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O tema dos meios autônomos de impugnação é intrinsicamente conectado ao tema das nulidades processuais e a própria história do direito processual, com o ...
Tipologia: Notas de aula
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QUERELA NULLITATIS INSANABILIS; das suas origens históricas até o CPC/
Por Rodrigo Elian Sanchez*
Através do presente artigo, pretende-se discorrer sobre meios autônomos de impugnação de atos judiciais, os distinguindo dos recursos para, posteriormente, tratar com maior profundidade da “ Querela nullitatis insanabilis ”, também conhecida como ação declaratória de inexistência, de forma a demonstrar a atualidade deste meio de impugnação autônomo, após a entrada em vigência do código de processo civil de 2015.
O tema dos meios autônomos de impugnação é intrinsicamente conectado ao tema das nulidades processuais e a própria história do direito processual, com o surgimento do germe da distinção, ainda no direito romano, da distinção do error in procedendo do error in judicando. De outro lado e considerando, que a querela nullitatis insanabilis é medida excepcional que visa, apenas, impugnar sentenças inexistentes, o estudo buscar compreender quais são os requisitos pelos quais é possível distinguir sentença nula de sentença inexistente.
Palavras-chave: Meios autônomos de impugnação de decisões judiciais – Distinção dos recursos – meio autônomos de impugnação em espécie - querela nullitatis insanabilis : origem e atualidade deste meio de impugnação autônomo – Código de Processo civil de 2015.
The aim of this article is to discuss autonomous means of challenging judicial actions, distinguishing them from the appeals, and then to deal more fully with the Querela nullitatis insanabilis , also known as declaratory action of non-existence, in order to demonstrate the of this means of autonomous impugnation, after the entry into force of the 2015 Brazilian code of civil procedure.
The subject of the autonomous means of challenge is intrinsically connected to the issue of procedural nullities and the history of procedural law, with the emergence of the germ of the distinction, still in Roman law, of the distinction of error in procedendo from error in judicando. On the other hand, and considering that the querela nullitatis insanabilis is an exceptional measure that only seeks to challenge non-existent sentences, the study seeks to understand what are the requirements by which it is possible to distinguish null sentence from non-existent sentence.
Keywords: Autonomous means of challenging judicial decisions - Distinction from appeal – An autonomous means of impugnation in kind - querela nullitatis insanabilis : origin and actuality of this means of autonomous impugnation – The 2015 Brazilian Code of Civil Procedure.
decisão poderá ser revista por outro órgão, o prolator da decisão se cercará de maiores cuidados na entrega da prestação jurisdicional, melhorando a qualidade da tutela oferecida ao final”^2.
A mesma autora continua: “Os meios de impugnação das decisões judiciais remontam aos primórdios da organização judiciária, tendo surgido antes mesmo dos remédios mais utilizados atualmente como meio de impugnação, os recursos, (sendo o mais típico deles, a apelação), pois, como anteriormente asseverado, as manifestações de descontentamento com situações adversas são inerentes à condição humana e, sendo assim, os meios de impugnação das decisões judiciais originaram-se desse natural inconformismo do homem, conferindo maior legitimidade às decisões e ao Judiciário, na medida em que propicia ao vencido manifestar sua irresignação o que, certamente, não pode ser feito de forma ilimitada, pois, para que igualmente atinja seu fim pacificador, é curial que a tutela jurisdicional se revista, a partir de um momento estabelecido por política legislativa, de um caráter de definitividade, pondo um fim à controvérsia^3 ”.
A doutrina aponta, basicamente, três fundamentos que justificam a existência dos meios de impugnação contra decisões judiciais: 1°) o inconformismo das partes quanto à decisão proferida contrariamente a seu interesse; 2º) o interesse do próprio Estado em que a decisão seja proferida corretamente; e 3°) em alguns sistemas jurídicos, como o brasileiro, a necessidade de uniformização da inteligência do direito federal.
Os meios de exercer esse inconformismo, dos quais os meios de impugnação é gênero, a doutrina tradicional agrupa-os em duas espécies: as ações autônomas de impugnação e os recursos.
A classificação dos meios de impugnação como recurso ou ação autônoma depende de opção de política legislativa, uma vez que, em razão do princípio da taxatividade dos
(^2) PARRO, Fabiana Monteiro. O erro na ação rescisória. Dissertação de mestrado, Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2011, página. 26. 3 Ob. Cit. Página 27.
recursos, só são classificados como tais aqueles elencados no rol do artigo 994 do Código de Processo Civil em vigor (Lei federal nº 13.105, de 16 de março de 2015).
A nota característica dos recursos é o fato de serem exercitáveis na mesma relação jurídica processual em que foi proferida a decisão impugnada, antes da formação da coisa julgada; já as ações autônomas de impugnação dão ensejo à formação de nova relação jurídica processual, distinta daquela em que foi proferida a decisão impugnada.
Mas qual o conceito de recurso? Para Cândido Rangel DINAMARCO, recurso é “um ato de inconformismo, mediante o qual a parte pede nova decisão, diferente daquela que lhe desagrada. (...) Recorre-se da decisão que acolhe ou rejeita alguma pretensão no curso do processo sem definir a causa (decisões interlocutórias), recorre-se do ato judicial que define a causa julgando-lhe o mérito ou não (sentenças), recorre-se de decisões tomadas pelos tribunais (acórdãos)^4 ”. DINAMARCO, ainda cita LIEBMAN visando concluir o conceito de recurso, para o qual “está implícita no conceito de recurso a ideia de uma oposição, de um ataque – recorrer de uma sentença significa denunciá-la como errada e pedir uma nova sentença que remova o dano injusto causado por ela”.
José Carlos Barbosa MOREIRA, por sua vez, define recurso como “o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão judicial que se impugna^5 ”. De acordo com referido jurista, os recursos não são a única forma de impugnação´, sendo duas as classes de impugnação fundamentais: a dos recursos, que são exercíveis dentro do processo que originou a decisão impugnada; e a das ações impugnativas autônomas, que, em regra, pressupõem a irrecorribilidade da decisão.
Mas qual a distinção fundamental dos recursos em relação aos meios autônomos de impugnação? De acordo com Candido Rangel DINAMARCO: “É conatural ao conceito de
(^4) DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil. 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009, p.116/117. 5 MOREIRA, José Carlos Barbosa, “ Comentário ao Código de Processo Civil, Lei n.° 5.869, de 11 de janeiro de 1973, vol. V: arts. 476 a 565.l ” – Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2013, página 233.
De acordo com o exposto acima, recursos e ações autônomas não se confundem. No entanto, a despeito da evidência da distinção entre estes institutos, surgiu no meio jurídico a expressão “sucedâneos recursais” para diferenciar as ações impugnativas autônomas dos recursos. Os doutrinadores que seguem esta ideologia têm um posicionamento que se volta à praticidade, ao entenderem que as ações autônomas têm o mesmo papel dos recursos, assim como aduz Nelson NERY JUNIOR ao afirmar que as ações autônomas de impugnação “fazem as vezes de recurso (por isso denominadas sucedâneos recursais), já que se dirigem contra decisões judiciais^10 ”.
Neste sentido Daniel Amorim Assunção NEVES: “Afirma-se corretamente que dentro do gênero “meios de impugnação das decisões judiciais^11 ” existem duas espécies de instrumentos processuais: os recursos e os sucedâneos recursais, sendo a análise comparativa entre eles realizada de forma residual, ou seja, tudo o que não for recurso será considerado um sucedâneo recursal”. Referido autor, ainda divide os sucedâneos recursais em internos e externos, utilizando a nomenclatura sucedâneo recursal interno para se referir à incidentes processuais (ex: suspensão de segurança) dos sucedâneos recursais externos que seriam as ações impugnativas autônomas.
Tal critério está longe de ser pacífico, sendo o mais frequente a distinção entre: recursos, incidentes processuais e meios autônomos de impugnação.
Nossa opinião é pela impropriedade da expressão, já que sugere a ideia equivocada de que todo meio de ataque a um decisório terá natureza de recurso. São tão evidentes as diferenças entre ambos institutos, motivo da inadequação da utilização da denominação “sucedâneos recursais” como se todo meio de impugnação não previsto em lei como espécie de recurso (taxatividade) assim não pode ser considerado, mas fará as vezes deste, ou seja, terá o mesmo conteúdo.
(^10) NERY JÚNIOR, Nelson. P rincípios fundamentais – teoria geral dos recursos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 150. O autor, porém, categoricamente afirma, à pág. 151, que as ações autônomas “não têm natureza jurídica de recurso”. 11 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – Volume único. 8. ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, página. 2.593.
São considerados os principais meios autônomos de impugnação em face de decisões judiciais: o mandado de segurança, a ação rescisória, a ação anulatória (art. 966, § 4o, CPC/2015) a ação declaratória de inexistência ( querela nullitatis insanabilis ), bem como a reclamação constitucional. Para o fim deste artigo elegemos três dos mesmos para abordagem: Mandado de segurança, a reclamação constitucional e a ação declaratória de inexistência ( querela nullitatis insanabilis ).
2. DA QUERELA NULITATTIS INSANABILIS
Meio impugnativo bastante esquecido pela doutrina é a Querela nulitattis insanabilis. O surgimento de tal meio de impugnação, deu-se pela necessidade de correção dos errores in procedendo. Seu surgimento trouxe ideia mais abrangente de preclusividade, podendo o vício ser atacado a todo tempo, independente de prazo de forma.
2.1. HISTÓRICO
O estudo da “ querela nullitatis ” anda de mãos dadas com o estudo da evolução do regime das nulidades do processo, considerando que concebida como forma de correção desses vícios nomeados pela doutrina como “errores” de forma genérica.
No Direito Romano, tanto no período das “ legis actiones ” quanto no da “o rdo judiciorum privatorum ”, não existiam ações que visassem à nulidade dos atos processuais, posto que a sentenças eram irrecorríveis e as nulidade de direito material operavam-se “ pleno iure ”, não havendo necessidade de declaração.
Entretanto, no período formulário, em razão da atividade do pretor, houve uma depuração do conceito de nulidade, posto que a mesma seria uma sanção aos atos não realizados de acordo as regras vigentes (que eram extremamente formalistas).
Não havia prazo certo para o manejo da “ revocatio in duplum ”, diante da nulidade da sentença, que na verdade correspondia à sua inexistência, ou seja, poderia o devedor demandar a qualquer tempo.
Por outro lado, posteriormente, no período republicano, surgiu a ideia de uma ação que tivesse por objetivo a anulação de sentenças que, embora formalmente válidas, representassem manifesta injustiça. Então, a critério do pretor, dava-se à parte prejudicada a oportunidade do ajuizamento do remédio da “ restitutio in integrum ”. E todo esse sistema impugnativo veio, logo após, a ser completado pela oficialização da “ appellatio ”, como forma ordinária de correção da injustiça da decisão.
Assim de acordo com Fernando da Fonseca GAJARDONI^14 , o quadro impugnativo quanto às sentenças em geral no período formulário era o seguinte:
a) “ appellatio ” – via ordinária para a correção da injustiça substancial da sentença, tendo em vista a aplicação da lei, consequentemente, abarcando o tema das nulidades; b) “ restituto in integrum ” – via excepcional, concedida pelo pretor e pelos magistrados imperiais, com o escopo de corrigir a injustiça substancial da sentença, tendo em vista a consideração dos fatos da causa; c) “ revocatio in duplum ” – via autônoma – sem prazo fixado - de iniciativa do devedor, que, correndo o risco de ser condenado no dobro, antes de eventual atitude constritiva do credor, impugnava a sentença sob o ponto de vista da legalidade (nulidade = inexistência).
Nas palavras de Moacyr Lobo da COSTA, em seu clássico “ A Revogação da sentença”^15 a questão da possibilidade da existência, no direito romano, de meio autônomo de impugnação da sentença eivada de nulidade, diverso da apelação, quando a nulidade não fosse evidente e ao vencido faltasse remédio idôneo para esse fim é vivamente controvertida. Aponta que a origem romana da q uerela nullitatis , é defendida por Heffter,
(^14) Ob. Cit. Página 4. (^15) COSTA, Moacyr Lobo da, A revogação da sentença: gênese e genealogia. São Paulo, Ícone, 1995, páginas 72 e 73.
enquanto que de forma antagônica encontra-se Skell, seguindo a interpretação de Renaud, como, também, Bethmann-Hollweg, para os quais a querela nullitati s, surgida na legislação estatutária italiana do século XIII, não guarda relação com os institutos jurídicos do processo romano.
Não obstante a divergência, na doutrina, sobre a origem deste instituto (se de origem romana, visigótica, italiana, ou até canônica^16 ) a corrente desenvolvida por ARTHUR SKEDL, seguida por PIERO CALAMANDREI acabou por influenciar a maioria dos doutrinadores brasileiros, entre eles José Rogério CRUZ E TUCCI e Luiz Carlos de AZEVEDO^17 , Fernando da Fonseca GAJARDONI^18 e Fabrizzio Matteucci VICENTE^19 ; que apontam a origem da Querela nullitatis insanabilis , no direito estatutário italiano (mesclava conceitos advindos do direito romano e germânico – lombardos).
Conforme, comentado a maioria da doutrina aponta a origem da querela nullitatis insanabilis , no direito intermediário italiano, quando através da fusão de conceitos do direito romano, com direito germânico foi possível distinção clara entre error in judicando e error in procedendo , sendo que tal meio de impugnação veio a ser previsto em estatutos italianos, como nos de Perúgia e Carrara.
Neste sentido, assinala Fernando da Fonseca GAJARDONI apud Roque KOMATSU, que foram, nestes estatutos, que se originou tal distinção pela qual “a antítese entre o conceito de anulabilidade e o de nulidade ‘ipso iure’ foi resolvida de modo mais lógico: enquanto se acolhe de uma parte a noção de anulabilidade para quase todos os vícios da sentença e para estes se prefixa um prazo peremptório dentro do qual devia ser exercida a querela ‘ nullitatis ’ em via principal; de outra parte em se acolhendo a noção de inexistência do julgado para alguns vícios mais graves admite-se a qualquer tempo o exercício da ‘ exceptio nullitatis ’. Assim, “a legislação estatutária vinha a mitigar a excessiva absoluteza do
(^16) Ainda de acordo com Fabrizzio Matteucci Vicente também parece defender essa teoria Fernando Della Rocca, Saggi di diritto processuale canonico, p. 173, ao afirmar que: " Quanto ai diritto canonico nei primi suoi tempi non fu conosciuta una vera e propria querela di nullità 17 ”. CRUZ E TUCCI, José Rogério Cruz; Luiz Carlos de Azevedo. Lições de processo civil canônico: história e direito vigente 18. Ed. Revista dos Tribunais, 2001, pg. 151. 19 Ob. citada. Ob. citada.
se pode dizer de origem romana, nem de origem germânica, mas de pura formação italiana”.
Deste conceito que surge no direito processual, partindo do direito estatutário italiano, a querela nullitatis : tratava-se de um meio impugnativo da sentença, objetivando impugná-la quando nela se verificassem errores in procedendo , ao passo que cabia à apelação a impugnação da injustiça da decisão. Nascia o remédio em questão, aproveitando-se a distinção entre errores in procedendo e errores in judicando do direito romano e considerando o conceito de validade formal da sentença, do direito germânico (para o direito germânico não existia a concepção sentença inexistente, mesmo que acometida de vícios graves).
Entretanto, a evolução do direito processual, com o aperfeiçoamento do sistema recursal nos diversos ordenamentos jurídicos, que sucederam ao período estatutário italiano, notadamente o de apelação, fizeram com que a querela “nullitatis ” desaparecesse quase que por completo dos sistemas jurídicos subsequentes, ora sendo encampada por novos institutos como a ação rescisória, ora sendo abrangida pela extensão cada vez maior das matérias alegáveis na seara recursal.
Com isso, na maioria dos ordenamentos europeus, a querela “nullitatis ”, em suas duas modalidades, “ sanabilis ” e “ insanabilis ”, tiveram seu manejo decrescido; “a primeira foi pouco a pouco absorvida pela apelação, e a segunda acabou desaparecendo, de modo que os motivos de invalidação da sentença passaram a ter de alegar-se por meio de recurso, sob pena de ficarem preclusos com o esgotamento das vias recursais”^22.
Vale ressaltar, contudo, que o desaparecimento da querela de nulidade, se deu muito mais em virtude do aperfeiçoamento dos sistemas impugnativos do que em virtude da desnecessidade do instituto.
(^22) MOREIRA, José Carlos Barbosa, “ Comentário ao Código de Processo Civil, Lei n.° 5.869, de 11 de janeiro de 1973, vol. V: arts. 476 a 565.l ” – Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2013, Página. 100.
José Carlos BARBOSA MOREIRA ensina que “a ‘ querela nullitatis ’ é em geral apontada como o germe das ações autônomas de impugnação, conhecidas sob várias formas no direito moderno. Não foi homogênea, entretanto, a evolução dos diversos ordenamentos europeus nessa matéria. Enquanto em alguns a querela se viu em parte abolida em parte a absorvida pela apelação – de tal sorte que os fundamentos alegáveis para pedir a desconstituição da sentença passaram a fazer-se valer unicamente como razões de recurso, perdendo toda a relevância fora desse estreito âmbito – em outros substituíram certas possibilidades de ataque às decisões judiciais, ainda quando irrecorríveis”^23.
2.2. ORIGEM DO INSTITUTO NO DIREITO PORTUGUÊS – ORDENAÇÕES AFONSINAS DE 1447, INSPIRADAS NO DIREITO ROMANO E NO DIREITO ESPANHOL (LEY DE LAS SIETE PARTIDAS).
O conceito romano de inexistência foi integralmente adotado, desde as Ordenações Afonsinas, passando pelas Ordenações Manuelinas e chegando nas Ordenações Filipinas.
Com efeito, em todas as ordenações, a sentença podia conter erros de julgamento e vícios que, em alguns casos eram insanáveis. Entretanto, a princípio, a insanabilidade da sentença não a tornava nem rescindível, nem era necessária a utilização de uma querela nullitatis objetivando uma declaração específica. Isso porque, nos termos da legislação reinol, a sentença que contivesse qualquer desses vícios constituía sentença que, por direito, era nenhuma, e dela não era necessário apelar. Ademais, o fato de lhe ser interposto recurso de apelação não a tomava existente, visto que o ato posterior não podia ratificar o que jamais existiu por direito.
Em sendo adotado, portanto, o princípio romano de inexistência, o ato inexistente em Portugal, em tese, não precisava de qualquer meio impugnativo, já que não era existente para o direito. Portanto, podia ser a qualquer tempo objeto de impugnação, incluindo-se no curso do processo executivo, conforme se depreende do Título LXXI das Ordenações Manuelinas e o Título LXXXII das Ordenações Filipinas.
(^23) Ob. Cit.
a história brasileira, até a independência em 1822 a legislação aplicável em solo brasileiro era à criada pela Coroa Portuguesa.
Após a independência do Brasil, os doutrinadores brasileiros permaneceram sendo influenciados pela doutrina portuguesa, o que os levou a adotar a terminologia e os meios impugnativos existentes em Portugal naquele 25 período. Assim, se a Lei de 19 de dezembro de 1843 em Portugal criara a denominação de ação de nulidade e rescisão da sentença, em pouco tempo, o nome da ação passou a ser simplesmente ação rescisória, como ficou, também, conhecida no Brasil.
De acordo com Fabrizzio Manteucci VICENTE, a q uerela nullitatis surgida no direito estatutário italiano e utilizada em Portugal ao tempo das Ordenações, foi no direito brasileiro, pouco a pouco, absorvida pela ação rescisória ou de nulidade.
2.3.1. REGULAMENTO 737 DE 1850.
No que tange ao cabimento de ações rescisórias ou de nulidade para impugnar o julgado em sede de recurso de revista, o Regulamento nº 737 de 1850 determinava em seu artigo 681, §4º que a sentença só podia ser anulada por meio de apelação, através do recurso de revista ou em sede de ação rescisória. Entretanto, a ação rescisória seria cabível, exclusivamente, se a sentença impugnada não houvesse sido submetida à recurso de revista.
2.3.2. CÓDIGOS ESTADUAIS.
De toda a evolução do processo no período dos Códigos Estaduais, merece destaque o início da distinção que se passou a fazer entre a sentença nula e o processo nulo. Isto porque na maioria dos Códigos Estaduais (v.g. Distrito Federal, Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, sem prejuízo do Regulamento n. 737 de 1850, que permaneceu regendo o processo nos Estados que não
(^25) Idem.
chegaram a editar sua própria legislação processual), era considerada sentença nula a que decorresse de um processo nulo.
Nessas legislações, cabia a ação rescisória para anular a sentença que decorresse de processo nulo, o que implica concluir que a ação rescisória continuava absorvendo a querela nullitatis.
Entretanto, nem todas as legislações estaduais assim procederam: merecem destaque os códigos de processo civil de São Paulo e do Espírito Santo, que não classificavam como nula a sentença decorrente de um processo nulo. Assim, a ação rescisória cabia para impugnar a sentença nula, mas não o processo nulo. Ficou, portanto, um vazio na legislação que levou a doutrina e a jurisprudência a entender que nessas hipóteses, transitada em julgado a decisão, seria imutável. A situação em questão levou ao absurdo de considerar-se impugnável a sentença proferida em processo em que a citação inicial era ausente ou viciada.
A única forma de impugnar esse vício, nos Códigos Processuais de São Paulo (art. 1056) e do Espírito Santo (art. 958) ficou restrita aos Embargos à Execução. Com tal sistema, a legislação processual desses Estados retroagia no tempo e se assemelhava ao período romano em que ainda não existia sequer a revocatio in duplum e restava ao devedor, assim declarado na sentença, o meio da i nfitiatio. Com efeito, tanto na legislação paulista, quanto na capixaba, restava ao devedor aguardar eventual início de execução para só então estar autorizado a defender-se por meio de embargos. E o que é pior, somente após realizada a penhora de seus bens.
Não se pode entender, portanto, que nessas duas legislações, a querela nullitatis tenha continuado absorvida pela ação rescisória. Vale aqui a distinção anteriormente elaborada entre querela nullitatis sanabilis e querela nullitatis insanabilis. Enquanto aquela, de natureza desconstitutiva, permaneceu absorvida pela ação rescisória em todos os Códigos Estaduais, esta ficou excluída do CPC de São Paulo e do CPC do Espírito Santo.
prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; b) foi proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente; quando resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, objetivando fraudar a lei; d) ofender a coisa julgada; e) violar literal disposição de lei; f) estiver fundada em prova cuja falsidade foi apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória; g) depois da sentença o autor obtiver documento novo, mas existente anteriormente, que não conhecia ou não teve acesso no momento oportuno, e que, por si só, poderia lhe assegurar provimento favorável; h) houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, na qual se baseou a sentença; i) a sentença estiver fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa.
Já o art. 741, inciso I, em sua redação original, estabelece ser possível ao devedor executado no processo de execução opor embargos alegando a nulidade de citação no processo de conhecimento.
Ou seja, após o advento no CPC de 1973, a querela nullitatis insanabilis persistiu no cenário processual, sendo que o panorama se alterou com o novo código de processo civil, já que não foi ampliado o rol taxativo de cabimento da ação rescisória, não abarcando, portanto, todas hipóteses de nulidades, inclusive as de inexistência do próprio processo.
De outro lado e na vigência do CPC/1973, dois acórdãos do Supremo Tribunal Federal confirmaram a vitalidade de tal ação de impugnação autônoma. No RE nº 975896, da relatoria do Ministro Moreira Alves, em voto proferido em 17/11/1982, foi reconhecida a atualidade da querela nullitatis seguinte trecho do voto condutor do julgamento: “Ao lado da ação rescisória e dos embargos à execução, emerge embora contraditada, a ação declaratória. Se o prazo das duas primeiras exaure-se, a parte, alegando falta de citação, pode vir a juízo, através da declaratória, para postular a nulidade do processo, devendo o magistrado, após a sua devida tramitação, dar ou não pela procedência do pedido ”. No RE nº 963740, julgado em 11/11/1983, também de relatoria do Ministro Moreira Alves, ficou consignado no voto condutor do julgamento, que: “No caso, como acentua o aresto
recorrido, “indiscutivelmente, ressalta a nulidade insanável de todas as ações executivas acima referidas, por falta de citação, ora dos próprios executados, ore de seus sucessores”.
O panorama de cabimento da ação rescisória em nada mudou, na transição do CPC/ para CPC/2015, que manteve a mesma disciplina para a matéria, através das regras contidas nos artigos 966 e seguintes (rescisória) e artigos 525, §1° I, e 535, I, (impugnação ao cumprimento de sentença, em razão de inexistência ou nulidade de citação na fase de conhecimento, caso o processo tenha corrido à revelia) ambos do CPC/2015.
2.4. ELEMENTOS DE EXISTÊNCIA DO ATO PROCESSUAL
Neste sentido e visando compreender o cabimento da ação declaratória de inexistência ou querela nulitatis insanabilis , fundamental a compreensão dos vícios que acarretam a inexistência do próprio processo.
Quanto ao ato inexistente, Roque KOMATSU^27 , afirma que o ato é inexistente quando lhe faltar um mínimo de elementos constitutivos sem o qual o ato não se configura. A inexistência possui um aspecto meramente vocabular, significando um não ato, e um aspecto jurídico, um ato inexistente no mundo dos fatos, mas não existente no mundo jurídico. De acordo com CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO^28 seriam exemplos de atos inexistentes a sentença que não contenha a parte dispositiva ou que condene o réu a uma prestação impossível, ou ainda qualquer ato do processo não assinado pelo seu autor.
De acordo ainda, com a importante lição de Roque KOMATSU, os requisitos de validade dos atos jurídicos correspondem à preparação e aperfeiçoamento que são indispensáveis para que um determinado ato jurídico possa produzir os efeitos, que dele são esperados no mundo jurídico.
(^27) Ob. Cit. página 46. (^28) CINTRA, AC de A.; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. Malheiros editores, 24° edição, 2008, São Paulo, página 370.