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Uma conferência de antónio nóvoa da universidade de lisboa, onde ele propõe uma revolução na formação de professores. Ele discute a necessidade de uma formação de professores a partir de dentro da profissão, o reforço do espaço público de educação e a construção de um novo contrato entre os professores e a sociedade. Ele também aborda a importância da qualidade do trabalho interno nas escolas e da capacidade de intervenção dos professores no espaço público da educação.
Tipologia: Transcrições
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In: GATTI, B. et al. (Orgs.) Por uma política nacional de formação de professores. São Paulo: Ed. Unesp, 2013, p. 199 - 210.
António Nóvoa (Universidade de Lisboa)
Pretendo, com estas notas breves, sugerir uma revolução no campo da formação de professores.^1 Nas últimas duas décadas, desde o final dos anos 1980, verificou-se uma importante mudança nas políticas e nas práticas de for- mação de professores. A metáfora do "professor reflexivo" ilustra concepções novas, que se difundiram em todo o mundo.
Professor reflexivo, desenvolvimento profissional docente, o professor como pesquisador e outros termos deram corpo a uma série interminável de textos e de ideias que contribuíram para uma redefinição deste campo. Mas, hoje, é com algum desconforto que olhamos para as mudanças concretas que tiveram lugar. Invade-nos o sentimento de que estamos mais perante uma revolução nos discursos do que perante uma revolução nas práticas.
David Labaree (2003) tem razão quando afirma que a progressista é dominante na área da formação de professores, mas que as práticas progressistas são bem mais difíceis de encontrar. O historiador e sociólogo norte-americano interroga-se sobre por que razão temos sido tão ineficazes na concretização das nossas intenções.
A sua resposta aponta para quatro explicações fundamentais para compreender as propostas que tenho para vos fazer:
(^1) Este texto reproduz a conferência intitulada "Tendências actuais na formação de professores: o modelo universitário e outras
possibilidades de formação", realizada no dia 17 de agosto de 2011 em Águas de Lindoia-SP. Quero agradecer aos colegas da Unesp, em particular ao Celestino Silva, e recordar que foi na edição de 1994 deste mesmo congresso, em Águas de São Pedro-SP, que vim pela primeira vez ao Brasil, a convite do Ricardo Ribeiro e da Raquel Volpato Serbino. Nesse congresso, encontrei Paulo Freire e iniciei um percurso de relação com os colegas brasileiros, que tem sido da maior importância e significado na minha vida pessoal e acadêmica.
Partilho dessa visão de David Labaree e sinto-me, muitas vezes, perante os mesmos paradoxos e contradições. Creio, por isso, que precisamos sair deste "colete de forças" e passar a olhar de outro modo para os problemas da formação de professores. É o que procurarei fazer neste texto, com base em quatro propostas:
A frase que escolhi para a primeira proposta - "Por uma formação de professores a partir de dentro"
Devido à expansão dos sistemas de ensino ocorrida nas últimas décadas, tornou-se inevitável proceder ao recrutamento, num tempo curto, de muitos professores, os quais nem sempre foram seleciona- dos, formados e integrados nas escolas com o rigor e o cuidado que seria desejável. Procurou-se compensar esta "menor preparação" recorrendo a especialistas vários que, de algum modo, serviam para controlar os professores ou para corrigir as suas insuficiências ou incompetências.
Criaram-se, assim, várias ilusões. A ilusão da racionalização do ensino, da pedagogia por objetivos, do esforço para prever, planificar e controlar. Depois, nos anos 1980, a ilusão das grandes reformas educativas, centradas na estrutura dos sistemas escolares e, muito particularmente, na engenharia do currículo. Nos anos 1990, a ilusão da gestão e da administração das escolas; e, mais recentemente, a ilusão das tecnologias. Todas essas ilusões tinham um denominador comum: a ideia de que era possível substituir os professores ou, pelo menos, compensar a sua menor preparação.
Uma série de grupos e de especialistas foi ocupando o terreno da formação de professores e, num certo sentido, substituindo os próprios professores nas tarefas da formação. É evidente que a presença desses grupos trouxe um enriquecimento do campo, mas à custa de uma certa marginalização dos professores.
Este fato merece ser assinalado, pois coincide, historicamente, com um aumento das expectativas sociais sobre os professores e, ao mesmo tempo, com uma diminuição das possibilidades práticas dos
imprevisíveis. Pessoalmente, prefiro falar em transformação deliberativa , na medida em que o trabalho docente não se traduz numa mera "transposição": por um lado, supõe uma transformação dos saberes; por outro lado, obriga a uma deliberação, isto é, a uma resposta a dilemas pessoais, sociais e culturais. Estes dois princípios, transformação e deliberação, são fundamentais para compreender o núcleo fundamental do conhecimento docente.
Retomemos o insulto que Bernard Shaw lançou, há mais de um século, nas suas famosas Maxims for revolutionists : "Quem sabe, faz. Quem não sabe, ensina". Muita gente tem repetido esta máxima, mas poucos terão reparado nas frases seguintes: "A atividade é o único caminho para o conhecimento". E mais adiante: "Os homens são sábios na proporção não da sua experiência, mas da sua capacidade para pensarem a experiência". Bernard Shaw sugere, nesses aforismos, que é a partir da atividade, da reflexão sobre a atividade e sobre a experiência, que se elabora um determinado conhecimento. É um ponto central para pensar o conhecimento próprio dos professores. Lee Shulman responderá a Bernard Shaw: "Quem sabe, faz. Quem compreende, ensina". O conceito de compreensão é fundamental: compreensão de um determinado conhecimento ou disciplina (e compreender é mais do que possuir o conhecimento) e compreensão dos alunos e dos seus processos de aprendizagem. É nesta dupla lógica que se funda o conhecimento docente, por isso é tão importante combater a ideia de que ensinar é uma tarefa fácil, ao alcance de qualquer um. Enquanto se considerar o ensino uma atividade "natural", é difícil valorizar os professores e consolidar a dimensão universitária da sua formação.
Daniel Hameline (1986), num texto notável, esclarece que a pedagogia é a ciência do que toda a gente sabe, ou julga saber: "A educação é a coisa que se conhece pior, justamente porque é a coisa que se conhece melhor, e por todos". Com essa referência, pretende ilustrar como é difícil explicar a complexidade de um gesto que é feito diariamente, por toda a gente. A comparação com os cirurgiões, os engenheiros ou os farmacêuticos é muito interessante: essas profissões estão, muitas vezes, baseadas em gestos técnicos e repetitivos, mas ninguém põe em causa a sua complexidade. Claro que não estou a advogar que se complique, artificiosamente, o que é simples; julgo mesmo que muito arrazoado pedagógico é inútil e pernicioso. Os professores devem combater a dispersão e valorizar o seu próprio conhecimento profissional docente, construído a partir de uma reflexão sobre a prática e de uma teorização da experiência. É no coração da profissão, no ensino e no trabalho escolar que devemos centrar o nosso esforço de renovação da formação de professores.
A emergência do professor coletivo (do professor como coletivo) é uma das principais realidades do início do século XXI. Já se tinha assistido a esta evolução em outras profissões, mas no ensino, apesar da existência de algumas práticas colaborativas, tudo é ainda muito incipiente.
Grande parte das nossas intenções será inconsequente se a profissão continuar marcada por fortes tradições individualistas ou por rígidas regulações externas. Hoje, a complexidade do trabalho escolar exige o desenvolvimento de equipes pedagógicas; a competência coletiva é mais do que o somatório das competências individuais. Falo da necessidade de um tecido profissional enriquecido , da necessidade de integrar na cultura docente um conjunto de modos colectivos de produção e de regulação do trabalho. Seria demasiado longo percorrer, agora, todas as implicações do que acabo de afirmar. Retenho apenas dois aspectos.
Primeiramente, a ideia da escola como o lugar da formação dos professores, como o espaço da análise partilhada das práticas. Se olharmos para a história da formação de professores, é possível identificar três grandes momentos:
I) em meados do século XIX, não havia programas de formação e os professores aprendiam o seu oficio nas escolas, junto a um professor mais experiente, em uma lógica de mestre e aprendiz; II) entre finais do século XIX e meados do século XX, a formação de professores adquiriu um estatuto próprio e passou a ser realizada em escolas normais, prevalecendo uma lógica de preparação teórica e pedagógica em articulação com escolas de aplicação nas quais se realizavam os estágios; III) a partir das últimas décadas do século XX, a formação de professores vai adquirindo progressivamente um estatuto superior (e universitário), autonomizando-se da profissão, ainda que se verifiquem iniciativas no sentido de construir lógicas de cooperação com as escolas e com os professores.
Hoje, estamos perante um novo desafio, com enormes consequências: a fusão dos espaços acadêmicos e institucionais das escolas e da formação de professores. Defendo a criação de uma nova realidade organizacional no interior da qual estejam integrados os professores e os formadores de professores (universitários). Nos últimos anos, na área da Medicina, desenvolveram-se centros acadêmicos de medicina que juntam, em uma mesma instituição, três valências: a prestação de serviços de saúde, a formação dos médicos e a investigação científica. Julgo que é um bom exemplo para o tipo de instituições que precisamos criar na área da Educação: centros acadêmicos de educação, juntando escolas, formação de professores e pesquisa. Para que uma iniciativa deste tipo tenha sucesso, entretanto, há duas condições imprescindíveis: a direção unificada dos espaços da prática, da formação e da pesquisa; a aproximação dos estatutos profissionais dos professores e dos universitários.
O segundo aspecto que quero partilhar prende-se com a ideia da docência como colectivo, não só no plano do conhecimento, mas também no plano da ética. Não há respostas feitas para o conjunto de dilemas que os professores são chamados a resolver em uma escola marcada pela diferença cultural e pelo conflito de valores. É importante assumir uma ética profissional que se constrói no diálogo com os outros colegas. A colegialidade, a partilha e as culturas colaborativas não se impõem por via administrativa ou por decisão superior. A formação de professores é essencial para consolidar parcerias no interior e no exterior do mundo profissional e para reforçar o trabalho cooperativo dos professores. O exemplo de outras profissões, como médicos, engenheiros ou arquitetos, pode inspirar os professores. A forma como construíram parcerias entre o mundo profissional e o mundo universitário, como criaram processos de integração dos mais jovens, como concederam uma grande centralidade aos profissionais mais prestigiados ou como se predispuseram a prestar contas públicas do seu trabalho são realidades para as quais vale a pena olhar com atenção.
Para conseguir uma transformação de fundo na organização da profissão docente é fundamental construir novos modelos de formação. O diálogo profissional tem regras e procedimentos que devem ser adquiridos e exercitados nas escolas de formação e nos primeiros anos de exercício docente. Sem isso, continuaremos a repetir intenções que dificilmente terão uma tradução concreta na vida dos professores e das escolas. Nada será conseguido se não se alterarem as condições existentes nas escolas e as políticas públicas em relação aos professores. É inútil apelar à reflexão se não houver uma organização das escolas que a facilite. É inútil reivindicar uma formação mútua, interpares, colaborativa, se a definição das carreiras docentes não for coerente com este propósito. E inútil propor uma qualificação baseada na investigação e parcerias entre escolas e instituições universitárias, se os normativos legais persistirem em dificultar esta aproximação.
Aqui ficam os elementos, as bases, de uma proposta que sugere mudanças de fundo no campo da formação de professores. Com base nestas quatro entradas é possível imaginar novos modelos de organização das instituições e dos programas de formação.
Em síntese:
É preciso ter consciência de que os problemas da educação e dos professores não serão resolvidos apenas no interior das escolas. É necessário um trabalho político, uma maior presença dos professores no debate público, uma consciência clara da importância da educação para as sociedades do século XXI. A complexidade das sociedades atuais, a existência de um volume sem precedentes de informação ou a centralidade do conhecimento e da sua valorização social e econômica colocam os professores perante tarefas a que não podem responder sozinhos.
O reforço da profissão docente e o apoio da sociedade são fundamentais. Mas será que queremos mesmo ter bons professores? O que temos feito por isso? Temos sido capazes de atrair os melhores alunos para a profissão docente? E de lhes dar uma boa formação? E de os motivar? E de os valorizar do ponto de vista social? Temos sido capazes de promover os professores? E de os apoiar na sua ação profissional? E de melhorar as suas condições de trabalho? E de proteger a colegialidade e a imagem pública da profissão? Ou será que não temos feito nada disso?
Michel Serres (1991, p.249) conclui uma das suas maiores obras, Le tiers instruit , com duas frases que podem parecer enigmáticas, mas que, para mim, resumem perfeitamente o sentido da profissão docente. Partilho convosco a minha interpretação das suas palavras: "Renascido, ele conhece, ele tem piedade. Enfim, pode ensinar".
Renascido , porque ser professor implica um "renascimento", uma reflexão sobre si mesmo e sobre o trabalho pedagógico. A pessoalidade cruza-se com a profissionalidade ; uma é inseparável da outra. Ele conhece, porque o ensino é sempre um processo cultural que tem como referência o conhecimento do mundo. Não há educação no vazio; a educação é cultura, arte, ciência. Sem conhecimento não há educação. Ele tem piedade, no sentido filosófico, porque a educação implica altruísmo e generosidade. Não há educação sem o gesto humano da dádiva e do compromisso perante o outro. Enfim, pode ensinar ... porque nada substitui um bom professor.