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Pietra Diwan RAÇA PURA uma história da eugenia no Brasil e no mundo ecitoracontexto args presen cm compre rtromerm | E À. EUGENIA E SUA GENÉTICA HISTÓRICA A gênese de uma pseudociência O PALIMPSESTO DA SUPERIORIDADE HUMANA Purificar a raça. Aperfeiçoar o homem. Evoluir a cada geração. Se superar. Ser saudável. Ser belo. Ser forte. Todas as afirmativas anteriores estão contidas na concepção de eugerua. Para sero melhor, o mais apto, o mais aclaptado é necessário compeur e derrotar o mais fraco pela concorrência. Luta de raças. Para a política, tuta de classes. A eugenia moderna nasceu sob essas idéias principais. Uma invenção burguesa geraca na Inglaterra industria! em crise. Mas analisar a origem da eugenia, assim como seus objetivos e fundamentos não é tarefa fácil, pois apesar de se autodenominar ciência, essa teoria está repleta de ambigúidades e argumentos subjenvos. Para entender sua complexidade é importante ter em vista que a eugenia se inspirou nas idéias sobre superioridade, natureza e sociedade que foram construídas ao tongo dos séculos pelo pensamento ocidental. Os ideais eugênicos modernos remontam à Antgúidade. Os padrões de beleza fisica da Grécia Antga, assim como os exemplos de força dos exércitos de Esparta e, séculos antes, as regras de higiene dos hebreus e sua profilaxia também inspraram os teóncos teonarcio da Vinci inspirado pei to romeno dk x à beleza do corpo relaconsda à proporção. Na “esquema” culo 12.C.. Vitruvio, representou no século ativa de decifrar o corpo foi crade um Todos os períodos históricos têm exemplos nesse sentido. De modo geral, o século xv foi marcado pele valorização clas potências humanas, pelo desenvolvimento da ciência e pela filosofia. Todas essas dimensões uveram imúmeras representações na arte, tendo motuvos de inspiração na matemática, na proporção e na beleza dos antigos. Leonardo da Vinci reabiliiou a obra De Architectura, datada do século (a.C. do engenheiro romano Vitruvio. Essa obra fornecerá instrumentos suficientes para o uso de proporções nas representações do corpo humano. O Homem vitruviano ! : A ÊUGENIA à SUA GENELICA NISTORICA 25 representará a união cla forma racionalizada e da arte, da proporção e da simetria, que servirão de base para explicar outros campos do mundo renascentista, O médico beiga Andreas Vesalius, na sua obra De humani corpor's fabrica, fundou a anatomia moderna mostrando o corpo humanizado, material e sem aima. O astrônomo polonês Nicolau Copérnico, o filósofo taliano Giordano Bruno e o astrônomo italiano Galileu Galilei desafiaram as leis da astronomia ea Igreja Católica ao colocar o Sol no centro de um universo avanra Dm PRIMA MESC coma qanrta O anazomista andreas Vesalius questionou em saus desenhos anatórmicos da corpo humano, no século x, a própria natureza da homem quando mostrou seu interior de manera racionai e não mais espiritual e religiosa, como na idade Média. 26 Raça runa infinito e em movimento. E finalmente, na filosofia, os ingleses Thomas More e Francis Bacon e o italiano Tommaso;Campanella, respecuvamente nos livros Utopia, Novim Organum e Cidade cio Soi, construíram cada quai seu modelo de sociedade dentro de uma concepção homogenerzanie e de valorização do capital, mas ainda de forte inspiração religiosa. O Renascimento antecedeu a era da razão e posicionou o homem, do ponto de vista filosófico, no centro de tudo. Todas as coisas do mundo estavam disponíveis para o domínio e o conhecimento humano. A natureza, não mass vista como cnação divina, pocena sér desvendacia e dominada. De um lado, o Discurso do método, do francês René Descartes, e sua máxima “cogito, ergo sum” Ipenso, logo existol revolucionaram o modo de pensar o mundo. Compartimentado, racionalizado e empírico, o mundo matenai fo: definitivamente separado do mundo espirtual. Por outro lado, um Filósofo contemporâneo a Descartes afirmou na mesma época que “bella omnitum contra omnes el” Iguerra de todos contra todos); no Leviatã, o filósofo inglês Tnomas Hobbes revelou-nos a mevinável concorrência entre os homens en sociedade, aíncla que a natureza esteja. cdlominada. Os ilumimstas também produzirão concepções de fundamental importância para os pensadores cugenistas do século xx. Rousseau e Maithus, cada um a sua manera, tWataram de reflerr sobre a sociedade, o homem e a natureza. No Coniraio social, Jean-Jacques Rousseau fez a separação entre a natureza e a sociedade. De origens distintas, o mundo natural ou físico e o mundo político ou moral eram partes de um corpo soci. Para Rousseau, no trundo natural e no mundo moral, os conflitos e embares deveriam sesultar na superação das desigualdades através de leis e cia constinução de um contrato social, No contrato social, a humanidade abdica de parte de suas liberdades individuais a fim de estabelecer um convívio pacífico, Mas se Rousseau, apesar clas cliferenças na sociedade, via todos os homens iguais por nanireza, Thomas Malthus, ao contrário, tinha um ponto de vista bastante pessimista da vida em sociedade, expresso em seu livro Ensaio sobre as populações, e, nesse senudo, criticava o crescimento veruginoso das cidades no pós-Revolução Industrial. Para Malthus, o progresso humano era inevitável e, baseado em dados matemánicos, argumentava qué a população aumenta em progressão geométrica enquanto a potência da terra t O GUCENIA £ sua GLuETICA miSTOAICA QÉ em produzir alimentos cresce em progressão arumética. Dessa forma, q mundo orgânico e equilibrado da humanidade estava comprometido, já que, diferentemente do mundo animal, em que a seleção narural e a le; do mais forte sobre o mass fraco funciona- vam, na sociedade contemporânea esse aspecto fora substituído pelo assistencialismo. Esse retrospecto de parte da tustória da filosofia e do pensamento ocidental tem por objeuvo dar uma ligeira idéia geral do palimpsesto que compôs o pensamento do século xx e que proporcionou 2 emergência da cugema. Longe de querer aprofundar cada um clesses pensadores, o importante é ter em vista que, histoncamente, houve sempre o desejo de se proclamar à superiondade de um grupo sobre outro, ou de uma teoria sobre outra, ou mesmo de um tipo de regime política sobre outro. Os melhores, os eleitos, os superiores sempre foram desejados pelo poder. E pertencer ao grupo dos melhores sempre fo: o objetivo de muitos, em detrimento dos menos favorecidos. Michel Foucault, em seu livro Microfisica do poder, nos ensinou que todos, na época contemporânea, temos estratégias e recursos na vicla cotidiana para dormnar uns, mas também para permitir que sejamos donunados por outros, às vezes simul- taneamente. Mas a novidade do século xx em relação a todas essas sobreposições teóncas seculares e todas e: temporalidades foi o advento do conhecimento biológico e sua iniluência na vida social com a finalidade de controlar as populações, entendendo-as como espécie, o que Foucault chamou de biopoder. Esse biopocer emergiu do rápido crescimento do capralismo no século xx e sua incidência sobre a vida sujeitará e docilizará os corpos a partir de então, potencializando com sutilezas disciplinares as relações do homem com seu meio social, À GENÉTICA DA GENÉTICA Se a natureza havia se tornado campo de conhecimento do homem, e o seu funcionamento um conjunto de regras e teonas, com o bropoder era o momento de serem criadas as técnicas necessárias para ajustar as dissonâncias sociais e disciplinares. A trofogia protagonizará esse período e terá a sua era de ouro a parur da segunda metade do século xxx, explicando boa parte dos problemas apresentados pelo seu tempo, sejam eles científicos ou du Reca tura Finalmente, o evolucionismo de Charles Darwin é a última das três grandes descobertas da biologia do século xxx, e esse conceito será um dos principais alicerces teóricos da eugenia. Em 1859, Darwin publicou seu mais famoso livro, A origem das espécies por meio da seleção natural ou a preservação des raças fávorecules ne luta pela vida, com os resultados de sua pesquisa sobre a seleção natural, a sobrevivência e a luta pela vida entre os animais. O trabalho de Darwin era tão popular na sua época que a primeira edição da obra foi inteiramente vendida no dia do, lançamento. Desse livro eu o darwinismo, teoria que rompeu em definitivo com o criacionismo, crença na origem mítico-reiigtosa do homem, e gerou polémica entre a comunidade de iólogos. Isso porque as formulações de Darwin proporcionaram duas perguntas funda- ruentais. quais suas aplicações técnicas e suas comprovações empíricas? Tais questionamentos justificam-se pela fragilidade do conheomento científico em biologia da época. O evolucionismo não possuía aplicação técnica nem base empírica, aiém da observação de curto espaço de tempo. Pouco se conhecia sobre a hereditariedade, e as leis da genética de Mendel só viriam a público décadas mais tarde. No entanto, o darwinismo desafiou a ordem política quando afirmou que à ordem biológica e natural rega a vida e o clesenvolvimento da humanidade. Nesse senudo, a luta pela vida, na qual só os mais bem adap- tados sobrevi os mais bem “equipados” biologicamente iêm maiores chances de se perpetuar na rnamoreza serão as pressas do darwinismo. Tais a permanente competição e a conclusão de que idéias encontrarão eco nas teorias econômicas e sociais que pustu- ficarão o comportamento humano em sociedade. Dessas aplicações essencialmente políticas surgirá o darwinismo social, que, dando voz aos argurúentos de racistas e eugenistas, era consoante também com os princípios da burguesia industrial e deu a base científica, do ponto de vista econômico, para os objetivos de contole e permanência no poder. Assim, fugienistas e evolucionistas contribuíram para à biologização da socieciade, de maneiras diferentes. O primeiro grupo, com fins técrucos e menos político, adquiriu repercussão k É À LUGENIA À SUA REMCrICA HISTÓRICA DM internacional e prestígio imediato. Os higienistas eram, essen- cialmente, adeptos do lamarckismo — Jean-Bapuste Lamarck desenvolveu, no século xvm, a fer dos caracteres adquiridos, hoje ultrapassada. Em síntese, essa teoria prega que o meio ambiente e o comportamento têm a capaciclade de influenciar os caracteres hereditários. Higienustas irão abraçar essa idéia na defesa de políticas sanitárias. Ao contrário, o grupo cos evolucionistas-darwinistas era mais científico e mais enfático quanto à interferência no plano social, sendo, portanto, mais polêmico. Em suas bases de apoio estavam as teorias mendeliana e weismaniana, ambas de suma importância para se entender a hereditariedade. O monge Gregor Johan Mendel é hoje conhecido como o “pai da genética” por ter sido o primeiro a demonstrar as leis da hereditariedade. Através da observação dos cruzamentos de ervilhas, ele concluu que as combinações dos aracteres clas partes cruzadas eram imutáveis, podendo ser domunantes ou recessivas, dependendo da combinação dos pares. O mendelismo só for conhecido em 1900 com « popularização das pesquisas efetuadas por Mendel, que influenciarão decisivamente os carwimstas sociais. As idéias de August Weismann complementam aquelas de Mendel, além de reforçarem as idéias de Darwin. De acordo a teoria de Weismann, o piasma germinativo, hoje conhecido como gametas, é responsável pela transmissão dos caracteres ancestral! e imutável pelo meio ambiente. Dessa forma, a seleção natural estaria asseguracia por eliminar naturalmente os caracteres defeituosos, inferiores e mais fracos através das gerações. O darwinismo social vas se apropriar dess 5 idéias para Jeginmar seus desejos de controle ideológico. Baseados na luta pela vida, na concorrência e na seleção, os caminhos para solucionar os problemas sociais deveriam visar, acima de tudo, ao triunfo do incivícivo superior para, depois, aperfeiçoá-io em busca do super- homem. De acordo com o trabalho de André Béjin, o evolucionismo passou por três fases distuntas 20 longo de sua história. A primera delas, entre 1853 e 1883, foi caracterizada por um evolucionismo liberal e depois socialista de fundo teórico. A segunda fase com- preende o período entre 1884 e 1904 e se destaca por um diferente 12 Roca rua po de darw:msmo social por meio do qual florescerão o racismo e a eugena, oportunidade em que o colonialismo europeu se assentará. Vinalmente, na sua última fase, entre 1905 e 1935, o evolucionismo irá aplicar as teorias desenvolvidas na fase anterior. ou seja, msituições e governos vão “colher os frutos” do aperfer- coamento humano em métodos compuisórios e totalitários. Toco esse processo pelo qual passou o evolucionismo significou também a validação de seus objeuvos ao longo do tempo. Do darwinismo ao sociodarwinismo, a brologia e a sociologia se asso- craram com o objetivo de se sustentar mutuamente. De um tado, a biologia, com suas fragilidades teóricas em relação à genética e à hereditanedade, buscou explicação no organismo social. Do outro, a sociologia tornou-se uma disciplina “cientificizada”, criada para avaltar e quantificar o homem a partir de seus ramos de estudo. como a estatísuca, a psicologia, a antropometria, os testes de ar. Todos esses conhecimentos foram originados do clarwinismo e, posteriormente, se reagruparam no que hoje se conhece por ciências sociais. No século xx, seus resultados matemáticos desarmiculados, sem objetividade e tampouco neutralidade tentaram explicar a vida em sociedade. Entre os anos de 1859 e 1915, esse “imbróglio” de teorias vacilantes colocou em cena Francis Galton em um debate com Chartes Darwin « sua seleção natural. A luta pela vida, a concorrência e a seleção estarão onipresentes na biologia do século xix e tentarão explicar todas as coisas, em todas as dimensões cla vida. A sociologia se tornará a imagem das ciências naturais e tados os sociodarwirustas estarão voltados para um objetivo comum: a “naturalização” da sociedade e a “cientificização” da sociologia, com a extensão desses princípios à vida política. Para esses teóricos, a “luta de raças” originaria toco o processo sociai. Jacques Novicow, antidarwisusta de esquerda e autor de 4 crítica ao darwinismo socual (1910), escreveu que a teoria evolucionusta, assim como as concepções de iuta pela vida e seleção, foram o “motor” da luta de classes e declararam uma guerra continua de todos contra todos. Além da disputa entre classes, esse “motor” acionou também as disputas entre grupos em defesa de seus territórios, o que justificará. sob os termos darwimanos, a importância das guerras e das conquistas imperialistas. Do ponto de vista social, a burguesia se inspirará na biologia e nas teorias incertas sobre a hereditariedade para consolidar o poder À HUGINIA E SUA GINITICA NISTORICA Tê econômico recém-conquistado, reabilitando o direito de sangue, não mais em seu aspecto religioso como a nobreza pregava até então, mas do ponto de vista biológico e csentífico. Os burgueses tornaram-se os mais capazes, os mais fortes, os mais inteligentes e os mais ricos. Será pela mertocracia que o mérito natural subsutuirá o sangue azul. A superioridade hereditária burguesa fará contraponto também com a infenoridade operária e formará uma werarquia apcial em que a aristocracia perderá sua primazia, O triunfo burguês afasta a nobreza e os pobres com o respaldo da ciência. A partir de então, além ca raça, etnta e cuitura se tornarão sinais da natureza que imdicarão superioridade 'ou não, e tais sinais justificarão a domunação de um grupo sabre o outro. A Inglaterra do século xx, berço do darwinismo social e da eugenia, criou as condições objetivas para a proliferação de tais teorias. À ameaça poputar advnda com a Comuna de Paris, em 1848, assim como a emergência das teorias de esquerda, espalharam- se pela Europa e transformaram a pobreza, sinônimo de perigo e inferioridade. Essa situação política e ideológica, somada ao problema sanitário gerado pelo vertiginoso crescimento das cidades, tornou a Inglaterra um lugar degenerado, na visão dos biólogos da época. Sem infra-estrutura, a insalubridade e as doenças cpidêmicas (varíola, tubercuicse, tifo, escarlauna etc.) despertaram o interesse dos higienistas inspirados pelas descobertas de Pasteur. Era preciso curar muitos doentes. Era pretiso evitar a degeneração £ controlar a multelão. A Inglaterra e o mundo nunca mais senam os mesmos. A INGLATERRA DEGENERADA A Inglaterra burguesa do: século xx e sua capital, Londres, testemunharam o surgunento da mulhdão. A multidão se caracteriza pela idéia de mae de colenvo disforme « compacto, no interior cia qual o individual não existe. Fenóôrreno própno da modermiudade, que absorve as singulandades e estratífica o social. Pei movimento homogenerzante do início do século xx é pensar em uma nova maneira de olhar. A muludão é vista e sentida como um todo homogêneo. E por não ser possível identificar exatamente sua composição, o medo da muludão cresce e cria estratégias de combate para sanar esse mesmo medo. A biologia foi fundamentaf na criação dessas estratégias de evitar a organização das multidões. nsar nesse 36 Raça tuan raça inglesa. Conclusão: decadência. Muitas doenças, toucura, epidemias e péssimas condições dle vida entre operários. Sociodar- wamistas acredicim que o aperfeiçoamento da raça só fará senticlo se for possivel entender e esquadrmhar a situação de classe, e a segunda metade do século x1x torna-se um período de decadência em toda à Europa, justificado pela crise sanitária e pela errugração, principalmente em direção aos Estados Unidos. Além clisso, o final clo século xx foi caracterizado por uma clas mais importantes crises trabalhistas cla história mpglesa. Com o auge da Segunda Revolução Industrial, os trabalhadores tomaram consciência de sua condição, Greves e manifestações, além de uma crise agrícola, na década de 1870, agitaram esse final dle século. A fundação do independent Labor Party, em 1893, foiimpuisonada peia greve dos esuvadores em 1889, que derxou mais de um milhão dle trabalhadores parados. Diante desse quaciro social e político de crise, higrenistas e eugenistas entram em ação para pensar o sociai é “testar” sua teorias. Figienistas pregam a lugiene morai da sociedade. Não somente a saúde, mas também a conduta passa a ser objeto de estudo da imgrene. Nessa perspectiva, a doença torna-se um problema econômico e requererá o isolamento e 4 “lusão dos menos adaptados. De acordo com Mara Lúcia Boarmi' a “redenção” desses doentes pobr: rá através cla eclucação. Dessa forma, paradoxaimente, na vi era insausfatónia por contribuir dos doentes e dos delinguentes s O dos eugenistas, a proposta dos higrenustas aa manutent dos indigentes, políticas de reformas urbanas € de educação moral higiêrica não agraciavam de modo algum a Francis Galton, o pai da eugenia, pois iam contra a lei da seleção natural, Melhorar as condições de vida dos grupos cie degenerados era O mesmo que ncenuvar a degeneração da “raça inglesa”. Londres tornou-se um mau exemplo de vida soci e disciplina. Ali morava Ea todo o resíduo social, a escória, « multidão fora da norma. Uma ameaça ao desenvolvimento econômico e humano. Mesmo com o surgimento das workbosses [casas de trabalho, insuluição estarai que empregava “ciesocupados” provisoriamente até a reintrodução ao mundo do trabalho, o assistencialismo ainda era muito mal visto. AtÉ mesmo casas de caridade eram desqualificadas e consideradas uma muleta para aqueles “vagabundos” vistos como um “fardo social”. A partir desse ponto de vista sobre a multidão que A KUGERIA tua GENETICA misitatca 37 estava fora da vida regulada pelo trabalho foram etaboradas soluções mais radicais para o problema inglês: eliminar todos aqueles que contribuíam para a clegeneração física e moral, impedindo-os de procriar ou de se perpetuar na sociedade. O medo crescente da multidão amounada reciamândo direitos e melhores condições de vida era uma ameaça à burguesia. Muitas das conquistas trabalhistas vieram dessas reivindicações: Nesse contexto surgiu o welfare state, [estado de bem-estar social], a parur de pressões resultantes do crescimento capitalista que forçaram o Estado a se transformar estruturaimente para apoiar de manesra socioeconômica as demandas da população. Visava essencialmente criar organismos e serviços estatais de amparo aos indivíduos do corpits social. Para os eugenistas, o welfare state era antmatural, e permitir que o menos apto viva, através: do assistencialismo, era considerado parasitismo. Nesse sentido, combater esse tipo de parasitismo era contribui para o progresso da sociedade, já que, com a eliminação do farcio social que sobrecarrega o Estado, o progresso da civilização estaria garantido. Esso quer dizer que o grande impedimento para o sucesso da eugenia dependia de poupar os nascimentos daqueles que invariavelmente viveriam sob 2 tutela do Estado, além de estimular os casamentos e a procnação daqueles que elevaram O comunto da raça inglesa FRANCIS CRALTON! O PAL DA EUGENIA A origem cio pensamento eugênico moderno data da segunda rnetade do século xrx. mais exatamemte após o lançamento do livro Origem das espécies, de Charles Darwin. As formulações de seu primo. Francis Galton, inaugurarão a busca pela melhorma da raça humana sob o ponto de vista biológico. Nascido em uma família anstocrata da cidade de Birmingham (inglaterra), Galton for um homem viroritno. Sua postura tinha muito do espírito de seu tempo, tanto no que diz respeito à sua vila privacia quanto à sua dedicação científica, Empenhado em seu “dever” científico, boa parte de sua imografia esteve voltada para o desenvoivimento de técnicas biométricas capazes de melhorar o gênero humano. Para entender a conjuntura da criação de sua “nova religião”, a eugenta, é importante conhecer sua trajetória de vida. 38 Racs nuca Mo final da vis (na foto, com 87 anosi, Francis Galton afastou-se das disputas taóncas entre as augenistes. mas. com z sensação de dever cumprido. demou seu companheiro de nesquisas Kari Pearson (à asquarde) encarregado de conunvar 3 missão pela eugerização da Inglaterra. Membro de uma família burguesa bastante próspera, Francis Galton cresceu num ambiente ligado a0s estudos tientíficos. Era neto de Erasmus Darwin e Samuel Galton, ambos membros da Sociedade Lunar, sociedade cultural e científica que retimia integrantes cia classe média vitoriana, formada por médicos, advogados. grandes comerciantes e indusinas, e era influente e economicamente forte. Talvez por influência familiar, Francis Galton aprendeu muito cedo a ler e a desenvolver seu interesse pelas ciências. Forçado pelo pai, de os 14 anos, acompanha o médico da família em visitas omiciliares. Iniciou contra a vontade os estudos na faculdade de faia! A EUGENHA & qUA RSNÉTICA niStgaiCAa 39 Medicina, mas após convencer seu pai, estuda maremática em Cambraige. Como não obtém sucesso acadêmuco, frustrado, retorna aos estudos de medicina, Em 1844, com a morte paterna, Francis Galton herda uma significativa fortuna, o que lhe permite viver sua longa vida dedicando-se aos projetos que the agradassem, abandonando « medicina defimuvamente. Fo: explorador nomeado peia Sociedacie Real de Geografia em expedições pelo Egito e pela África inglesa. Recolheu dacios cartográficos entre Angola a África cio Sul. Trabalhou também no Observatório ce Kew, na Inglaterra, é reunis uma enormudade de dados sobre a movimentação dos ciclones, sendo o descobridor dos anheiclones. Explorador, geógrafo, matemático, médico, meteorologista. Tantas qualificações não foram suficientes para lograr sua satisfação pessoal. Após uma crise nervosa resultante de divergências com os críticos a seus trabalhos de meteorologia, Francis Galton só se recupera após o lançamento do livro 4 origem das espécies. É importante frisar 2 imponância Darwin na vida de Galton, Treze anos mais velho, Charles Darwin, sempre deu apoio aos empreendimentos do primo. A (cora evolutiva, à seleção natural, a grande polênuca com os crracionistas cristãos despertaram Gaiton para O que se tornaria seu principal objeto de estudo: o aperfeiçoamento da raça humana. Sem dúvida nenhuma o parentesco com Darwin contribua para isso. À teora evolucionista for o pontapé que inspirou Galton a dedicar-se ao desenvolvimento de uma teoria social que uvesse como objetivo principal a evolução da raça. Para Galton, tal teoria poderia se converter numa nova religião. Em suas memórias escritas em IS08, declara a importância da obra de Darwin: A publicação em 1859 de A origem cas espécies de Charles Darwin rodo de meu próprio desenvolvimento mental, tal como foi feito com à pensamento humano em geral. Seu efeito io demolir uma enormidade de dogmáticas barreiras de u despertar um espírito de rebelião contra as antigas autoridades marcou um pq Charles Darwin ajudou a embasar as leorias cle Francis Galtorn a parur de diversas publicações. Como já foi dito, A origem das espécies deu o impulso mcial no desenvolvimento da teoria de evolução social de Galton. Sem dúvida nenhuma, podemos dizer que Darwm foi um dos primeiros seguidores de Galon. Anda que não nvesse o nome de eugenia, wazer para o mundo social as característica 42 Raça cura palavra breve que expresse a ciência do melhoramento da linhagem, que não está de nenhuma maneira restrna a união procnattva, senão, especialmente no caso dos homens, a tomar conhecimento de todas as influências que tendem, em qualquer grau, por mais remoto que seja, dar às raças ou linhagens sanguíneas mais convenientes uma meihor possibilidade de prevalecer rapidamente sobre os menos convementes, que de queira forma não haja acontecido? No Inguires, Galton funda também a pesquisa anitroporiétrica e cna diversos instrumentos de medição do físico humano, tais como o método de análise de digitais, e inicia os estudos para os testes de inteligência, conhecidos atualmente como testes de q inspirado pelos resultados adquiridos com a publicação do livro, on montou o Laboratório de Antropometria na Intemational «th Exibiuon, realizada em Loncires, em 1884. Um estande -graimente financiado por ele for montado com à finalidade de de diversas maneiras as faculdades e a forma física ntes do evento. À propesta principal do “lal recolher dados para compor uma tabela nacional com o mtuto de conhecer o desenvolvimento e as características;de ho mulheres na Inglaterra. Todos os dados eram recolhidos com o conhecimento dos parucipantes da pesquisa. MaiS de nove mil registos foram feitos e a análise desses dados levou quase clez anos para ser concluída. Mas Galton queria ir além; Não sarisfe com a coleta desses dados, era preciso cruzar as informações sobre: O carâier com os respecuvos traços físicos. Galton, então, aperfeiçoa uma técnica criada peio posuvista Herbert Spencer, à retratos compostos. Esse método consistia na superposição de fotografias de rostos de modo a evidenciar características comun: Dessa maneira, para Galton, seria possível obter os retratos típicos de saúde, doença e criminalidade, O desejo dele era aplic: método de retratos compostos a toda a sociedade mglesa. Com tipos predeterminados seria possível controlar casamientos, umpedir a reprodução e, se não melhorar a raça, ao menos evitar piorá-la. De acordo com os estudos de Galton, o fato de a elite, depositâria dos melhores caracteres, procriar menos que ajclasse pobre, dora de caracteres degenerados, for uma constatação que gerou indignação por vários anos em suz vida. boratório” era ns € técmica dos À cucEntA : sua GENEFICA LsSTONICA 47 cua unha por finalidade defini: padrões da persenalisade ara fissonôemicas para entender Além de toda a invesnda ce Galtom para desenvolver métodos de análise antropométrica, boa parte de sua emprestada em favor da eugenia esteve relacionada à divulgação de suas idéias, que atraíam mais e mais adeptos e seguidores. Os dez últimos anos de sua vida foram dedicados integralmente à tarefa de divulgação. Para mostrar a viabilidade ca eugenia, Francis Gaiton publicou Hereditary Improvement 873), um manifesto para o aperfeiços- mento hereditário. Declaradamente contra os amentos movidos r “gostos pessoais”, Gaiton propõe que o valor da raça é emas importante clo que a educação e o meio ambiente. Hereditary Improvement prega a necessidade de que os “débeis” poupem a sociedade de seus descendentes adotando o celibato. Assim, O processo da seleção natural seria cumprido e respeitado, permanecendo os mais aptos cada vez mais fortes e os menos aptos com a tendência a desaparecer gradativamente. ETIOI 44 Raca ruas No Congresso de Demografia, realizado em Londres em 1891, Galton reiterou a necessidade de melhorar a raça, proncipalmente nas colômas africanas e nos paises tropicais, tendo em vista a observação e a fertilidade das classes e raças mais bem dotadas. Apesar de seus esforços, será somente a partir do início do século xx que 4 cloutrina eugênica ganhará espaço nos meios inteleciuas e acadêmicos da Europa, principalmente Alemanha, e dos Estados Unidos. Para reforçar sua empreitada pela eugenia. Galton contou com « colaboração do físico e estatístico Karl Pearson, seu fiel companheiro de pesquisas, e do zoólogo Walter Frank Weidon. Juntos fundaram os estudios de biometria com a publicação do livro, de autoria de Galton, Natural Inberitance (1889). Essa reunião gerou frutos, a partir de 1901, com a publicação da revista Biometrika, que tinha o intuito de publicar os artigos sobre eugenta rejexados por outras revistas. Nesse mesmo ano, com a finalidade de divulgar as idéias eugenistas, no Instruto Antropológico de Londres, Galtor pronunga a “Huxley Lecture”, conferência anual em homenagem ao biólogo inglês Julian Huxtey. Neta, Galton insiste na necessidade de aperfeiçoar a humanidade e, principalmente, a raça mglesa, na sua opinião, em estado de decadência. Apesar ca pouca repercussão de suas idéias na Inglaterra, 4 Nature publica um resumo da conferência, que chega aos Estados Unidos, causando muito interesse entre os crennstas de lá, principafmente do biólogo Charles B. Davenpor:, um dos maiores adepros «: defensores da eugenia mundial. O sucesso da conferência proferida por Galton for tão grande nos Estados Urudos que, em 1903, For criada a prinena sociedade cugênica norte-americana: a Associação Americana de Reprodução ligada à Associação Americana Acadêmica de Agricultura, sediada em Sant Los. Galton foi nomeado membro honorário da instintição por ter “proporcionacio um camunho científico e prático ao pensamento moderno reiacionado com a herança das plantas, dos arumais e do homem; ganhou fama mundial” disse Davenport numa carta da Associação Americana de Reprodução. Nesse mesmo ano, é fundada na Inglaterra uma comussão para estudar o estado de degeneração da "raça inglesa” produzida pelas condições ambientais. Galion se opõe à iniciativa e deciara sua insatisfação numa comunicação fera na recém-formada Sociedade A fUGENIA : sua GENETICA WiSTORIGA 45 de Sociologia: “Devemos ser mais aptos para cumprir com nossas vastas oportunidades imperiais”, considerando primordial a aliança da sociologia nessa empreitada para difundir as leis da herança e promover seu estudo; fazer uma investigação histórica sobre as taras da sociedade classificadas segundo sua utilidade social; coletar sistematicamente fatos que demonstrem as circunstâncias pelas quais famílias grancies obtêm sucesso e estudar as mfluências sociais sobre os matrimônios e a persistência em alinnar a importância nacional da eugenia. Mas a Sociedade de Sociologia não for tão receptiva com as idéias de Galton, e muntos-dos seus membros se opuseram a essa “nova religião”. Mais urna vez, os Estados Unidos recebem postiva- mente as palavras de Galton e o jomai The Nation enfanza a anpor- iância de suas teorias e o alinhamento celas com a idéia de “suncídio da raça” desenvolvida por Theodore Roosevelt na mesma época. Após convencer Arthur Rúcker, retor da Universidade de Londres, Francis Gaiton fundará em 1904 o Escrório de Registros Eugênicos (gro). Com tocias as clespesas custeadas por Galton, a Universidade cedeu o espaço para que q escntório pudesse funcionar e realizar registros cugêmicos e análises dos dados a fim de estudar a eugenia das famílias mais ricas da Inglaterra. Após dois anos de muitos trabalhos e poucos resultados, Galton pediu 2 Karl Pearson que fundisse o taboratónio de Biomema com o Escritório de Registros Eugênicos. O resultado foi o surgunento, ém 1907, do Laboratório Galton para Fugemia Nacional. Nesse momento, foi criada a definição eugenia nacional, que dizia mais ou menos o seguinte: “Estudo dos meios que estão sob o controle social, que possam beneficiar ou prejudicar as qualicdacies racra(s das gerações futuras, tanto física como moralmente.*é No mesmo ano, Galtor: criou outro escritório de investigação eugênica, a Sociedade de Educação Eugerasta, tendo como primeiro presidente Montagu Crackanthorpe, seu amigo pessoal, com perfil de propagandista. A primeira reunião aconteceu em 1908, reunincio intelectuais e cientistas. Dentre eles, Leonard Darvin, filho do naturalista Charles, que futuramente seria o presidente da instituição até a década de 1930. A Sociedade de Educação Eugenista terá uma atuação bastante distinta daquela adotada por Karl Pearson à frente do Escritório de Registros Eugênicos. Durante muito tempo, Pearson e Crackanthorpe combateram para defimr quai das ciuas instituições representaria melhor O ideal eugênico proposto por