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Guias e Dicas
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Pluralidades da Representação do 'Diabo': Entendendo as Diversas Interpretações, Notas de aula de Literatura

Este artigo explora as representações do 'diabo' em textos literários, cinema, senso comum, satanismo e grupos mágicos/ocultistas. O autor analisa a relação dos alunos com práticas religiosas consideradas do 'diabo' e discute as imagens do 'diabo' além do contexto religioso-cristão. São abordadas representações artísticas, como contos de cordel e relatos de músicos que fizeram pactos com o 'diabo'. Também são discutidas representações cinematográficas, como no documentário 'remastered: devil at the crossroads' e no filme 'tenacious d in: the pick of destiny'. O autor explora ainda as interpretações do 'diabo' na literatura ocultista e seu papel como 'deidade' para diferentes grupos.

O que você vai aprender

  • Qual é a diversidade de representações do 'Diabo' em textos literários?
  • Como os grupos mágicos/ocultistas diferentes interpretam o 'Diabo'?
  • Como os seguidores de diferentes grupos ocultistas se relacionam com o 'Diabo'?
  • Qual é a importância da figura do 'Diabo' na cultura popular?
  • Como a representação do 'Diabo' difere entre a religião cristã e as representações artísticas?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Barros32
Barros32 🇧🇷

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF
INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE E DESENVOLVIMENTO
REGIONAL ESR
DEPARTAMENTO ED CIÊNCIAS SOCIAIS
THIAGO DE LIMA VIANA
“TUDO COISA DO DIABO!”, UMA ETNOGRAFIA SOBRE AS
REPRESENTAÇÕES DENTRO E FORA DOS GRUPOS OCULTISTAS
ACERCA DO DIABO
VERSÃO CORRIGIDA
CAMPOS DOS GOYTACAZES,
2021
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE E DESENVOLVIMENTO

REGIONAL – ESR

DEPARTAMENTO ED CIÊNCIAS SOCIAIS

THIAGO DE LIMA VIANA

“TUDO COISA DO DIABO!”, UMA ETNOGRAFIA SOBRE AS

REPRESENTAÇÕES DENTRO E FORA DOS GRUPOS OCULTISTAS

ACERCA DO DIABO

VERSÃO CORRIGIDA

CAMPOS DOS GOYTACAZES,

THIAGO DE LIMA VIANA

“TUDO COISA DO DIABO!”, UMA ETNOGRAFIA SOBRE AS

REPRESENTAÇÕES DENTRO E FORA DOS GRUPOS OCULTISTAS

ACERCA DO DIABO

Artigo apresentada à Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Ciências Sociais. Orientadora: Profª. Drª. Glaucia Maria Pontes Mouzinho CAMPOS DOS GOYTACAZES, 2021

RESUMO

Este artigo é um trabalho inicial para a compreensão das representações plurais sobre o “Diabo”. A diversidade está presente em textos literários, produções cinematográficas, senso comum, vertentes dentro do Satanismo e até a própria literatura produzida por grupos mágicos/ocultistas de diferentes tradições - “Alta Magia”, “Magia do Caos” e “Bruxaria Apocalíptica”, grupos esses que integram minhas principais observações. Trata-se aqui de texto etnográfico como resultado das narrativas descritas sob os textos literários ocultistas citados em grupos em redes sociais e programas de podcast. Palavras-Chave: Redes Sociais, Conflito, Magia, Ocultismo e Satanismo

SUMÁRIO

  • INTRODUÇÃO
  • DIABO NO PLURAL?.................................................................................................
    • O DIABO SEGUNDO A TRADIÇÃO DA “ALTA MAGIA”, ÉLIPHAS LÉVI
    • CARROLL O DIABO SEGUNDO A TRADIÇÃO DA “MAGIA DO CAOS”, PETER J.
    • O DIABO SEGUNDO A “BRUXARIA APOCALÍPTICA”, PETER GREY
  • OPOSIÇÃO AO SENSO COMUM
  • CONSIDERAÇÕES FINAIS
  • REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

INTRODUÇÃO

A provocação inicial para este artigo surgiu em uma dinâmica proposta por meus colegas em campo – uma escola municipal na região do centro de Campos dos Goytacazes

  • quando participávamos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID)^1. Nosso projeto na época era discutir a diversidade religiosa e a luta contra a intolerância. Em um dos primeiros contatos com os alunos, percebemos que as informações trazidas pelos mesmos os caracterizavam sendo uma maioria de credo cristão (católico ou protestante). Pensamos então em citar algumas religiões que não foram representadas naquele momento, como o Judaísmo e algumas religiões de matrizes africanas, como a Umbanda e o Candomblé. Mas, quando estávamos trabalhando o contexto da ancestralidade africana, parte dos alunos não quis participar do projeto por defenderem a ideia de que estas religiões seriam “obra do Diabo”. Pois, segundo um dos alunos nos revelou à época, “essas coisas são de feitiçaria e do maligno”.^2 A perspectiva do aluno chegou a me gerar uma certa surpresa ao notar uma visão tão combativa, mesmo já tendo trabalhado em outras ocasiões com aquela turma termos como “conflitos sociais” dentro das leituras de Simmel ( 1983 ), compreendendo o “conflito” como ponto de encontro de duas forças que se nivelam, se tornando um ponto de partida para a compreensão da realidade social e na tentativa de analisar aquele contexto. Assim, minha surpresa ao ouvir aquela declaração me fez rever todo nosso trabalho feito em sala acerca da “intolerância religiosa” e até “perseguição religiosa” A partir desse momento comecei a pensar em como o aluno relacionava as práticas religiosas que fugissem da sua própria como sendo do “Diabo”. Me dei conta de como a perspectiva adotada por ele sobre a representação do “Diabo” marca, é claro, uma leitura cristã do mundo, ainda que não universal, e indicava um movimento no Brasil cada vez mais frequente, abrindo espaço para inúmeros conflitos mais ou menos violentos. Uma das principais discussões levantada por pesquisadores tais como Miranda; Corrêa; Almeida (2017), é a disputa pelo reconhecimento pleno de direitos sociais que são negados por um grupo invisibilizado e violado historicamente. Deixando de ser uma questão privada – podendo ser falsamente equiparada a uma “discussão”, “desentendimento entre vizinhos” - e se tornando também uma questão para o espaço (^1) Mais informações em: http://portal.mec.gov.br/pibid acessado em 05 de setembro de 2021. (^2) As citações entre aspas e em itálico são relacionadas às “categorias nativas” que foram observadas no campo.

feitiçaria. Basta que os etnógrafos se deixem afetar pelas mesmas forças que afetam os demais para que um certo tipo de relação possa se estabelecer, relação que envolve uma comunicação muito mais complexa que a simples troca verbal a que alguns imaginam poder reduzir a prática etnográfica. (GOLDMAN. p. 150. 2005) Demorei um pouco para discernir o que é ser “afetado” pelo meu campo de estudo. Afinal, eu não estava apenas escrevendo meus relatos no caderno de campo, eu também estava dentro do “afeto” sendo positivo ou não do grupo estudado. A partir das minhas leituras, esse “susto” que me foi provocado se tornou meu principal ponto de partida para a elaboração deste texto, assim como uma nova observação sob os meus interlocutores. Assim os podcasts se tornaram meu primeiro contato com este campo. Estes são produzidos na forma de episódios, disponibilizados em plataformas de áudio e hospedados em seus próprios blogs. Pude reparar que aos poucos começaram a se tornar um ponto de encontro para outros praticantes de “Magia”, atraindo um público que talvez não tivesse tido um contato com tal tema. E este foi meu caso. Eu já acompanhava o podcast “Mundo Freak Confidencial^4 ” um podcast sobre casos insólitos e entretenimento. Algumas das pautas eram voltadas para esse questionamento filosófico sobre o que era “Magia” e retratar algumas obras da Cultura Pop que conversam com o tema. Até que como um produto de spin-off , um programa secundário e independente, o “Magickando^5 ” assim surgiu e em pouco tempo já tinha se tornado minha principal fonte para análise sobre esse “mundo mágico”. Após algum tempo de estudo destes podcasts soube em um dos episódios que existia um “grupo privado^6 ” dentro de uma rede social onde os fãs poderiam interagir com os membros do podcast e acompanhar algumas gravações ao vivo se fosse um “ apoiador ”, ou seja, se contribuísse financeiramente. Voltei a minha atenção para o grupo e seu programa “Magickando – para apoiadores”. Atualmente este grupo contém cerca de mil e quatrocentos membros, e este espaço se tornou um lugar de troca de experiências: alguns pedem auxílio buscando indicação de leitura, outros usam o grupo como uma rede de acolhimento compartilhando alguns momentos de sua “ trajetória mágica” – relatos de rituais que não tivessem obtido (^4) Mais informações em: https://www.mundofreak.com.br/ acessado em 05 de setembro de 2021 (^5) Mais informações em: < https://www.magickando.com.br/> acessado em 05 de setembro de 2021 (^6) Um “Grupo Privado” nesta rede social significa que apenas os membros do grupo podem ver quem são os integrantes e também as publicações dos mesmos.

o resultado esperado, discriminações feitas por outros integrantes de outros grupos mágicos/ocultistas e também relatos de rituais com algumas “Deidades” Participando deste grupo assim como ouvinte destes episódios passei a utilizar essa observação sob as literaturas mencionadas por estes interlocutores em conjunto com minhas anotações deste campo como forma principal de análise para esta etnografia. A escolha a partir dali, não se tratava de um clássico trabalho de campo, mas uma observação participante em um mundo virtual, cada vez mais frequente e ampliado no contexto da pandemia de COVID-19. Minhas reflexões e meus apontamentos etnográficos são marcados em parte pela perspectiva trazida por Marisa Peirano (1982; 1983), retratando assim que o processo etnográfico não é um método, mas um conceito. Não estaria apenas utilizando os “dados” recolhidos em minhas observações por meus interlocutores, estou também me incluindo na análise. Não estou apenas me utilizando de algumas entrevistas e observações. Minha análise é composta por minhas experiências dentro e fora do campo, dentro e fora do grupo citado, assim como dentro e fora das leituras sobre sua própria produção literária. Logo, este texto é feito em diálogo com leituras de textos apresentados a mim durante meu período de graduação. Parte das minhas anotações do campo surgem quando estou “vagando” pelo grupo na rede social, me deparo com algum comentário de algum membro ou quando estou ouvindo um novo episódio do podcast. Meu propósito é capturar a narrativa do grupo e transformar esse relato de meus interlocutores no texto etnográfico, me aproximar dentro das condições possíveis, do “ponto de vista do nativo” (Geertz, 1989). Todavia, é necessário que eu tenha sempre em mente que também estou inserido no “ contexto mágico” pois também me identifico como um praticante, como um magista/ocultista. Logo, sempre preciso ficar atento aos pontos que podem parecer naturais em minha interação no campo, precisando assim estranhá-las, na tentativa de identificar as questões por detrás das relações sociais apresentadas em minhas anotações (WEBER, 2009). Assim procurei compreender como eu poderia discorrer sobre as imagens do “Diabo”. Pensei em trabalhar dentro das possíveis representações artísticas me instigando a elucidar o “Diabo” em contraponto ao senso comum. Extrapolando sua significação religiosa-cristã, pude compreender o “Diabo” por associação ao mundo fantástico como presente em alguns importantes textos literários da América Latina (GARCÍA MÁRQUEZ, 2009 ) ou da cultura popular, como em alguns contos de cordel

Pensando as representações brasileiras, volto ao cinema nacional. A representação do “Diabo” enquanto um ser “malandro” ou até “sagaz” não está presente em “Deus e o Diabo na Terra do Sol ( 1964 ). Nele, a presença do “Diabo” não é definida como um por um ser místico, poderoso ou temível. No longa tanto “Deus” quanto o “Diabo” são presentes em todo o momento pela interação dos personagens com o mundo, e em certos arcos os protagonistas “Rosa” e “Manuel” chegam a trilhar um caminho que os aproximaria de “Deus” quando os dois se juntam ao “Profeta” que prometia transformar o “sertão em mar”, e “mar em sertão”. Porém os mesmos se distanciam do caminho dito “divino” quando o “Profeta” afirma ter que sacrificar uma criança e uma mulher para chegarem à “Terra Prometida”. DIABO NO PLURAL? Dentro da literatura ocultista a visão do “Diabo” não é mesma do retratado no senso comum ou nas representações artísticas. A própria concepção de um “Satanismo” enquanto religião com diferentes vertentes e crenças apresentadas nos textos estudados me instigaram a imaginar como esses grupos se expressam e interagem entre si. Uma das vertentes deste “Satanismo” relaciona o Diabo como uma forma de ir contra as normas da sociedade, contra o que seria considerado habitualmente correto “segundo a moral e aos bons costumes”. Essa forma de compreender o “Diabo” é visto pelo meu campo como “Satanismo Ateu” , pois, para eles os seguidores desse “Satanismo” não são praticantes de magia/ocultismo. Segundo alguns relatos que pude recolher, estes “ satanistas ateus ” apenas gostariam de usar uma estética mais “ dark ”, mais sombria da tentativa de chocar a sociedade e causar estranheza daqueles que não compartilhassem dos mesmos dogmas Segundo Grahan Harvey ( 2002 ) o começo do “Satanismo” enquanto Instituição é fundado por Anton LaVey quando o mesmo escreve a “Bíblia Satânica”. Este seria o principal livro sagrado de sua religião e teria como proposta ser a “Religião do Self”. Nela o foco da adoração deve ser voltado para o desenvolvimento do próprio indivíduo e não para um “Ser Superior” ou alguma forma de “Deidade”. Esta perspectiva é compreendida, segundo o autor, como uma filosofia profana por diversas outras religiões ao inverter a relação de adoração entre Individuo-Deus e Deus-Individuo. Harvey elucida que dentro do pensamento proposto por LaVey:

[...] religiões representam poder sobre o povo, ganho quando as necessidades e desejos comuns são identificados com "pecado" ou "engano" e a "solução" (salvação ou iluminação) é oferecida ao obediente. Satã é o questionador deste sistema. Satã encoraja cada pessoa a experimentar e descobrir se elas acham que estes desejos e necessidades são úteis ou não [...]. (HARVEY, p. 4. 2002 ) Esse “Satanismo Ateu” categorizado por meu campo é uma forma de questionar as regras da sociedade que esse indivíduo integra, como também questionar as próprias regras impostas por outras religiões de como os seus integrantes devem se portar e interagir com os demais. O principal grupo Satânico que segue os princípios de LaVey é a “Igreja de Satã” fundada pelo mesmo em 1960 na California. (HARVEY, 2002 ) Um outro grupo “Satanista”, e este se aproxima um pouco mais dos conceitos apresentados pelo meu campo, é a “Organização Internacional Templo de Set”. Antes era uma minoria dentro da “Igreja de Satã” que rompe com suas lideranças e depois se espalha para outros países. Para este grupo a concepção do “Diabo” é semelhante a uma “Deidade”, nas palavras de Harvey, como uma “Entidade Incorpórea” (HARVEY, 2002 ). Para os “ setianos ” – àqueles que integram o “Templo de Set” – a imagética que a sociedade tem sobre “Diabo” é uma visão cristã, é a “representação Bíblica no mal”, do pecado. Para esse grupo a representação do “Diabo” é de um “mentor”, àquele que auxilia seus devotos a se transformarem em algo novo, uma versão melhor de si. O nome do templo é a lembrança da deidade egípcia “Set” que de acordo com seus seguidores, é o arquétipo do “rebelde” àquele que representasse o orgulho e autoglorificação. Ainda no texto de Harvey ( 2002 ) é descrito como os seguidores do “Templo de Set” se relacionam na Inglaterra e como seu principal meio de comunicação interna é a internet. Seriam raras as ocasiões em que os integrantes se reuniam pessoalmente, e ainda assim, sempre tentavam manter menos de uma dúzia de seguidores. Compreendo que o fato destes grupos se reunirem no espaço virtual pode ser uma possível forma de proteção ao se resguardarem de alguma forma de acusação ou perseguição ao expressar sua religiosidade em espações públicos. Afinal, pensando na tipificação da “atitude blasé” viver em uma metrópole é estar em contato com diversos estímulos que podem ser nocivos ao indivíduo, ainda mais se este pertence a uma religião/grupo que não se enquadra no “socialmente aceito”, ou ainda que correto, dependerá dos julgamentos morais (SIMMEL, 1973)

suas próprias regras e “ universos ” que devem ser “ domados ” no caminho do “ mago ” para sua “ ascensão ” como processo de autoconhecimento. As “ armas mágicas ” podem ser separadas em quatro instrumentos arquétipos: “Vara/bastão”, “ representando o elemento alquímico do fogo, a “vontade do mago” isto é a capacidade de se conectar com seu lado espiritual; “Espada/atame”, “representando o elemento alquímico do ar, a racionalidade do mago”, a capacidade mental na racionalização do mundo material e sua compreensão científica; “Pentáculo/pentagrama” que é a representação do corpo, do “ mago ” fazendo este se conectar com a materialidade a sua volta. E por fim, a “Taça/espelho” representando o elemento da água que se conecta com as emoções e seus sentimentos utilizando essas alterações entre emoções diferentes para a manifestação da sensação escolhida. Na prática da “Alta Magia”, o “ mago ” precisa entrar em comunhão com os quatro elementos para “ manifestar ” sua magia no mundo. Para Lévi compreender o que é o “Diabo” é questionar sua figura dentro da esfera religiosa e conceituá-lo como uma “Deidade” própria, [...] a personificação real e quase divina de Satã é um erro que se liga ao falso Zoroastro, isto é, ao dogma alterado dos segundos magos, os magos materialistas da Pérsia; eles transformaram em deuses os dois polos do mundo intelectual, e da força passiva fizeram uma divindade oposta à força ativa. [...] (2019, p. 159) A separação das energias “Ativas/passivas” é uma tentativa de criar um ser “puro” que deveria ser compreendido em sua complexidade como uma “Deidade” de dois lados. Logo, sua “contraparte” – o “Diabo” cristão - seria o oposto da força criadora que traz a salvação. Ainda, em seu texto, essa seria a explicação da criação de seres “malignos”: “cada um desses vícios personificou-se em um ídolo negro ou um demônio que é uma imagem negativa desfigurada da divindade que dá a vida; são os ídolos da morte. [...] o verdadeiro nome de Satã, dizem os cabalistas, é o nome de Jeová às avessas, porque Satã não é um deus negro, é a negação de Deus. O Diabo é a personificação do ateísmo ou da idolatria.” (2019, p. 163) Dentro da sociedade mágica descrita por Lévi essa separação do conceito de “mau e “bom” não afetaria os “Deidades” como o “Diabo”, pois “ para os iniciados, não é uma pessoa, é uma força criada para o bem, e que pode servir ao mal; é o instrumento de liberdade. Eles representavam essa força que preside à geração física sob a forma mitológica e cornuda do deus Pã; daí veio o bode do sabá, o irmão da magia serpente e o Portador da Luz ou Phosphorus (em grego) de que os poetas fizeram o falso Lúcifer da lenda.” (2019, p. 163)

Um fato curioso sobre a obra de Lévi, é a representação mais comum do “Diabo”, conhecida dentro dos grupos ocultistas como “Baphomet^9 . Trata-se de um ser alado, com chifres, onde uma das mãos possui um dedo em riste apontando para o céu – podendo simbolizar o mundo racional – assim como sua outra mão para baixo – representando o mundo material. Essa “Deidade” também possui seios expostos, assim como o “Caduceu de Hermes” em seu ventre simbolizando o falo, um ser com signos andrógenos que representaria a consumação do “casamento alquímico” momento em que as energias “ masculinas/ativas ” se conectariam com as energias “ femininas/passivas ” formando o “ Ser Perfeito ”. Uma representação entre “Humano” e “Animal”, entre o “Masculino” e “Feminino” e até o “Racional” e o “Material”. Figura 1 – Baphomet Fonte: Página da Wikipedia^10 O DIABO SEGUNDO A TRADIÇÃO DA “MAGIA DO CAOS”, PETER J. CARROLL (^9) Mais informações em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Baphomet> acessado em 05 de setembro de 2021. (^10) Mais informações em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Baphomet> acessado em 05 de setembro de

Para Carroll a gênese das ditas “sociedades secretas” se deu como forma de agrupamento, e resistência. “seus devotos se encontravam secretamente como bruxas e feiticeiros para praticar sua magia” (2016. p. 175). A sociedade se modificou ao ponto de unir diversas “Deidades” em uma estrutura utilizando a religião como um instrumento de institucionalizado do Estado. Não só os que cultuavam “Baphomet”, haviam se tornado “marginais” àquelas normas, mas, qualquer um que não segue a religião majoritária. [...] Os deuses únicos desse período foram criados para conceber sanções divinas aos poderes seculares e sacerdotais, além de indicar um modelo para o cidadão ideal [...] Yahweh, Jeová, Alá e Buda foram definidas como humanos do sexo masculino, idealizados de acordo com ideias culturais específicas.” (2016, p. 175). Na visão de Carroll, as religiões contemporâneas não só fazem parte de um contexto religioso, como também haviam se entranhado no contexto social e ditariam o que deveria ser aceito pelo grupo ou não. O DIABO SEGUNDO A “BRUXARIA APOCALÍPTICA”, PETER GREY A obra de Peter Grey^12 é um pouco diferente das duas já apresentadas, sua origem é na Wicca^13 , um grupo religioso que possui práticas mágicas e são denominados de “ bruxo ” ou “ bruxa ”. Tendo apresentado algumas tradições mágicas neste texto, a “Bruxaria Apocalíptica” de Grey é a que mais se aproximaria das estéticas do senso comum do que seria conhecido enquanto “Bruxaria”. Mulheres dançando a luz da Lua, se reunindo em “sabás”, compartilhando a “ egrégora ” do “Deus-Criador” enquanto mulher, a “Deusa” A principal distinção dentro da literatura de Grey dos demais autores apresentados é de fugir da centralidade de uma figura masculina. Aqui, o “Diabo” é tanto a “Deusa”, quanto o “Cornudo”: “O Diabo não é a mão oculta da história, mas foi formado pela luva que ela usa. O Diabo é, então, o funcionamento da natureza selvagem, aparentemente tão distanciada de nós quanto qualquer Estrela da Manhã, mas tão intimamente ligada a nós quanto nossa própria sombra. O Diabo é um sinal de que Ela (a Deusa) também está aqui, como (^12) Mais informações em: https://www.penumbralivros.com.br/nossos-autores/peter-grey-bio/ acessado em 05 de setembro de 2021. (^13) Mais informações em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Wicca> acessado em 05 de setembro de 2021.

o caminho para a floresta escondida que o Diabo indica, e pela qual a bruxa deve caminhar” (2017, p. 103) Para Grey a “Magia” é o termo “ bruxaria ” que pode parecer semelhante ao relatado em Evans-Pritchard (2004) pois para o “ paradigma ” da “Bruxaria Apocalíptica”, as “ bruxas ” estão sempre vivenciando o lado mágico, não há uma separação de onde um começa e o outro termina. Desde as maiores ou menores escolhas do cotidiano integram a esfera da “ bruxaria ”. No entanto, diferentemente dos Azande de Evans-Pritchard, para Grey, a “ bruxa ” sempre foi a escolhida para se tornar o “Outro” àquele que nunca foi pertencente a sociedade, ou àquele que não possuía os mesmos direitos dos demais. Assim, a [...] bruxaria é o sexo que os outros fazem; Bruxaria, a droga que os outros usam, bruxaria é o rito que os outros realizam. Bruxaria é a magia que os outros fazem. Bruxaria é a roupa que os outros usam. Bruxaria é a palavra que os outros falam. Bruxaria é a Deusa que eles veneram.” (2017, p. 14). Ao serem acusados de fazerem “bruxaria” por não se adequarem às normas, ou seguirem as tradições vigentes, os adeptos da “Bruxaria Apocalíptica” se utilizam de tais acusações para reforçar sua identidade. Em razão da “ bruxa ” sempre ter sido sempre negligenciada seria está a portadora da função de “ armar ” a população contra a “dominação do patriarcado, das grandes empresas ”. Daqueles que querem ditar o que os “ oprimidos ” devem se comportar e agir. “ Bruxaria Apocalíptica é sobre um mundo em guerra com os últimos remanescentes da natureza selvagem, os últimos remanescentes da humanidade” (2017, p. 19). Seriam apenas as “ bruxas ” as pessoas que conseguiriam combater a exploração da Natureza, ir contra as desigualdades sociais e “munir” sua comunidade como se estivessem se preparando para guerra que um dia chegará. O caráter político combativo é muito mais presente nessa obra que as demais aqui citadas, essa “literatura de intervenção” também pode ser pensada quando o autor volta a citar então quem, ou que é o “Diabo” “[...] é duplo, cujo culto é noturno, orgiástico e infantivida. A vontade de Deus é simplesmente o poder da Igreja e do Estado de oprimir, acusar e decretar o auto-da-fé.” (2017, p. 15). Assim como retratado por Carroll ( 2017 ) Grey associa a construção de um pensamento contemporâneo religioso munido de extrapolação política no controle social, conceito recorrente tratado na obra de Foucault, quando é descrito o “biopoder”, isto é, como alguma Instituição interfere na vida social dos indivíduos. Como os corpos sob a influência desta organização devem seguir os padrões determinados pelo credo (BERTOLINI, 2018 ).