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O objetivo deste artigo é o de apresentar as desigualdades em saúde como problema global, que afligem as populações dos países mais pobres, mas também as dos mais ricos, e cuja persistência torna-se um dos mais sérios problemas no campo da saúde e desafiante para todos que buscam soluções.
Tipologia: Trabalhos
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ARTIGO ARTICLE (^1) Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz, Fundação Oswaldo Cruz. R. Waldemar Falcão 121, Candeal. 40296- 710 Salvador BA Brasil. mauricio@ufba.br
Resumo O objetivo deste artigo é o de apresentar as desigualdades em saúde como problema global, que afligem as populações dos países mais pobres, mas também as dos mais ricos, e cuja persistência torna-se um dos mais sérios problemas no campo da saúde e desafiante para todos que buscam so- luções. Diferenciam-se dois componentes das desi- gualdades globais: as entre grupos de uma mesma sociedade e as entre nações. O entendimento de que grande parte destas desigualdades são injustas, portanto iniquidades, vem dominantemente das existentes entre os diversos grupos sociais de uma dada sociedade. As desigualdades entre as diversas sociedades e nações, enquanto relevantes e muitas vezes de maior magnitude, nem sempre são con- sideradas injustas. As soluções propostas têm sido várias e variam de acordo com a fundamentação teórica e as explicações adotadas. Em nível global, a tese mais bem elaborada tem sido em torno da melhoria dos mecanismos globais de governança. Enquanto atrativo e com evidências favoráveis, são insuficientes por não incluírem o entendimen- to de como o processo histórico de constituição das nações ocorreu e como se dá o posicionamento de cada país nos circuitos produtivos globais. Palavras-chave Desigualdades em saúde, Deter- minantes sociais da saúde, Iniquidade social, Saú- de global Abstract The objective of this article is to pres- ent health inequalities as a global problem which afflicts the populations of the poorest countries, but also those of the richest countries, and whose persistence represents one of the most serious and challenging health problems worldwide. Two components of global inequalities are highlight- ed: inequalities between groups within the same society, and inequalities between nations. The understanding that many of these inequalities are unjust, and therefore inequities, is largely derived from the inequalities that are identified between the various social groups of a given society. In- equalities between different societies and nations, while relevant and often of greater magnitude, are not always considered to be unjust. There have been several proposed solutions, which vary according to different theoretical interpretations and explanations. At the global level, the most plausible thesis has focused on improving global governance mechanisms. While that latter are at- tractive and have some arguments in their favor, they are insufficient because they do not incorpo- rate an understanding of how the historical pro- cess of the constitution of the nations occurred and the importance of the position of each country in the global productive system. Key words Health inequalities, Social determi- nants of health, Social inequity, Global health Mauricio Lima Barreto 1 DOI: 10.1590/1413-81232017227.
Barreto ML
A sociedade humana, composta pelos mais de sete bilhões de indivíduos que habitam o pla- neta, apresenta claras clivagens em uma série de importantes aspectos. Espacialmente, está distri- buída em continentes e nações com diferentes características demográficas e geográficas. Ob- servam-se diferenças nos níveis de desenvolvi- mento e de riqueza, além de outras, fenotípicas e culturais, que formarão um conjunto diversifi- cado de etnias. Muitas destas clivagens são frutos de processos adaptativos, geográficos e climáti- cos, algumas de fenômenos eventuais e outras de processos históricos, sociais, econômicos e cul- turais complexos. Algumas delas, que poderiam ser apenas diferenças (p.ex homens e mulheres), transformam-se em desigualdades e, com muita frequência, em iniquidades, na medida em que por relações essencialmente de poder, o acesso e a posse aos bens, serviços e riqueza, fruto do tra- balho coletivo e acumulado através de gerações, são desigualmente distribuídos1,2. Estas desigualdades, com frequência, trans- ferem-se para o campo da saúde, tornando-se visíveis seja nas desiguais condições de saúde dos diferentes grupos, seja nos níveis de riscos à saúde, seja no acesso diferenciado aos recursos disponíveis no sistema de saúde. Não por acaso, grande parte das desigualdades observadas no campo da saúde está diretamente relacionada com as observadas em outros planos da vida so- cial3-5. As desigualdades na saúde geram desiguais possibilidades de usufruir dos avanços científicos e tecnológicos ocorridos nesta área, bem como diferentes chances de exposição aos fatores que determinam a saúde e a doença e por fim as dife- rentes chances de adoecimento e morte. Da mes- ma forma que as desigualdades sociais, as da em saúde têm persistido em todos os países indepen- dente do grau de desenvolvimento alcançado3,4. No atual contexto internacional, com os esta- dos nacionais envolvidos no processo de globali- zação econômica, as discussões sobre as desigual- dades distinguem aquelas dentro de uma mesma nação daquelas entre as nações. As desigualdades entre os países estão relacionadas com as diferen- ças no desenvolvimento econômico e social al- cançados, geradas pela posição que essas nações vêm ocupando em diferentes fases da história no sistema produtivo global. Reflexos da história e do ambiente econômico e político internacional na partilha, de cada país, nos recursos globais e nas possibilidades de desenvolvimento^6. As desigualdades dentro de um país são re- ferentes à distribuição das riquezas acumuladas por uma sociedade e, em particular, de como ela se organiza e das relações sociais e de poder esta- belecidas entre seus diversos estratos. Define-se pela história e os modelos políticos adotados e como o Estado tem redistribuído as riquezas na- cionais por meio de sistemas fiscais e de trans- ferência que permitiram gerar distanciamentos distributivos maiores ou menores entre os gru- pos sociais existentes. Elementos culturais tam- bém são importantes para amplificar e consoli- dar algumas das desigualdades existentes^7. Mais recentemente, foi adicionado o conceito de desigualdade global ( global inequality ), o qual envolve os efeitos conjuntos destes dois tipos de desigualdades^8. A desigualdade global é resultan- te das existentes entre e dentro dos países e, por- tanto, é definida pela interação dos determinan- tes de cada uma delas. A disponibilidade de da- dos internacionais tem permitido realizações de estudos empíricos sobre a questão da desigual- dade global. Por exemplo, o Índice de Gini, uma das medidas mais frequentemente usadas para medir a desigualdade social em um país, quando calculado globalmente alcança níveis ainda mais altos do que aqueles de nações com os mais al- tos níveis. Em período recente, os índices de Gini de países com mais altos níveis de desigualdades têm ficado em torno de 0.60 (1 = máxima desi- gualdade e 0 = igualdade total), enquanto o glo- bal aproxima-se de 0.70. O índice de Gini global captura os extremos dos estratos mais pobres dos países mais pobres e dos estratos mais ricos dos países ricos, o que se traduz em nível de desigual- dade maior, do que quando medido em cada país separadamente. O objetivo deste artigo é de apresentar as de- sigualdades em saúde como um problema global que aflige as populações dos países pobres, mas também aquela dos países ricos, locais em que sua persistência demonstra as raízes históricas e estruturais deste problema. Apesar de relaciona- do diferencia-se da discussão sobre a pobreza e a saúde. Certamente um dos mais relevantes pro- blemas no campo da saúde das populações e de- safiante por todos que buscam elaborar soluções. Determinantes das Condições de Saúde A saúde para muitos é entendida como uma questão restrita a fatores biológicos, para outros um fenômeno complexo e com múltiplas deter- minações, que tem suas bases na forma em que vivemos e nos organizamos. Estas duas vertentes explicativas têm, por muito tempo, construído argumentos e competido em fornecer expla- nações plausíveis sobre as condições de saúde
Barreto ML antes existem claras dificuldades metodológicas em separar o efeito de cada um deles. Porém, em reforço à tese de determinação social, neste mes- mo conjunto de países (desenvolvidos), apesar dos avanços observados nos sistemas e níveis de saúde, diferenças importantes persistem nas con- dições de saúde quando suas populações são es- tratificadas por áreas geográficas, grupos sociais ou étnicos^5. Além disso, períodos de crise são frequentemente acompanhados de agravamento das condições de saúde das populações destes pa- íses. Por exemplo, eventos como a desintegração da União Soviética ou a crise financeira de 2008, que levaram muitos países europeus à recessão econômica e a implementar políticas de austeri- dade, foram seguidos pelo agravamento das con- dições de saúde de suas respectivas populações^21. O estudo das tendências históricas das con- dições de saúde das populações continua sendo uma importante fonte de evidências para a de- terminação social da saúde e das doenças e os diferenciais de saúde entre os países. Nesta linha, destaca-se programa de investigação, originado nas ciências econômicas e demográficas, a qual tem evidenciado fortes relações entre o desenvol- vimento econômico dos países e a saúde^22. Apesar de inicialmente centrados em fatores econômicos, esta linha de investigação foi sendo modificada para incluir no processo de entendimento e de desenvolvimento os efeitos dos diferentes fatores e políticas sociais (educação, saúde pública etc.) Determinantes sociais, as desigualdades e a equidade Como vimos, desde pelo menos o século XIX, acentuam-se evidências de que as condições de saúde de uma população estão relacionadas com características do contexto social e ambiental em que esta vive. A pobreza, precárias condições de moradia, o ambiente urbano inadequado, con- dições de trabalho insalubres são fatores que afe- tam negativamente as condições de saúde de uma população. No final do século XIX, com o sur- gimento das ciências biomédicas, estas passam a preponderar na explicação dos problemas de saú- de e das doenças, ficando os determinantes sociais e ambientais em plano secundário. Entretanto, as teorias biomédicas nunca conseguiram explicar adequadamente muitos dos fenômenos existentes no interior de uma população (por exemplo, os mais ricos têm melhores condições de saúde que os mais pobres) ou entre populações de diferentes países (por exemplo, os países mais ricos têm me- lhores condições de saúde que os mais pobres). Com poucas exceções, a ocorrência das mais diversas doenças e problemas de saúde se agra- va entre os grupos sociais que estejam vivendo em situações socialmente desfavoráveis, ou seja, entre os mais pobres, entre grupos étnicos mino- ritários ou grupos que sofrem qualquer tipo de discriminação. Não por acaso, os países pobres apresentam condições de saúde sempre piores quando comparadas aos que são ricos. Da mes- ma forma, em que um dado país, seja rico ou pobre, as regiões menos prósperas, as populações dos estratos mais pobres ou pertencentes a gru- pos étnicos marginalizados, de forma consisten- te, sempre apresentam piores condições de saúde. Outro conjunto de evidências vem da observação de que políticas que melhorem as condições eco- nômicas ou fortaleçam a proteção social, quando implementadas em qualquer desses países, têm impactos positivos nas condições de saúde. Um marco recente e muito importante para evidenciar a persistência das desigualdades em saúde nos países desenvolvidos foi o denominado “Black Report”, no Reino Unido^23. Em 1977, comis- são nomeada pelo Ministro da Saúde de um gover- no trabalhista e liderada por Douglas Black, então presidente do Colégio Real de Médicos, foi encar- regada de analisar a existência de desigualdades em saúde, já que o sistema nacional de saúde (NHS) daquele país, que havia sido criado na década de 1940 estava fundado nos princípios de equidade e de acessibilidade universal. Uma das observações relevantes desta comissão foi de que no período desde a criação do NHS haviam ocorrido melho- rias importantes nas condições de saúde da popu- lação britânica, independente de classe social (em verdade classe ocupacional). Porém o encontro mais inesperado foi que os diferenciais dos níveis de saúde entre as classes sociais haviam persisti- do e para alguns problemas tinham se ampliado. Alem disto, persistiam desigualdades no tocante à disponibilidade e uso dos serviços de saúde. Estes resultados foram apresentados em 1979, quando o governo britânico era então comandado pelo partido conservador, que não somente resistiu a sua publicação como, quando o fez, explicitou no prólogo do relatório seu não comprometimento com os resultados e as recomendações. Apesar dis- to, este documento teve um imenso impacto sobre as discussões posteriores relativas às desigualdades em saúde nos países desenvolvidos. Na pesquisa acadêmica reaquece o interesse na investigação so- bre as desigualdades em saúde e no campo da po- lítica estimula as ações de governos em torno desta dimensão das desigualdades. O relatório explicitou importantes questões de ordem moral vivenciado
Ciência & Saúde Coletiva, 22(7):2097-2108, 2017 por estas sociedades. Desnuda um aspecto cruel do capitalismo, mesmo no estágio avançado alcança- do nestes países, momento em que seria esperado que estas sociedades fossem razoavelmente justas para com os seus cidadãos. Neste ponto é importante estabelecer as di- ferenças entre desigualdades e iniquidades em saúde24,25. Desigualdades referem-se aquelas dife- renças percebíveis e mensuráveis existentes quer nas condições de saúde, quer sejam relacionadas às diferenças no acesso aos serviços de preven- ção, cura ou reabilitação da saúde (desigualdades no cuidado à saúde). Iniquidades em saúde, por outro lado, referem-se às desigualdades conside- radas injustas ou decorrentes de alguma forma de injustiça. Reflete o como são traduzidas as desigualdades existentes e as diferencia em justas ou injustas, sendo que esta tradução varia entre as sociedades humanas. Em muitas sociedades, imensos diferenciais nos níveis de saúde entre indivíduos no topo ou na base da pirâmide so- cial não são percebidos como injustiça. Isto pode acontecer em países desenvolvidos, pobres ou em desenvolvimento. Por outro lado, em outras so- ciedades, diferenças relativamente pequenas nos níveis de saúde são traduzidas em forte percepção publica de iniquidades. Isto acontece, por exem- plo, em alguns países escandinavos. Esta questão é importante porque enquanto as desigualdades são objetos de discussões no campo científico e diversos métodos têm sido desenvolvidos para medi-las, facilitando estudos comparativos em saúde dentro e entre as sociedades, as iniquida- des, por traduzirem a forma como grupos sociais as percebem e interpretam, são mais difíceis de serem objetivamente investigadas, embora seja de extrema importância entendê-las. No mo- mento em que desigualdades transformam-se em iniquidades é que emergem as condições para formulações e ações políticas concretas direcio- nadas a minimizar as desigualdades existentes. Em décadas recentes, o crescimento da pers- pectiva neoliberal e o individualismo têm forta- lecido a visão de que os acontecimentos em nível da sociedade são de responsabilidade dos indi- víduos que o sofrem, retirando o seu caráter de fenômeno social e coletivo. Esta visão de mun- do tem sido o fundamento para que influentes forças políticas entendam as desigualdades como fruto de problemas individuais e os reneguem como expressão das injustiças e, portanto, sem necessidade de políticas e ações governamentais para minimizá-los. Entretanto, o tema das desigualdades sociais em saúde tem crescido no debate intelectual e aca- dêmico em décadas recentes, em todo o mundo. A disponibilidade de dados provenientes de uma diversidade de fontes tem desvendado e trazido novas evidências sobre a extensão das desigual- dades em saúde e, mais do que isto, evidenciando que, em muitos contextos, está em crescimento. Alguns poucos países (em especial europeus) têm utilizado tais evidências para introduzir em suas políticas de saúde ações centradas nos determi- nantes sociais e na redução parcial das desigual- dades, porém a grande maioria não tem colocado este tema entre suas prioridades políticas. Em nível internacional, no momento da cria- ção da Comissão de Determinantes Sociais da Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS) esse tema ganha importância. Esta comissão, de alto nível, foi criada pelo diretor-geral da OMS, em 2005, com a missão de organizar as evidên- cias sobre as ações necessárias para promover a equidade em saúde, em nível global. Em seu relatório final, publicado em 2008, com o título provocativo de Fechando o ‘Gap’ em uma Gera- ção^26 , após análise minuciosa das evidências da importância das desigualdades sociais em saúde na determinação de muitos dos problemas de saúde, a comissão conclamou a OMS e os go- vernos de todos os países do planeta para que envidassem esforços no sentido da redução de todas as formas de desigualdades em saúde^26. A comissão sintetizou suas recomendações em três pontos centrais: 1) Melhorar as condições de vida do dia a dia; 2) Combater a distribuição desigual de poder, dinheiro e recursos; 3) Medir a magni- tude do problema e avaliar o impacto das ações. O relatório da Comissão foi seguido, em 2011, pela 1ª Conferência Mundial de Determinantes Sociais da Saúde, convocada pela OMS e realiza- do na cidade do Rio de Janeiro, Brasil, contando com a participação de delegados de 125 diferen- tes países. O principal produto da conferência foi a Declaração Política do Rio sobre Determinantes Sociais da Saúde , em que os delegados afirmam sua “determinação em promover a equidade social e em saúde através de ações sobre os de- terminantes sociais da saúde e do bem-estar im- plementadas por meio de uma ampla abordagem intersetorial”^27. As teorias que buscam explicar as desigualdades em saúde Os estudos da desigualdade em saúde ao par- tirem de diferentes fundamentos teóricos para suas investigações empíricas oferecem diferen- tes interpretações e soluções para o problema.
Ciência & Saúde Coletiva, 22(7):2097-2108, 2017 Migrações e os limites dos movimentos humanos Por razões diversas e desde épocas remotas, observa-se contingentes de uma população ou mesmo toda ela, eventualmente, se deslocarem para novos locais. Em 2013, estimava-se que 232 milhões de pessoas – 3,2% da população mun- dial – viviam fora de seu país de nascimento e que outros 700 milhões são migrantes internos^35. Os padrões e os motivos desses movimentos mi- gratórios têm se modificado muito no decorrer do tempo. Porem, é evidente que a maioria dos migrantes que atravessa fronteiras nacionais o faz em busca de melhores oportunidades eco- nômicas e sociais. Em décadas recentes, as dis- paridades exacerbadas entre nações, a expansão da economia global, as transformações geopolí- ticas, as guerras, os desastres ecológicos e muitas outras ocorrências têm tido profundo impacto sobre a decisão das pessoas de mover-se para ou- tra nação, e provavelmente continuarão a ter. O fenômeno recente da massiva migração da popu- lação de alguns países árabes para a Europa é um exemplo das possibilidades explosivas e descon- troladas que a questão migratória pode assumir (https://www.socialeurope.eu/focus/europes-re- fugee-crisis/). A questão migratória traz um ponto impor- tante no debate das desigualdades. Estimativas mostram que as desigualdades sociais entre os países explicam uma parte maior das existentes em nível global do que as dentro dos países. En- quanto as desigualdades dentro das nações estão muito mais relacionadas às questões das classes e a outros processos de estratificação social, a exis- tente entre as nações traz à tona a questão do local de nascimento, ou o que tem sido denominado de “prêmio da cidadania” ( citzenship premium ) rela- cionado à história e ao processo global de desen- volvimento das nações6,7. Se voltarmos à questão da expectativa de vida apresentada acima, veremos que uma criança nascida em Serra Leoa, em 1990, tinha, somente pela sua condição do nascimento, a expectativa média de viver 38 anos menos que aquelas nascidas no Japão no mesmo ano (46 anos versus 84 anos). Portanto, a clivagem de nasci- mento torna-se um aspecto importante e o mo- vimento migratório define-se por esta tentativa de mudar aquilo que de certa forma foi estabelecido pelo local e momento de nascimento. Porém, em um mundo globalizado, em que circulam o capi- tal, as mercadorias e os seres humanos, há sérias limitações de movimentação, principalmente, quando se refere aos deslocamentos entre nações. As condições globais de saúde
- ampliam-se as desigualdades Em nível global, indicadores das condições de saúde da população mostram, em geral, ten- dências positivas. Porém, as observações mais detalhadas das evidências existentes mostram que esse quadro é bem mais dinâmico. Há a persistência de problemas de saúde ou doenças que deveriam estar erradicadas ou controladas, ou emergência de problemas de saúde ou doen- ças não esperadas. Persistem e, em muitos casos, aumentam as desigualdades nos níveis de saúde entre nações, ou entre regiões, grupos sociais ou étnicos de uma mesma nação. Um breve sumario das desigualdades entre as nações Estima-se que cerca de 800 milhões de pes- soas em todo o mundo esteja cronicamente com fome, uma em cada seis crianças nos países em desenvolvimento está abaixo do peso e mais de um terço das mortes entre crianças menores de 5 anos são atribuíveis à desnutrição^37. O acesso insuficiente a alimentos seguros e nutritivos exis- te a despeito do fato de que a produção global de alimentos seja suficiente para cobrir 120% das necessidades dietéticas globais. A expectativa de vida ao nascer é um mar- cador importante das condições de saúde e na chance da sobrevivência de uma população. Na média global, a expectativa de vida ao nascer de um indivíduo em 1990 era de 64 anos; em 2013, esse número foi acrescido de sete anos, passan- do para 71 anos. Como médias, entretanto, esses valores escondem uma série de desigualdades. Por exemplo, em 2013, a expectativa de vida ao nascer médio dos países variava de um mínimo de 46 anos (38 em 1990), em Serra Leoa, para 84 anos (79 em 1990), no Japão. Até 2013, a expecta- tiva de vida aumentou em ambos os países, e em- bora a diferença tenha se reduzido ligeiramente (de 41 para 38 anos), ainda se mantêm em níveis inaceitáveis^38. As crianças formam um grupo especialmen- te sensível às adversidades sociais e ambientais. Apesar de avanços que ocorreram nas últimas décadas, estima-se que 6,3 milhões de crianças menores de cinco anos de idade morreram em 2013, a maior parte por causas evitáveis nos pa- íses pobres ou em desenvolvimento. As crianças da África subsaariana têm 15 vezes mais chan- ce de morrer antes de completar cinco anos do que as das regiões desenvolvidas do planeta. Em
Barreto ML 2015 a mais alta taxa de mortalidade foi obser- vada no Afeganistão (115 óbitos por 1.000 nas- cidos-vivos) e a menor em Mônaco (1.8 óbitos por 1.000 nascidos-vivos)^39. De 1990, quando se estabeleceram as Metas de Desenvolvimento do Milênio, até 2015, a taxa global de mortalidade infantil caiu de 62 para 32 óbitos por 1.000 nasci- dos-vivos. Apesar dessa redução substancial, em torno de 50%, não foi atingida a meta estabele- cida, qual seja de reduzir para 2/3 o nível obser- vado em 1990. Em dias atuais, as doenças infecciosas conti- nuam a ser a principal causa de morte de crianças e uma das principais em adultos. Globalmente, três, entre as 10 principais causas de óbitos, são por doenças infecciosas. Estas também respon- dem por 16% das mortes, ocorridas a cada ano. A maioria dessas mortes acontece em países pobres e em desenvolvimento e é atribuível a doenças evitáveis ou tratáveis, tais como diarreia, infec- ções respiratórias, HIV/Aids, tuberculose e malá- ria. Embora tenha havido avanços significativos em intervenções para prevenir e tratar a maioria dessas doenças, tais intervenções nem sempre estão disponíveis para as populações que delas necessitam. Tomando-se o exemplo da tubercu- lose, uma doença profundamente vinculada às condições em que vivem as populações afligidas e cuja ocorrência modifica-se rapidamente quan- do as mesmas mudam. Em 2013, estimou-se que 9 milhões de pessoas ficaram doentes com tuber- culose no mundo, sendo que a maior parte desses casos (56%) ocorreu no sudeste da Ásia e no do Pacífico Ocidental. No entanto, a África teve as maiores taxas de incidência, com 280 casos por 100.000 habitantes. Dos casos, em torno de 0, milhão foi causado por bacilos da tuberculose re- sistentes a múltiplos medicamentos (MDR-TB), os quais, além de provocar doenças mais severas, aumentam em muitas vezes os custos do trata- mento, tornando-os proibitivos para grande par- te dos doentes, que vivem em situação de pobre- za. No mesmo ano, o número estimado total de óbitos por tuberculose foi de 1,5 milhão. Dessas mortes, mais de 95% ocorrem nos países em de- senvolvimento, apesar de a taxa de mortalidade ter caído 45% entre 1990 e 2013^40. As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), em conjunto, são responsáveis por uma importante parte da carga de enfermidades existentes no mundo, estando associadas a quase dois terços dos óbitos em nível global (36 dos 57 milhões de óbitos, em 2008). Os principais agra- vos à saúde nesse grupo são: doenças cardiovas- culares, cânceres, doenças respiratórias crônicas (como a DPOC e asma) e diabetes. Outras, como as doenças mentais e neurológicas, incluindo as diversas formas de demência, apesar de contri- buírem para a alta carga da morbidade (menor na mortalidade), não têm sido priorizadas nos planos globais. DCNTs estão aumentando rapi- damente nos países em desenvolvimento, onde impõem grandes custos humanos, sociais e eco- nômicos, muito dos quais poderiam ser evitadas com intervenções conhecidas e que se demons- tram custo-eficazes e viáveis. Apesar de, em um primeiro momento, terem sido associadas com a riqueza, as evidências mostram que cerca de 80% das mortes por DCNTs ocorrem em países em desenvolvimento. Mesmo nas nações subsaaria- nas, nas quais as doenças transmissíveis, as causas maternas e perinatais e as deficiências nutricio- nais, em conjunto, ainda são mais importantes, estas apresentam tendência de redução, ao passo que as DCNTs crescem rapidamente. Esse quadro permite, por exemplo, projetar que por volta de 2030 as DCNTs serão a causa mais frequente de óbitos no continente africano^41. Estima-se que mais de cinco milhões, ou 9%, dos óbitos que ocorrem globalmente estão rela- cionados às diversas formas de violências. Apro- ximadamente um quarto desses óbitos resulta de suicídio e homicídio, e os acidentes de trânsito são responsáveis também por outro quarto deles. Os diversos tipos de violência variam nas dife- rentes regiões do mundo, porém, em geral, suas taxas são sempre mais altas nos países pobres e em desenvolvimento^42. As desigualdades em saúde crescem: soluções possíveis A construção de um mundo mais equânime tem sido aspiração de diferentes movimentos po- líticos, os quais entendem que a redução das de- sigualdades nas diversas esferas da vida humana é essencial e garantia para a existência e sustenta- bilidade da sociedade humana. As desigualdades em saúde desnudam uma das facetas das desi- gualdades prevalentes entre os seres humanos, os efeitos cruéis e danosos sobre a própria existên- cia, refletido nas imensas diferenças na expectati- va de vida ou na carga de doenças e sofrimentos. As evidências sobre a importância dos deter- minantes sociais na explicação das desigualdades observadas na saúde são sólidas. E embora haja claros posicionamentos acadêmicos e políticos que favorecem a implementação de ações sobre os determinantes das desigualdades em saúde, políticas para as amenizar têm sido escassamente
Barreto ML de Determinantes Sociais em Saúde da OMS^26 coloca grande ênfase nas desigualdades dentro de uma mesma sociedade e menos na existente en- tre as nações. Tem um capítulo dedicado à ques- tão das desigualdades em saúde na sua dimensão global, focando na necessidade de fortalecimento da denominada “governança global” e explicitan- do a necessidade de coordenação entre as várias agencias intergovernamentais. Parte destas ideias terá desdobramento em ações como as Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDGs), focadas na erradicação da extrema pobreza entre 2000 e 2015, e no seu sucedâneo, as Metas de Desenvol- vimento Sustentável (SDGs) que adiciona a as- piração do desenvolvimento sustentável em suas três dimensões – econômica, social e ambiental, para o período 2016 a 2030. Mais recentemente, outro grupo (The Lan- cet – University of Oslo Comission on Global Governance for Health)^49 avançou na compre- ensão e em propostas de ações no tocante às desigualdades globais. O documento final deste grupo, intitulado “The political origins of health inequity: prospects for change”, assume o desejo de transmitir uma mensagem forte à comunidade internacional e a todos os atores que exercem influ- ência nos processos de governança global: não de- vemos mais considerar a saúde apenas como uma questão técnica biomédica, porém reconhecemos a necessidade de ações e justiça multissetoriais e glo- bais nos esforços para lidar com as desigualdades na saúde^49. Concluindo, pode-se destacar que enquanto o interesse pela questão das desigualdades em saúde tem crescido no ponto de vista acadêmi- co, o seu uso tem sido limitado no tocante à sua introdução nas políticas públicas direcionadas à melhoria da saúde das populações. As desigual- dades sociais em saúde são um problema global que, em maior ou menor grau, aflige todas as sociedades humanas. A sua compreensão vem dominantemente das desigualdades existentes entre os diversos grupos sociais de cada socieda- de. As desigualdades entre as diversas sociedades e nações, enquanto relevantes e muitas vezes de maior magnitude, nem sempre são consideradas injustas e como tal estão sujeitas a ações políticas. Para sua solução a tese mais bem elaborada tem sido em torno da melhoria dos mecanismos de governança global, desde que incluam o enten- dimento de como o processo histórico de cons- tituição das nações ocorreu e como se dá o posi- cionamento de cada país nos circuitos produtivos globais^6.
Ciência & Saúde Coletiva, 22(7):2097-2108, 2017 Referências