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Instrumento de Apoio à Primeira Entrevista em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental, Manuais, Projetos, Pesquisas de Terapia ocupacional

Este instrumento auxilia estagiários de terapia cognitivo-comportamental na primeira sessão individual, facilitando a transição profissional e a formação de terapeutas iniciantes. Abrange categorias como rapport, ética, avaliação da queixa, expectativas, recursos, explicação da terapia, regras, contrato, tarefa de casa e avaliação da sessão. Visa favorecer a confiança, relação terapêutica, motivação e autoeficácia do cliente, contribuindo para a formação do terapeuta e prevenção de rupturas.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

Compartilhado em 08/05/2024

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ISSN 0103-5665 33
Psic. Clin., Rio de Janeiro, vol. 26, n.2, p. 33-47, 2014
A primeira entrevista em psicoterapia
Instrumento de apoio para a
primeira entrevista em psicoterapia
cognitivo-comportamental
instrument of support to the first interview
in Cognitive-behavioral psyChotherapy
instrumento de apoyo a la primera entrevista
en psiCoterapia Cognitivo-ConduCtual
Sheila Giardini Murta*
Sheila Giovana Morais Rocha**
Resumo
A primeira entrevista em psicoterapia é, usualmente, vivenciada com gran-
de ansiedade por estagiários de Psicologia. Visando facilitar essa transição pro-
fissional e colaborar para a formação de terapeutas iniciantes, este artigo tem
por objetivo apresentar um instrumento para uso por estagiários de Psicotera-
pia Cognitivo-Comportamental na primeira sessão individual. O instrumento é
apresentado na forma de uma lista de checagem, contendo aspectos a serem abor-
dados no decorrer da sessão, além de questões abertas sobre a vivência emocional
e autoavaliação do desempenho na sessão. São discutidos achados de pesquisa
em psicoterapia que fundamentam o instrumento. Adicionalmente, são sugeridos
estudos para avaliação de seu potencial didático na formação de psicoterapeutas.
Palavras-chave: terapia cognitivo-comportamental; supervisão; formação
profissional.
AbstRAct
The first interview in psychotherapy is usually experienced with great
anxiety by psychology undergraduate trainees. In search of making easier that
* Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.
** Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.
Psicologia clinica 26-2.indd 33 08/01/2015 12:39:52
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ISSN 0103-566533

Psic. Clin., Rio de Janeiro, vol. 26, n.2, p. 33-47, 2014

A primeira entrevista em psicoterapia

Instrumento de apoio para a

primeira entrevista em psicoterapia

cognitivo-comportamental

instrument of support to the first interview

in Cognitive-behavioral psyChotherapy

instrumento de apoyo a la primera entrevista

en psiCoterapia Cognitivo-ConduCtual

Sheila Giardini Murta* Sheila Giovana Morais Rocha**

Resumo A primeira entrevista em psicoterapia é, usualmente, vivenciada com gran- de ansiedade por estagiários de Psicologia. Visando facilitar essa transição pro- fissional e colaborar para a formação de terapeutas iniciantes, este artigo tem por objetivo apresentar um instrumento para uso por estagiários de Psicotera- pia Cognitivo-Comportamental na primeira sessão individual. O instrumento é apresentado na forma de uma lista de checagem, contendo aspectos a serem abor- dados no decorrer da sessão, além de questões abertas sobre a vivência emocional e autoavaliação do desempenho na sessão. São discutidos achados de pesquisa em psicoterapia que fundamentam o instrumento. Adicionalmente, são sugeridos estudos para avaliação de seu potencial didático na formação de psicoterapeutas. Palavras-chave: terapia cognitivo-comportamental; supervisão; formação profissional.

AbstRAct The first interview in psychotherapy is usually experienced with great anxiety by psychology undergraduate trainees. In search of making easier that

  • Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil. ** Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.

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professional transition and collaborate for the professional training of beginners therapists, this paper has the aim to present an instrument for use by trainees in the first session of Cognitive Behavioral Psychotherapy. The instrument is pre- sented in the format of a checklist, consisting of features to be addressed during the session, besides open questions about the emotional experience and evalua- tion of the own performance. Research findings in the psychotherapy field which provide the basis for the instrument are discussed. Additionally, further studies are recommended in order to evaluate its didactic potential in the psychotherapy training. Keywords: cognitive behavioral therapy; supervision; training.

Resumen La primera entrevista en psicoterapia es, generalmente, vivida con gran an- siedad por los alumnos de Psicología en prácticas. Con la finalidad de facilitar esta transición profesional y colaborar con la formación de nuevos terapeutas, este artícu- lo tiene como objetivo presentar una herramienta para la primera sesión individual de los alumnos de Psicoterapia Cognitivo-Conductual. El instrumento se presenta en forma de una lista de verificación que contiene los aspectos a tratar durante la sesión, además de preguntas abiertas acerca de la experiencia emocional y una auto- -evaluación de su desempeño en la sesión. Se discuten los hallazgos de investigacio- nes en psicoterapia que fundamentan el instrumento. Adicionalmente, se sugieren estudios para evaluar su potencial educativo en la formación de psicoterapeutas. Palabras clave: terapia cognitivo-conductual; supervisión; formación profesional.

A primeira experiência de entrevista vivida por estudantes de psicologia em estágio clínico é profundamente ansiógena (Aguirre, 2000; Boris, 2008; Pinheiro, 2007; Ribeiro, Tachibana & Aiello-Vaisberg, 2008). Esta é uma realidade bem conhecida por supervisores experientes, que inevitavelmente com ela se deparam ao assumirem, ao início dos semestres acadêmicos, novas turmas de estagiários nas universidades ou outras instituições formadoras. A tensão que acompanha esta importante transição na vida profissional dos estudantes de psicologia foi investigada em um estudo conduzido por Ribeiro et al. (2008). As autoras avaliaram a experiência emocional de 19 estagiários sobre a primeira entrevista clínica, que havia sido há pouco vivenciada em um estágio de psicodiagnóstico, na abordagem psicanalítica, em Unidades Básicas de Saúde no interior de São Paulo. Os participantes foram convidados a expressarem suas

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a formação da aliança terapêutica, faz-se necessário o desenvolvimento na super- visão de recursos didáticos que sirvam como “mapas de viagem” que sejam tanto norteadores quanto flexíveis, sobretudo para terapeutas inexperientes. Embora vários autores discutam a formação profissional do psicoterapeuta (Ireno, 2007), a supervisão em psicoterapia (Lazzarini, Viana, Rolim, Veludo & Diniz, 2004; Zaslavsky, Nunes, & Eizirik, 2003), os desafios vivenciados por terapeutas iniciantes (Aguirre, 2000; Boris, 2008; Pinheiro, 2007; Ribeiro et al. , 2008; Skovholt & Ronnestad, 2003) e os fatores que afetam a qualidade de seu desempenho (Bolsoni-Silva, 2009; Nutt-Williams & Hill, 1996), são escassas pu- blicações que disponibilizem instrumentos de apoio para o primeiro atendimen- to, independentemente da abordagem teórica. Um dos poucos trabalhos dirigidos para a primeira sessão é o de Pinheiro (2007), que discute a preparação para o primeiro atendimento em gestalterapia. No roteiro proposto pela autora, a entrevista deve ser focada na exploração da queixa inicial e de áreas da vida do cliente, incluindo a vida familiar, social, afeti- va, profissional e religiosa. Encaminhamentos necessários e contrato de trabalho devem também integrar os alvos de atenção do profissional neste primeiro en- contro. A política de honorários e o monitoramento do tempo da sessão devem ser também cuidados pelo profissional, seja iniciante ou experiente. É oferecido um modelo de contrato escrito, utilizado na clínica social em que a autora atua, que inclui informações sobre dia e horário de atendimento, faltas, desmarcação, sigilo, supervisão, filmagem, duração do trabalho na instituição e honorários. Adicionalmente, Pinheiro (2007) propõe que a preparação para o primeiro atendimento considere a clareza teórico-filosófica acerca da visão de homem que fundamenta o trabalho. Em termos práticos, recomenda que sejam observadas as informações oferecidas pelo cliente desde o seu primeiro contato, anterior à primeira sessão, e sejam adotados cuidados com o ambiente físico e com a ves- timenta do profissional. Esta não deve desviar a atenção do terapeuta, que deve estar livre de distrações e concentrado para interagir atenta e sensivelmente com o cliente. Em se tratando especificamente da terapia cognitivo-comportamental, as sessões iniciais devem ser utilizadas para a conceitualização de caso, processo que compreende a formulação de uma hipótese de trabalho e plano de tratamento apoiados em uma avaliação minuciosa. São avaliados os sintomas do cliente, sua história de vida e influências desenvolvimentais, elementos contextuais atuais relevantes, aspectos genéticos e biológicos, histórico de saúde familiar, recur- sos pessoais e sociais do cliente, pensamentos automáticos, emoções e compor- tamentos associados, esquemas subjacentes e expectativas frente à psicoterapia

a primeira entrevista em psicoterapia37

(Wright, Basco, & Thase, 2008). A primeira sessão permite iniciar esse processo, ao mesmo tempo que prepara o cliente para a psicoterapia, de modo a se pro- mover, gradualmente, um consenso entre terapeuta e cliente sobre alvos, metas e procedimentos de tratamento. Neste sentido, o terapeuta faz uso de psicoeduca- ção para informar o cliente acerca do funcionamento da terapia cognitivo-com- portamental, a fim de engajá-lo no processo de mudança (Beck, Rush, Shaw, & Emery, 1997). O reconhecimento da ansiedade que envolve o ingresso no papel de psico- terapeuta e das implicações resultantes de se iniciar bem ou mal o atendimento clínico sobre a aliança terapêutica nos motivou a desenvolver um instrumento de apoio para estagiários da disciplina Estágio Supervisionado em Intervenções Psi- coterapêuticas: Terapia Cognitivo-Comportamental que estagiam no Centro de Atendimento e Estudos Psicológicos, clínica escola da Universidade de Brasília. Este artigo tem por objetivo descrever o Instrumento de Apoio para a Primeira Entrevista Clínica em Terapia Cognitivo-Comportamental (IAPEC-TCC) e sua fundamentação derivada de achados de pesquisas em psicoterapia.

Descrição do instrumento

O IAPEC-TCC é composto por 28 itens dispostos em checklist e quatro itens em formato de perguntas abertas (Ver quadro a seguir). São as seguintes as categorias comportamentais que constam no instrumento: rapport ; aspectos éticos; avaliação da queixa inicial; avaliação de conhecimentos, expectativas e me- tas do cliente para a psicoterapia; avaliação de recursos do cliente, pessoais ou ambientais; explicação sobre o funcionamento, procedimentos e a efetividade da psicoterapia; explicação sobre as regras da relação terapêutica; contrato; tarefa de casa e avaliação da sessão. O checklist inclui ainda habilidades sociais de empatia, autorrevelação do terapeuta e valorização de aspectos saudáveis do cliente. As perguntas abertas investigam os sentimentos do(s) terapeuta(s) durante o aten- dimento, sua apreciação pessoal sobre o que gostou e não gostou no próprio desempenho e as providências que julga necessárias para o próximo atendimento.

Quadro 1: Instrumento de Apoio para a Primeira Entrevista Clínica em Terapia Cog- nitivo-Comportamental – IAPEC-TCC Leia a lista de procedimentos abaixo, antes da sessão, para que você se lembre do que deve ser feito neste primeiro contato com o cliente. Após a sessão, avalie, juntamente com o coterapeuta, o que foi feito ou não na sessão. Marque com

a primeira entrevista em psicoterapia39

PROCEDIMENTOS SIM NÃO (^) PARTEEM

Explicar o que faz a psicoterapia trazer benefícios para o cliente: os recursos do cliente, a aliança terapêutica, as técnicas e a expectativa de sucesso Explicar as atividades a serem feitas no decorrer da psicoterapia: conversas que estimulem a auto-observação, atividades para praticar em casa, atividades de auto- observação entre as sessões (questionários, diários...), relaxamento, dramatização, exposição (teste de realidade...) Explicar que o trabalho é feito em colaboração entre terapeuta e cliente: objetivos construídos conjuntamente, atividades serão escolhidas conforme o que o cliente se sentir mais confortável, avaliação contínua dos efeitos do trabalho, avaliação contínua da relação terapeuta-cliente, cliente deve dizer quando não se sentir confortável... (Se entrevista inicial para posterior atendimento de grupo): explicar fatores terapêuticos do grupo, sessões iniciais individuais de avaliação e responder a dúvidas sobre a intervenção em grupo FINAL DA SESSÃO Fazer contrato: dias de atendimento, procedimentos em caso de falta, pagamento, sigilo e grupo de supervisão. Retomar o uso a ser feito das filmagens: exclusivo para estudo e análise em supervisão. Dar telefone de contato pessoal e da clínica-escola. Passar tarefa de casa, explicar como deve ser feita e verificar obstáculos para a realização da tarefa (tempo disponível, percepção de utilidade, compreensão da tarefa...) Avaliar a reação à sessão (ex.: como você está saindo daqui? Como você está se sentindo agora, considerando tudo o que conversamos? O que você está levando da nossa primeira conversa?) Agradecer ao cliente o interesse pelo serviço da clínica- escola, a oportunidade de atendê-lo, e despedir-se. HABILIDADES A SEREM APRESENTADAS AO LON- GO DA SESSÃO, SEMPRE QUE OPORTUNO Dar respostas verbais de empatia (resumindo a fala do cliente, repetindo partes centrais da fala do cliente, usando metáforas do tipo “é como se...”, nomeando com sinônimos a fala do cliente, usando interjeições em sintonia com a emoção do cliente etc.) Dar respostas não verbais de empatia (assentir com a cabeça, expressão dos olhos, expressão facial...) Fazer autorrevelação pertinente e breve (ex.: conheço sua cidade de origem...) Valorizar esforços para mudança ou aspectos saudáveis do cliente

40a primeira entrevista em psicoterapia

A avaliação da queixa inicial e o contrato são aspectos comuns em entrevis- tas iniciais, aprendidas em diferentes disciplinas da graduação em Psicologia. Para além destes aspectos, consideramos necessário incluir: avaliação de recursos do cliente, pessoais ou ambientais; explicação sobre o funcionamento, procedimen- tos e a efetividade da psicoterapia; explicação sobre as regras da relação terapêuti- ca; avaliação da sessão e comunicação pautada em habilidades sociais. Tais aspectos foram incluídos como meio para favorecer a confiança no te- rapeuta (ao apontar seus conhecimentos sobre o que faz a psicoterapia funcionar) e incrementar a relação terapêutica (ao dar dicas para o cliente que a transparên- cia e abertura são encorajadas entre cliente e profissional, ao usar de habilidades sociais no trato como cliente e ao avaliar suas impressões e sentimentos sobre a primeira sessão). Além destes efeitos pretendidos, itens foram inseridos para fortalecer a motivação do cliente para com a psicoterapia (ao informar sobre a eficácia da psicoterapia e explicitar seus mecanismos de mudança) e aumentar sua autoeficácia (ao reconhecer e refletir sobre seus recursos para a mudança). Em nosso grupo de estágio, o instrumento vem sendo usado antes e depois do primeiro atendimento individual e, por vezes, também no segundo atendi- mento. Ao ser usado antes do atendimento, serve como um lembrete de con- dutas a serem adotadas, se oportuno durante a sessão. Quando usado após o atendimento, é útil como recurso para avaliação do desempenho do terapeuta, em que o próprio terapeuta e o coterapeuta marcam, imediatamente após a sessão, a ocorrência de comportamentos previstos para a primeira sessão e registram sua autoavaliação de desempenho.

A pesquisa em psicoterapia e a fundamentação do

instrumento de apoio para a primeira entrevista clínica

em terapia cognitivo-comportamental

Pesquisas sobre a eficácia da psicoterapia vêm sendo realizadas há já várias décadas e apontam, consensualmente, que psicoterapias de diferentes abordagens são benéficas e produzem resultados superiores quando comparadas a grupos con- trole (Cordioli & Giglio, 2008; Castonguay, Boswel, Constantino, Goldfried, & Hill, 2010; Diniz-Neto & Feres-Carneiro, 2005). Os mecanismos facilitadores da mudança comuns entre as psicoterapias têm sido chamados de “fatores comuns em psicoterapia”. Tal denominação foi originariamente atribuída por Saul Rosen- zweig ainda na primeira metade do século 20 (Duncan, 2010) e compreende as características do paciente (como sua rede de apoio social, variáveis de persona-

42a primeira entrevista em psicoterapia

cliente como a empatia, a autorrevelação e a valorização de aspectos saudáveis ou de esforços de mudança apresentados pelo cliente. Da mesma forma que se faz relevante o estudo dos mecanismos existentes na psicoterapia que a tornam efetiva, é crucial o entendimento dos mecanismos que podem tornar os tratamentos psicoterápicos prejudiciais ou danosos (Barlow, 2010; Dimidjian & Hollon, 2010; Lilienfeld, 2011). Castonguay et al. (2010) apresentam uma lista de recomendações para evitar tais prejuízos. A primeira de- las é aprimorar a relação terapêutica, auxiliando o estagiário ou jovem terapeuta a monitorar a mudança, deterioração ou a falta de avanço em psicoterapia, man- ter a comunicação empática com os clientes, bem como estabelecer boa aliança terapêutica. Outra recomendação trata de usar as técnicas apropriadamente, in- cluindo as intervenções. Também é aconselhável que o jovem terapeuta aprenda a prevenir e reparar processos técnicos e relacionais nocivos. Para tanto, o esta- giário deve aprender a perceber o grau de profundidade do vínculo terapêutico e a forma como ele próprio contribui ou não para a aliança, praticar e adotar uma postura de observador-participante, evitar o uso de confrontação baseada em experiências pessoais, aumentar a consciência sobre contratransferência e a habilidade de manejá-la e utilizar as técnicas psicoterápicas com flexibilidade, sabendo que em certos casos insistir na ênfase à técnica pode ameaçar o processo terapêutico. Finalmente, os aspirantes a terapeutas devem ajustar as característi- cas do tratamento à personalidade e às questões centrais dos clientes, bem como se inteirar sobre as terapias mais ou menos efetivas para cada caso, pois algumas delas são recomendadas ou desaconselhadas dependendo da demanda principal encarada. Logo, torna-se evidente que os cuidados com a condução da primei- ra sessão, potencialmente fomentados pelo uso de “mapas de viagem” como o IAPEC-TCC, não apenas devem resultar em benefícios para o cliente (princípio ético da beneficência), mas devem também evitar danos (princípio ético da não maleficência) (Conselho Federal de Psicologia, 2005) ou desistência precoce da psicoterapia. Dada a necessidade do terapeuta de atuar como observador-participante e monitorar seus sentimentos enquanto trabalha, o IAPEC-TCC inclui também questões abertas voltadas para tais aspectos. Conforme discutido por terapeu- tas experientes (Braga & Vandenberghe, 2006; Falcone, 2007), a observação das emoções do terapeuta e seu manejo adequado podem também favorecer a quali- dade da comunicação e, consequentemente, do vínculo afetivo cliente-terapeuta (Obegi, 2008). Salienta-se que, nessas experiências iniciais de atendimento, a ansiedade e o receio de errar são comuns e devem ser alvo de supervisão e enca- minhamentos, desde ações dirigidas para a ampliação do conhecimento (como

a primeira entrevista em psicoterapia43

leituras e registros das sessões) como para autocuidados para com a saúde (como a própria psicoterapia ou manutenção de hábitos de lazer e descanso).

Considerações finais

Por fim, mas não menos importante, aponta-se que o desenvolvimento de instrumentos e o ensino para uma adequada atuação técnica e relacional com o cliente desde a primeira sessão de psicoterapia atende também aos princípios éticos que regem o trabalho do psicólogo. Cabe lembrar as recomendações do Código de Ética Profissional dos Psicólogos no sentido de fornecer informações concernentes ao trabalho a ser realizado e a seu objetivo (itens que constam no IAPEC-TCC), assumir responsabilidades apenas para as quais esteja capacitado e, especialmente, respeitar os direitos do usuário na prestação dos serviços de psicologia, visando sempre a sua saúde e a qualidade de vida (Conselho Federal de Psicologia, 2005). Em nossa experiência, o uso do IAPEC-TCC tem facilitado o ingresso dos estagiários nessa importante tarefa profissional, contribuindo para reduzir sua insegurança e ansiedade, quando associado à supervisão. Uma das estagiárias, Miriam (nome fictício), assim o avaliou:

O roteiro foi importante não apenas por ser um roteiro (uma dire- ção para a entrevista que ajudou muito a reduzir minha ansiedade), mas porque através da tua orientação (da supervisora), das leituras e nossas discussões, eu pude aprender o porquê daquelas perguntas

  • qual o real significado clínico em fazê-las. Com o tempo eu e a coterapeuta fomos “decorando” esses significados e isso ajudou para que fôssemos nos desprendendo da ordem das perguntas para fazê- -las com mais autonomia, observando o tempo de cada cliente.

O conteúdo do instrumento foi avaliado como positivo por Miriam:

Em termos de conteúdo, vejo que as “etapas” citadas a seguir foram o mais peculiar e importante do roteiro para uma primeira entrevista: a explicação inicial do que seria a primeira sessão e o objetivo dela, as perguntas sobre experiência anterior com psicoterapia e os esclarecimentos sobre a mesma (as tarefas, relação terapeuta-cliente etc...). Lembro que alguns entrevista- dos nunca tinham feito psicoterapia e tinha uma senhora que falava como se fôssemos médicas a lhe receitar remédios.

a primeira entrevista em psicoterapia45

rapeuta aprendiz, que gradativamente precisa estar sob controle do seu próprio julgamento, discriminando quando e como fazer o qu ê ao longo da terapia. Em sua apreciação pessoal sobre o instrumento, uma terceira estagiária, Manuela (nome fictício), considera...

[...] que ele me ajudou muito. Ele funcionou como um guia para a investi- gação de aspectos relevantes na primeira sessão de atendimento. O mesmo também auxilia na recordação de preceitos éticos a serem observados na sessão, como também de condutas terapêuticas a serem efetivadas. Além dessas questões práticas, o instrumento também foi útil para trazer segu- rança e, com isso, diminuir a ansiedade e a preocupação em cometer falhas.

Em conclusão, IAPEC-TCC parece ser útil como instrumento de aprendi- zagem e de cuidado com o estagiário neste momento marcante de sua formação. Quando associado à supervisão e à prática contínua, favorece a autonomia do terapeuta iniciante, reduz sua ansiedade e promove a qualidade de seu trabalho. Estudos futuros são necessários para avaliar, sistematicamente, suas limitações e benefícios, incluindo seu impacto sobre o estresse ocupacional do estagiário, a qualidade do desempenho na sessão e a manutenção do cliente no processo psicoterapêutico.

Referências

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