senhor Cosini fará de tudo para nos deixar duvidosos acerca da veracidade do que é enunciado por ele. Separar o joio do trigo de seu discurso é tarefa difícil, exige um trabalho meticuloso, uma vez que a certeza absoluta em classificar e separar suas verdades e mentiras apresentar-se-á, na maioria das vezes, como algo impossível e também desnecessário, já que as afirmações são sempre relativizadas, logo em seguida, pelo narrador. Dessa forma, no segundo capítulo, nossa atenção estará totalmente direcionada ao protagonista-narrador de A consciência de Zeno. Nosso intuito aqui é iluminar os passos narrativos percorridos por Zeno, a fim de chegarmos à(s) sua(s) (im-)possível(is) identidade(s). Alicerçado sobre características e qualidades, por assim dizer, “não-heróicas”, fomos levados, principalmente, através do livro Em louvor de anti-heróis: figuras e temas da
chegarmos a uma possível identidade de Zeno. Permeada por interesses e conveniências sociais, as relações familiares contidas no romance serão importantes por colocar em cena o retrato de uma sociedade burguesa, sempre voltada às aparências. Através de elementos do próprio romance e também da posição defendida por alguns críticos, procuraremos mostrar a importância dessas relações na constituição do personagem Zeno que terminará por consagrar-se no seio da família como o verdadeiro herói, reforçando assim, a premissa já discorrida no início do mesmo capítulo. Nossa segunda jornada será encerrada com a discussão acerca dos elementos que contribuem no processo de formação de uma identidade. Para tanto, buscamos respaldo, essencialmente, na teoria do filósofo italiano Alberto Melucci em O jogo do eu. A discussão sobre identidade em face de um eu múltiplo ocupa, sem dúvida, espaço central e mais provocativo nessa obra, no qual Melucci traz à tona a dificuldade cada vez maior de se responder com segurança à pergunta: “Quem sou eu?”. Segundo o filósofo italiano, vivemos em um mundo repleto de questionamentos sem respostas. Imbuído por inúmeras perguntas, nosso protagonista buscará através da escrita, as possíveis réplicas que possam dar-lhe sustentação no processo de seu autoconhecimento. Zeno construirá sua identidade à medida que enunciar suas memórias, buscará conhecer-se através da narrativa. Nesse processo de autoconhecimento, o vício pelo fumo terá papel fundamental, uma vez que Zeno decide escrever a fim de curar-se da obsessão pelo cigarro. Assim, podemos dizer que, sem o eterno propósito de fumar o último cigarro, Zeno não teria vida e, conseqüentemente, não conheceríamos suas memórias. É importante ressaltar que a doença, na obra, é desnudada de seu caráter negatório, anulador, adquirindo teor criativo, ligando-se a um pólo que normalmente não é o seu, o
construtivo que permitirá a nosso protagonista significar-se. Sua moléstia dar-lhe-á a oportunidade de analisar-se, conhecer-se e constituir um novo capítulo em sua existência. A doença pode ser lida, ainda, conforme ressaltado no estudo de Miorin, como a metáfora chave da incapacidade de se relacionar dentro de uma estrutura centrada ou privilegiada, assim como a saúde torna-se um efeito secundário do bem-estar sócio- econômico (MIORIN, 2006, p.75). Para Salinari, Ricci e Serri, o personagem “inepto” sveviano, ameaçado em sua identidade e em sua liberdade individual, é aquele que não aceita viver seguindo as regras do conformismo social (SALINARI; RICCI; SERRI, 1983, pp. 186- 7). Nesse contexto, a doença de Zeno vem reforçar a premissa de sua dificuldade em aceitar as normas sociais impostas. Procurando renegar sua “doença”, mas ao mesmo tempo experimentando-a e, sobretudo, sentindo-a febrilmente, latente em cada nível de seu ser, Zeno chegará à consciência de que, sem ela, não estaria a analisar-se, a procurar entender-se, conhecer-se. Através dela, ele inicia uma das mais temidas e tortuosas viagens a que um homem pode empreender, a do conhecimento do próprio eu. Sabermos quem somos pode parecer simples e fácil na superficialidade, contudo, nas profundezas de nossa alma a história é outra. Voltar-se para dentro, buscando nossos gostos, anseios e desejos proibidos pode ser uma aventura intrigante e assustadora, uma vez que nossa essência pode estar em desacordo com o mundo de aparências que criamos para podermos nos aceitar e sermos aceitos na sociedade em que vivemos. Zeno, viajante de si mesmo, seguindo o único trajeto possível, o da narrativa, o da escrita, entrará em contato com seus vários “eus”, evidenciando sua fragmentação que, na verdade, é a fragmentação de todo homem. Não somos seres homogêneos em nossa essência, dentro de nós, como bem frisou Alfredo Bosi, coexistem diversas almas: a social, a profissional, a intelectual, a doméstica, tantas quantas exigir a variedade de interlocutores