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Mulher, direito e saúde, Manuais, Projetos, Pesquisas de Direito

Artigo - Artigo

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2011

Compartilhado em 17/10/2011

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simone-da-silva-lopes-1 🇧🇷

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ARTIGO
MULHER, DIREITO E
SAÚDE:
repensando o nexo coesivo*
Rosa Maria Godoy
Serpa
da Fonseca**
*Conferência proferida na Conferência Municipal sobre Saúde da Mulher "Mulher, direito e saúde" preparatório para
a IV Conferência Municipal de Saúde de Goiânia, 13/03/98
** Enfermeira. Professora Associada do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem
da Universidade deo Paulo. Conselheira do Conselho Estadual da Condição Feminina deo Paulo. Vice-coordenadora
do NEMGE (Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero da Universidade deo Paulo).
RESUMO:
Esse artigo é construído a partir de três elementos básicos: mulher, direito
e
saúde,
articulados entre si a partir
de:
1)
considerações acerca das condições objetivas
de constituição das mulheres enquanto sujeitos sociais na sociedade
contemporânea;
2) direitos das mulheres como direitos humanos e 3) direito das mulheres à saúde no
contexto da implementação do
PAISM
(Programa de Atenção Integral à Saúde da
Mulher), como focalização do SUS (Sistema Único de Saúde).
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WORDS:
gênero e saúde, direitos das mulheres, direito à saúde,
PAISM/SUS
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ARTIGO

MULHER, DIREITO E SAÚDE:

repensando o nexo coesivo*

Rosa Maria Godoy Serpa da Fonseca**

*Conferência proferida na Conferência Municipal sobre Saúde da Mulher "Mulher, direito e saúde" preparatório para a IV Conferência Municipal de Saúde de Goiânia, 13/03/ ** Enfermeira. Professora Associada do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Conselheira do Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo. Vice-coordenadora do NEMGE (Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero da Universidade de São Paulo).

RESUMO: Esse artigo é construído a partir de três elementos básicos: mulher, direito e saúde, articulados entre si a partir de: 1) considerações acerca das condições objetivas de constituição das mulheres enquanto sujeitos sociais na sociedade contemporânea;

  1. direitos das mulheres como direitos humanos e 3) direito das mulheres à saúde no contexto da implementação do PAISM (Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher), como focalização do SUS (Sistema Único de Saúde).

KEY WORDS: gênero e saúde, direitos das mulheres, direito à saúde, PAISM/SUS

VIDA DE MULHER: O QUE É ISSO?

Para compreender o que significa ser mulher e as especificidades da vida das mulheres, há que se compreender como mulheres e homens se constituem como sujeitos sociais, no contexto da sociedade contemporânea. Extensamente exploradas nos estudos feministas, as relações sociais estabelecidas entre mulheres e homens, relações de poder, parecem ter sua gênese na constituição das sociedades, tanto quanto na divisão sexual do trabalho. Isso explicaria, entre outras coisas, a naturalização do trabalho doméstico e do cuidado com as crianças (além de gerá-las) como pertencentes ao mundo feminino, bem como, de outro lado a inserção social dos homens no espaço público. A base de tal pensamento situa-se na visão idealista de família como espaço de ausência de conflitos, tanto quanto na separação das esferas do público e do privado, estabelecendo para homens e mulheres lugares distintos. Foi no contexto das lutas feministas, principalmente as mais recentes, que emergiram as possibilidades de reflexão sobre a dicotomização entre os mundos público e privado e a necessidade de compreender a sua integração e articulação. Sob a bandeira de que "o pessoal é político", as feministas têm envidado ¡números esforços na derrubada do mito da divisão entre o público e o privado e, com isso, tornado suas questões passíveis de serem compreendidas como histórica e socialmente construídas. Se, por um lado, o capitalismo consolidou o trabalho da mulher entre quatro paredes, naturalizando funções como mãe e dona de casa, por outro, tem sido esse o modo de produção no contexto do qual, na história, mais se tem lidado com as questões das mulheres, procurando-se sua gênese e possibilidades de superação. "Já vão longe nossas ilusões a respeito do racionalismo e da objetividade e, junto com elas, foram-se também nossos tão acalentados sonhos de uma família que fosse o refúgio contra a luta e a competição. Em nosso realismo recentemente conquistado, o pessoal é político e, principalmente, a família é política. Fundada na hierarquia e na dominação, que ela tem reproduzido através da história, a família - esse mais íntimo espaço das relações pessoais - requer uma resposta política nessa era tão eminentemente politizada em que wVemos."(FOX-GENOVESE, 1992) Segundo MATOS (1994), "o processo de construção e de segmentação do público/ privado carrega na sua trajetória inter-relações desenvolvidas através de um discurso legitimador que vem atrelado, desde a origem, a um ocultamento de toda uma tensão entre os sexos... "Tal discurso, que legitima a falsa universalidade entre os limites do público e do privado foram definidos e tornaram-se mais precisos na Inglaterra vitoriana do século XIX

Em um trabalho sobre a produção e reprodução social, Combes e Haicault ressaltam a subordinação da reprodução à produção como determinante básico para a subordinação das mulheres aos homens, a partir da divisão sexual do trabalho. Através de uma recuperação histórica, enfatizam a não peculiaridade do modo de produção capitalista na designação prioritária dos homens para a produção e das mulheres para a reprodução. No entanto, foi nesse sistema que isso se consolidou. A análise minuciosa desse processo e das relações de força ocorridas no âmbito da família e do espaço público, as leva a concluir que "a relação social antagônica entre os sexos exprime-se, indiferentemente, na produção e na reprodução. Ela não está, de modo algum, circunscrita à família; assim como, aliás, a relação social entre o capital e o trabalho não está circunscrita à produção." Fazem parte da constituição da sociedade e do seu suporte ideológico que ligam a família ao Estado. "A família, tal como a conhecemos e, mais amplamente, o conjunto dos aparelhos atuais da reprodução são também o resultado de uma delegação crescente de poder dos capitalistas ao Estado, em tal questão. O resultado de uma intervenção tentacular e multiforme do Estado, assenhorando-se das esferas da habitação, da educação, da saúde e da previdência, etc, mantendo e desenvolvendo um aparelho policial e judicial, normas legislativas, em síntese, tudo o que contribua para fixar as condições sociais de reprodução. A família é também, e de forma indissociável, o resultado de um Estado - e, de forma mais geral, de um poder político onipresente - que produz os suportes ideológicos, morais e simbólicos, reforçando a exploração e super-exploração das mulheres, indiscriminadamente; permitindo ou facilitando a interiorização das normas sociais de sexo e de classe, particularmente através de um discurso que, paradoxalmente valoriza a esfera privada e o individualismo!" (COMBES; HAICAULT, 1986) Mesmo quase uma década depois de escrito esse trabalho, quando denota-se um movimento de enxugamento das funções do Estado neoliberal, suas considerações persistem quase totalmente verdadeiras, na medida em que agora, não sendo mais (tanto) da competência do Estado a manutenção das condições da reprodução (em função da delegação de muito disso ao setor privado), na verdade, a família continua sendo constituída por influência dele e de seu sistema de idéias e representações, na medida em que devolve a ela (e à sua relação com o setor privado) a responsabilidade pela manutenção da força de trabalho. É à família que agora cabe prover tais condições já que o Estado sucateado (propositadamente) não tem mais possibilidades para isso. E isso deve ser feito dentro do mesmo sistema de idéias que antes aceitava a tutela do Estado, passando agora a ter que aceitar a renúncia a essa tutela em nome dos déficits públicos, das condições cada vez mais difíceis de constituição e manutenção dos serviços públicos.

Uma pesquisa sobre a assistência à saúde da criança em idade escolar constata que a família e, dentro dela, única e exclusivamente a mãe, é responsabilizada tanto pelos agravos ao processo saúde-doença das crianças como pela busca de solução para os mesmos. Isso, por parte dos três segmentos implicados na assistência a esse grupo populacional, quais sejam: os componentes da equipe de saúde, as professoras e as próprias mães que, na sua trajetória de vida, em contato com os anteriores, introjeta o discurso ideologizado e o reproduz, considerando-se ao mesmo tempo culpada pelos erros em relação aos filhos e a única responsável pela sua solução. (OLIVI, 1996) É também o espaço familiar que permite a compreensão da articulação existente entre o trabalho doméstico e extra-doméstico para as mulheres. Um estudo sobre o trabalho noturno de pessoal de enfermagem e saúde revelou a perversidade da relação entre ambos como carga para as mulheres. Essa perversidade foi tamanha que justificou a autora a referir-se às mulheres estudadas como "verdadeiramente um grupo de sobreviventes". A esse respeito, cita: "Ao analisar-se o trabalho das profissionais de enfermagem, fica evidente a impossibilidade de dissociação do trabalho profissional, realizado no hospital, do trabalho doméstico, no universo familiar À pesada carga de trabalho profissional, as trabalhadoras, (...) ainda acrescentavam à sua jornada semanal, em média, 22,7 horas de trabalho doméstico, implicando, para a maioria, um esforço físico considerado moderado ou pesado. "(MENEZES, 1996) Se, no espaço da família, as relações entre homens e mulheres são conflitivas, o espaço extra-familiar não deixa por menos. No mundo do trabalho, da política, das demais relações sociais, as mulheres nitidamente são portadoras de uma situação de subalternidade ímpar, como veremos também nesse trabalho.

MULHER E POLÍTICAS PÚBLICAS

Para Caroline Moser, especialista em planejamento e gênero, as necessidades das mulheres surgem em virtude dos três tipos de papéis relativos aos diferentes trabalhos que elas desempenham na sociedade:

  1. Trabalho reprodutivo: compreende a responsabilidade de criação e educação

dos filhos e as tarefas domésticas empreendidas pela mulher requeridas para garantir a manutenção e a reprodução da força de trabalho. Não só inclui a reprodução biológica

  • é monótono, repetitivo, com poucas possibilidades de ser criativo, dada a submissão

às rotinas que, em geral, são estabelecidas pelas próprias mulheres, para dar conta de todas

as suas atribuições. (FONSECA, 1996a)

  1. Trabalho produtivo: compreende o trabalho realizado por mulheres e homens por um pagamento em dinheiro ou espécie. Inclui tanto a produção para o mercado com um valor de câmbio e a produção de subsistência doméstica com um valor de uso real, como também a produção com um valor de câmbio potencial. Para a mulher inserida na produção agrícola, isso inclui trabalho como agricultora independente, esposa de campesino e trabalhadora assalariada. As condições de trabalho das mulheres são extremamente desfavoráveis em relação ao trabalho dos homens indo desde a distribuição das ocupações como os ganhos que chegam no máximo a 64% do valor do mesmo trabalho quando executado por homens. (MOSER, 1995) No espaço desse trabalho também as mulheres encontram-se em situação de subalternidade em relação aos homens. Assim, ocupam funções de menor prestígio social, recebem cerca de 54% do salário dos homens pela mesma função, inserem-se em ocupações que referem-se ao fazer histórico das mulheres de cuidado dos demais, em tempos de crise aceitam trabalhos tidos como pouco valorizados, diferentemente dos homens que selecionam as áreas em que se inserem no setor produtivo, etc. Todas essas questões remetem para uma diferenciação de gênero no que se refere ao trabalho de homens e mulheres. (FONSECA, 1996a)
  2. Gestão e política comunitária: compreende as atividades empreendidas pelas mulheres sobretudo no âmbito da coletividade como uma extensão do seu trabalho reprodutivo, isto é, para assegurar a provisão e manutenção dos recursos de consumo coletivo como a água, a saúde, a educação. É um trabalho voluntário, não remunerado, empreendido durante o tempo livre. Ao contrário, a função político-comunitária compreende as atividades levadas a cabo pelos homens no âmbito da coletividade que se organizam no nível político formal. Esse trabalho é remunerado, seja direta ou indiretamente mediante salários ou incrementos de status e poder. É importante assinalar que os homens também trabalham na coletividade. Entretanto, as divisões de trabalho por gênero são tão importantes nesse âmbito como no da casa e da família. A divisão espacial entre o mundo público do homem e o mundo privado da mulher significa que para a mulher a vizinhança é uma extensão do terreno doméstico enquanto que para o homem é o mundo público da política. Isso significa que enquanto a mulher em suas funções de esposa e mãe, adscritas por gênero, está inserida na gestão, os homens estão inseridos na política da coletividade. (MOSER, 1995)

NECESSIDADES DAS MULHERES OU NECESSIDADES DE GÊNERO?

A compreensão dos tipos de trabalhos desempenhados pelas mulheres vem subsidiar a compreensão da formulação das políticas de gênero, diretamente relacionadas com as necessidades das mulheres que quando vistos sob o prisma das desigualdades convertem- se em necessidades de gênero. Para MOLYNEUX (1984) necessidade distingue-se de interesse, definindo esse como preocupação priorizada que se traduz em necessidade. Assim, os interesses de gênero são aqueles que as mulheres (ou os homens) podem desenvolver em virtude de sua posição social através de seus atributos de gênero. Podem ser tanto estratégicos como práticos derivando-se cada um de uma maneira diferente e compreendendo distintas implicações para a subjetividade das mulheres (ou dos homens). Para essa autora, as necessidades estratégicas de gênero são aquelas que as mulheres identificam em virtude de sua posição subordinada aos homens na sociedade. Variam de acordo com contextos particulares e se relacionam com as divisões do trabalho, de poder e de controle por gênero e podem incluir assuntos como os direitos legais, a violência doméstica, a igualdade de salários e o controle das mulheres sobre o seu próprio corpo. Satisfazer as necessidades estratégicas ajuda as mulheres a conseguir uma maior igualdade. Também modifica os papéis existentes e por isso desafia a posição subordinada da mulher. As necessidades estratégicas de gênero podem incluir todo ou parte do que segue: "a abolição da divisão sexual do trabalho; o alívio da carga de trabalho doméstico e do cuidado com as crianças; a eliminação das formas institucionalizadas de discriminação tais como o direito à propriedade da terra ou o acesso ao crédito; o estabelecimento de igualdade política; liberdade de eleição sobre a maternidade e a adoção de medidas adequadas contra a violência e contra o controle masculino sobre a mulher" (MOLYNEUX, 1984). As necessidades práticas de gênero são as necessidades que as mulheres identificam em virtude de seus papéis socialmente aceitos pela sociedade. Elas não desafiam as divisões do trabalho por gênero ou a posição subordinada das mulheres na sociedade, ainda que surjam delas. Essas necessidades são uma resposta à necessidade percebida imediata, identificada dentro de um contexto específico. Surgem a partir das condições concretas em que vivem as mulheres. Derivam de sua posição na divisão sexual do trabalho por gênero e de seus interesses práticos pela sobrevivência humana. São de natureza prática e, em geral, estão relacionadas com a inadequação das condições de vida como o abastecimento de água, a atenção de saúde, o emprego, etc. (MOLYNEUX, 1984)

países. Queremos um mundo onde as necessidades básicas se convertam em

direitos básicos e onde a pobreza e todas as formas de violência sejam

eliminadas. Queremos que cada pessoa tenha a oportunidade de desenvolver

plenamente seu potencial e criatividade e onde os valores femininos de cuidados

para com os outros e solidariedade caracterizem as relações humanas. Em

um mundo assim o papel reprodutivo das mulheres será redefinido: o cuidado

das crianças e da família será de responsabilidade das mulheres, dos homens

e da sociedade em geral. Somente aprofundando os vínculos entre a igualdade,

o desenvolvimento e a paz poderemos mostrar a intrincada relação que existe

entre os "direitos básicos" de todos e as transformações das instituições que

subordinam as mulheres. Ambos podem ser alcançados através do auto-

empoderamento das mulheres." (DAWN, 1985)

"Para que as mulheres encontrem justiça na sociedade a nova era

imaginada pelo DAWN requera transformação das estruturas de subordinação

que têm sido tão adversas às mulheres. São essenciais as mudanças nas leis,

códigos civis, sistemas de direito à propriedade, controle sobre o corpo das

mulheres, códigos trabalhistas e nas instituições sociais e legais que

subscrevem o controle e o privilégio masculinos." (MOSER, 1995)

A noção de fortalecimento pode ser ancorada no conceito de "empowerment", termo

utilizado na Saúde Pública a partir do seu oposto powerlessness na medida em que o foco

principal da ação recai sobre o processo de mudança da auto percepção do indivíduo. A

definição proposta por WALLERSTEIN (1994) remete a uma dimensão na qual os indivíduos

ampliam o controle sobre suas vidas no contexto da participação em grupos visando as

transformações na realidade social e política em que vivem. "The goals of an empowerment

social action process, therefore, are individual and community capacity building, control over

life decisions, equity of resources and improved quality of life" ( WALLERSTEIN, 1994)

Tais processos distinguem-se da abordagem tradicional de mudança de

comportamento pois destacam a necessidade de se ampliar o âmbito da ação para que

1 O Projeto DAWN (Alternativas de Desenvolvimento com Mulheres por uma Nova Era) nasceu em Bangalore (índia). Em 1985 entre as instituições colaboradoras estavam: AAWORD (Associação Africana de Mulheres para a Investigação e Desenvolvimento); WAND (Unidade de Mulheres e Desenvolvimento da Universidade das índias Ocidentais); APCD (Centro de Desenvolvimento da Ásia e do Pacífico); Instituto Cristiano Michelson (CMI) da Noruega, com apoio da Fundação Ford, Conselho de População e Organismo Norueguês para o Desenvolvimento Internacional (NORAD).

contemplem as dimensões singular (relativa à subjetividade, expressa como auto-estima,

motivação), particular (relativa ao grupo social no qual se insere a pessoa) e estrutural (relativa à estrutura política, jurídica e ideológica). A utilização desse conceito para o trabalho em saúde baseia-se na visão de que os perfis epidemiológicos se diferenciam de acordo com as condições de vida, assumindo importância também a falta de controle dos indivíduos sobre as suas vidas. A promoção e a educação à saúde se configuram como instrumentos para capacitar os indivíduos a aumentar o controle sobre os determinantes da saúde. Referem-se portanto, às transformações nas relações de poder que se estabelecem na sociedade. No caso da ação junto aos trabalhadores implica reconhecer que as condições de trabalho se diferenciam de acordo com o grau de controle que os trabalhadores têm do processo de trabalho. Assim, a intervenção visa aumentar o espaço para o exercício do poder tanto individual como coletivo, entendendo-se individual e coletivo não como polos opostos mas na relação dinâmica que se estabelece entre eles. Para as mulheres, empoderamento significa o auto-reconhecimento da sua situação de subalternidade social e a busca de meios e estratégias para vencê-la, garantindo-lhes autonomia e liberdade de ação tanto no mundo público como no privado. Através do empoderamento seriam satisfeitas as necessidades estratégicas de gênero que, como vimos anteriormente, são aquelas que visam a transformação das condições de subalternização das mulheres aos homens na sociedade OS DIREITOS DAS MULHERES SÃO DIREITOS HUMANOS Historicamente, a partir da constituição da noção de Estado, as políticas sociais surgem do embate entre os interesses das classes e grupos sociais dominantes e dominados, como resposta à adoção da idéia de direitos. A primeira experiência humana em relação a isso deu-se no contexto da Revolução Francesa subjacente à noção de cidadania. No ano de 1998 comemora-se o Jubileu de Ouro (50 anos) da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada pela Assembléia Nacional Francesa em 26 de agosto de 1789, fiel ao ideário da Revolução Francesa (1789) e sob influência da Declaração da Independência dos Estados Unidos votada pelo Congresso Americano em 4/7/1776, chamou- se "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão", transpirando masculinidade por todos

No Preâmbulo de Les droits de la femme et de la citoyenne (1793) reivindica o direito das mulheres (chamadas por ela de mães, filhas e irmãs) de pertencerem à Assembléia Nacional, ou seja, de serem visíveis também no espaço público e não apenas no recôndito dos lares e das famílias.:

"As mães, as filhas, as irmãs, representantes da nação, solicitam ser constituídas em Assembléia Nacional. Considerando que a ignorância, o esquecimento e o desinteresse dos direitos da mulher são as únicas causas das calamidades públicas e da corrupção dos governos, estas decidiram expor em uma declaração solene os direitos naturais, inalienáveis e sagrados da mulher, com o fim de que essa declaração, constantemente presente na mente de todos os membros do corpo social, lhes recorde sempre de seus direitos e de suas obrigações; com o fim de que os atos de poder das mulheres e os de poder dos homens, que podem serem qualquer momento comparados com a meta de toda instituição política adquiram maior consideração; com o fim de que as reivindicações das cidadãs, baseadas de agora em diante em princípios singelos e incontrovertidos, apontem sempre em prol da manutenção da constituição, dos bons costumes, da felicidade de todos os cidadãos". (GOUGES apud DUARTE, 1989)

Considerava a ignorância, o esquecimento e o desprezo aos direitos das mulheres como as causas das desgraças públicas e da corrupção dos governantes, apelando para que seus direitos, em correspondência aos dos homens, pudessem ser respeitados como forma de "manter os bons costumes e alcançar a felicidade para todos". É interessante como defende a igualdade de direitos em relação à educação, justiça, propriedade da terra, sem distinção de sexo, reforçando os valores que fundamentavam os ideais revolucionários da França de 1789. No primeiro artigo da Declaração ressalta a igualdade de direitos entre homens e mulheres no contexto social:

"A muiher nasce livre e permanece igual ao homem em seus direitos. As distinções sociais não podem ser fundadas a não ser no bem comum".

Dialeticamente, contrapunha igualdade de deveres. Argumentava:

"Se as mulheres têm direito de subir ao cadafalso, têm igual direito de ocupar a tribuna".

O parágrafo final da Declaração é um apelo às mulheres pelo reconhecimento dos

seus direitos: "Mulher, desperta-te; a força da razão se faz escutar em todo o universo; reconhece teus direitos. O poderoso império da natureza não está mais envolto de preconceitos, de fanatismos, de superstição e de mentiras. A bandeira da verdade dissipou todas as nuvens da tolice e da usurpação. O homem escravo multiplicou suas forças e teve necessidade de recorrer às tuas para romper seus os ferros. Tornando-se livre, tornou-se injusto em relação à sua companheira. Oh, mulheres /"(GOUGES apud PIMENTEL; DORA, 1993) No Brasil, Nísia Floresta (1832) fortemente influenciada por aquelas feministas inglesa e francesa vai dedicar o seu "Direitos das Mulheres e Injustiça dos homens" às mulheres brasileiras e aos acadêmicos de seu tempo. "Às primeiras porque é delas que trata e por elas escreve. Aliás, perpassa todo o livro uma solidariedade bem feminista, visível no empenho em justificar suas faltas e destacar cada um dos seus méritos. E aos académicos brasileiros porque, afinal de contas, eram eles os representantes legítimos da elite pensante do país, aqueles que poderiam, se quisessem, mudar os rumos dos acontecimentos. Foi desta geração que saíram os futuros abolicionistas, os republicanos e também uns bem poucos - muito poucos - defensores dos direitos da mulher."(DUARTE, 1989) Nascida em 1809 no Rio Grande do Norte defendeu a abolição da escravatura, o direito à educação, a emancipação das mulheres e a República. Imbuída do espírito e ideais divulgados pelo lluminismo, a autora baseia-se nos conceitos filosóficos fundamentais dentre os quais destaca-se o "primado da razão", isto é, a crença de que o ser humano tem uma vantagem única sobre os demais seres, a capacidade de raciocínio, como a melhor forma de aproximação da verdade. Nísia Floresta, diferentemente de Mary Wollstonecraft, apoia sua argumentação na superioridade das mulheres em relação aos homens: "Não ignoramos que temos razão: essa é a única prerrogativa que a Natureza nos concedeu para elevar-nos acima da esfera dos animais sensitivos; essa mesma razão que nos faz sentira superioridade que temos sobre eles nos mostraria também a dos homens sobre nós, se pudéssemos descobrir neles o menor grau de senso acima do que temos; mas sem faltara essa mesma razão não poderíamos reconhecer-nos inferiores a criaturas, cujo bom senso

de Direitos Humanos considera metas coletivas como a igualdade na diversidade para grupos historicamente discriminados. Para tanto, concebe o sujeito como portador de um sexo, um corpo, uma raça, uma cor, numa certa idade, ou seja, portador de identidade que se forma a partir de certos atributos sociais mesmo que esses tenham origem em atributos biológicos" (CONSELHO, 1998) Foi nesse contexto que a Conferência de Viena, em 1993, tornou mais clara a noção que os direitos das mulheres são direitos humanos, graças à ação dos movimentos feministas que vêm provocando profundas mudanças sociais a partir de uma nova visão de mundo que questiona a hierarquia entre os sexos e propõe a redefinição dos vínculos entre as pessoas na convivência familiar, comunitária e política. Várias iniciativas anteriores corroboraram para isso como a Década da Mulher (1975-

  1. iniciada pelo Ano Internacional da Mulher (1975) e pela I Conferência Mundial da Mulher. Em relação aos direitos humanos das mulheres, o fato mais marcante da década foi a "Convenção para a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher" (1979), promovida pela ONU e ratificada por 101 países, entre os quais o Brasil. Trata-se do "mais eficaz instrumento internacional que temos hoje de Direitos Humanos para as mulheres." No artigo 12 referente à Saúde e Planejamento Familiar, reza que "os Estados assegurarão: igualdade de acesso aos serviços de assistência médica, inclusive referente ao planejamento familiar e garantia de serviços médicos e de nutrição pré e pós-parto." (CENTRO, 1994) Seguiram-se vários outros eventos internacionais em que foram discutidos os direitos das mulheres nos mais diversos espaços e modalidades. O auge da luta pela conquista da cidadania foi a IV Conferência Mundial da Mulher realizada em Beijing, na China, em 1995, que reuniu 35 mil mulheres de 185 países, impressionando o mundo pela grandeza do evento. Tudo isso mostra que se para Mary Wollstonecraft e Olympe de Gouges a dificuldade era colocar no papel e terem aceitos os direitos das mulheres, isso hoje é fato concreto. Resta faze-los migrar das letras para a vida. Para isso, no dia 8 de dezembro passado, em Nova York, o Womens's Global Leadership Center (Centro para Liderança Global da Mulher) e o UNIFEM (Fundo das Nações Unidas para a Mulher) deram início à Campanha Mundial pelos Direitos Humanos das Mulheres com os lemas

"Imaginemos um Mundo onde todas as mulheres gozem plenamente de seus

direitos humanos" e "Sem os direitos das mulheres não existem direitos humanos". Os objetivos específicos dessa Campanha são:

  • Desenvolver um contexto elevado e coordenado para demandar e cobrar a

implementação dos compromissos com relação aos direitos humanos das mulheres;

  • Dar maior visibilidade a uma visão afirmativa sobre os direitos humanos das

mulheres

  • Articular ações e grupos ao nível local num esforço comum a nível mundial
  • Reiterar, aumentar e tornar visível a demanda pela responsabilidade do Estado

com a implementação dos compromissos assumidos internacionalmente quanto aos direitos

humanos das mulheres Todas as demandas e mensagens deverão ter por base a Plataforma de Ação de Beijing, com o objetivo de:

  • Aprofundar o comprometimento com o fim da violência contra a mulher, com ênfase

para a violência doméstica e a violência contra as mulheres nos conflitos armados

  • Dar maior visibilidade à questão dos direitos econômicos, sociais e culturais
  • Promover a ratificação universal da CEDAW (Convenção para Eliminação de todas

as formas de Violência contra a Mulher), com a eliminação de todas as reservas à mesma,

bem como demanda por um Protocolo Facultativo à CEDAW (forte) e sua subseqüente ratificação. (LIBARDONI, 1998) Uma das estratégias para a consecução desses objetivos é a promoção do engajamento de todos os países na campanha no sentido de trabalhar pela tradução, leitura e interpretação dos direitos humanos, criando instrumentos específicos para isso. No âmbito da América Latina, o CLADEM (Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher) formulou a "Declaração dos Direitos Humanos desde uma perspectiva de gênero".

"Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurara si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os de serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle" (CENTRO,

Com base nisso e nos princípios que norteiam tal Declaração, o CFEMEA elegeu as categorias de direitos a serem revistos sob a perspectiva de gênero, conforme explicitado anteriormente. A questão da saúde aparece aí nas diferentes categorias, tangenciando a categoria dos direitos sexuais e reprodutivos onde "destaca-se o direito à autodeterminação no exercício da sexualidade, incluindo o direito à livre orientação sexual, à informação sobre a sexualidade e o direito à educação sexual, lembrando que os direitos reprodutivos fundamentam-se no direito de decidir livre e de maneira informada sobre sua vida reprodutiva. Os direitos sexuais e reprodutivos são concebidos como direitos fundamentais, já que estão estritamente vinculados à liberdade e desenvolvimento da personalidade" (PIOVESAN; PIMENTEL; PANDJIARJIAN; 1998) Ocorre que no Brasil, desde 1983, a operacionalização das políticas públicas em relação à saúde das mulheres vem sendo feita pelo PAISM - Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher. Nascido num momento de intensa efervescência política e social, e no bojo das transformações estruturais da sociedade brasileira ocorridas a partir do final da década de 70, o PAISM resulta da convergência de diversas forças sociais, entre elas o feminismo como corrente de pensamento e ação social que, a partir da ótica das mulheres, propõe a releitura do biológico da saúde da mulher tomando o social como base para a intervenção. Influenciado também fortemente pelo Movimento de Reforma Sanitária, advogando precocemente o princípio de que a saúde é um direito de cidadania e dever do Estado, além de vários outros pressupostos da Reforma que viriam materializar-se na Lei do Sistema Único de Saúde (SUS), quase uma década depois, o PAISM constitui ainda uma possibilidade pertinente, necessária e atual para a assistência à saúde das mulheres brasileiras. (BRASIL, 1984; BRASIL, 1990) Segundo D'Oliveira, trata-se de uma organização das práticas de saúde que teve, desde o início, a intenção de trabalhar questões do cotidiano da vida social para além das patologias ou riscos ligados à vida reprodutiva. "Assim, sua noção de 'saúde integral' já pretendia inscrever na atenção à mulher as dimensões psico-sociais integradas à biológica.

(...) isso ocorreu porque sua formulação se deu em um momento de abertura política e

fortalecimento dos movimentos sociais, o que lhe conferiu um caráter especialmente democrático." (D'OLIVEIRA, 1996) No documento Assistência Integrai à Saúde da Muiher: bases para a ação programática encontra-se claramente definida a intencionalidade do PAISM: redirecionar a política de saúde da mulher, incorporando outras dimensões à assistência nitidamente biologicista e voltada exclusivamente para a função da mulher de reprodutora dos corpos. "O atendimento à mulher pelo sistema de saúde tem se limitado quase que exclusivamente ao período gravídico-puerperal e, mesmo assim, de forma deficiente. Ao lado de exemplos sobejamente conhecidos, como a assistência preventiva e de diagnóstico precoce de doenças ginecológicas malignas, outros aspectos, como a prevenção, detecção e terapêutica de doenças de transmissão sexual, repercussões biopsicossociais da gravidez não desejada, abortamiento e acesso a métodos e técnicas de controle da fertilidade, têm sido relegados a plano secundário." (BRASIL, 1984) Divergindo dos programas anteriores, de cunho eminentemente biologicista, o PAISM representa a primeira experiência concreta de incorporação nas políticas de saúde, da dimensão social, incluídas aí as questões de gênero. "Bem recebido por amplos setores da sociedade, o PAISM passa a constituir o modelo assistencial tido como capaz de atender às necessidades globais da saúde feminina. Incorpora, além da tradicional assistência pre- natal, parto e puerperio, tratamento e prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, a contracepção e a atenção à esterilidade, a assistência à adolescente e à mulher idosa, a prevenção da gravidez indesejada, a educação em todas as ações dirigidas à mulher (...) e às patologias clínicas mais comuns." (D'OLIVEIRA, 1996) Em nome disso, o movimento de mulheres mantém a defesa dos seus princípios e pressupostos como bandeira de luta, insurgindo-se contra a maneira como tem sido implantado na maior parte do país. Segundo GURGEL (1997) "passado mais de uma década do lançamento do PAISM, podemos avaliar que o conjunto das suas bases foi prejudicado na sua aplicabilidade. O princípio da integralidade foi reduzido aos casos de processos associados à procriação e assim mesmo com inúmeras debilidades na maior parte do país". Para SORRENTINO (1994), "o movimento pela reforma sanitária e o movimento de mulheres vêm caminhando juntos em sua luta pela saúde, realizando inúmeras ações em comum (...) Entretanto, isso nunca significou, na verdade um entrosamento maior (...) A