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Ciência Cognitiva e o Cérebro - Apostilas - Filosofia, Notas de estudo de Filosofia

Apostilas de Filosofia sobre o estudo da Ciência Cognitiva e o Cérebro, teoria da identidade mente-cérebro.

Tipologia: Notas de estudo

2013

Compartilhado em 10/04/2013

PorDoSol
PorDoSol 🇧🇷

4.5

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654 documentos

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A CIÊNCIA COGNITIVA E O CÉREBRO
Não é incomum entrarmos a afirmação de que a filosofia da mente contemporânea
teria surgido com a publicação do livro de Ryle, The Concept of Mind em 1949. Mas porque
tomar esta obra como um marco da aparição desta nova disciplina, de um passado tão
extenso? Talvez seria melhor perguntarmos o que conferiu à obra de Ryle essa importância de
marco inicial, buscando no contexto de publicação de sua obra aquilo que os historiadores
chamam de “razões estruturais”. Seriam estas que confeririam importância ao livro de Ryle e
não vice-versa.
No iniciou da década de 50 o behaviorismo radical dava seus primeiros sinais de
cansaço. Ou melhor, a comunidade científica parecia ter começado a ficar cansada dele e
ansiava por novidades. Em nenhum momento se conseguia atacar o behaviorismo mostrando
algum tipo de incoerência ou falha teórica, mas era possível anunciar sua morte recorrendo
àquilo que ele não podia fazer: abrir a famosa caixa preta que seria nossa cabeça. Quem se
incumbiu desta tarefa foi a neurociência – uma neurociência ainda incipiente se comparada
àquela que dispomos hoje.
A teoria da identidade mente-cérebro, defendida pela escola australiana, gozou de um
sucesso efêmero, limitando-se praticamente a repisar a famosa equação [estados
mentais=estados cerebrais] e a apostar que a neurociência, no futuro, provaria a verdade deste
enunciado – uma neurociência que, entretanto, ainda não dispunha de instrumentos para
observação da atividade cerebral in vivo, algo que se consolidaria só mais tarde com o
advento da década do cérebro.
Estranhamente, porém os filósofos da mente, mesmo aqueles mais ambiciosos na
defesa do identitarismo pouco parecem ter se importado com os problemas epstemológicos ou
metodológicos que a neurociência apresenta e como estes poderiam afetar suas posições
filosóficas.
[...] A ciência do cérebro deve ser concebida como uma ciência de como nós
representamos nosso próprio cérebro, ou seja, de como falamos de uma entidade construída
através do conhecimento neurocientífico – uma entidade teórica.
A construção de um conhecimento do cérebro começa pela chamada cartografia
cerebral, que constitui um problema que exige decisões metodológicas e epistemológicas.
[...] formas específicas ou arquiteturas específicas do cérebro parecem ser responsáveis
pelo desempenho de funções também específicas. As formas específicas correspondem a
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A CIÊNCIA COGNITIVA E O CÉREBRO

Não é incomum entrarmos a afirmação de que a filosofia da mente contemporânea teria surgido com a publicação do livro de Ryle, The Concept of Mind em 1949. Mas porque tomar esta obra como um marco da aparição desta nova disciplina, de um passado tão extenso? Talvez seria melhor perguntarmos o que conferiu à obra de Ryle essa importância de marco inicial, buscando no contexto de publicação de sua obra aquilo que os historiadores chamam de “razões estruturais”. Seriam estas que confeririam importância ao livro de Ryle e não vice-versa. No iniciou da década de 50 o behaviorismo radical dava seus primeiros sinais de cansaço. Ou melhor, a comunidade científica parecia ter começado a ficar cansada dele e ansiava por novidades. Em nenhum momento se conseguia atacar o behaviorismo mostrando algum tipo de incoerência ou falha teórica, mas era possível anunciar sua morte recorrendo àquilo que ele não podia fazer: abrir a famosa caixa preta que seria nossa cabeça. Quem se incumbiu desta tarefa foi a neurociência – uma neurociência ainda incipiente se comparada àquela que dispomos hoje. A teoria da identidade mente-cérebro, defendida pela escola australiana, gozou de um sucesso efêmero, limitando-se praticamente a repisar a famosa equação [estados mentais=estados cerebrais] e a apostar que a neurociência, no futuro, provaria a verdade deste enunciado – uma neurociência que, entretanto, ainda não dispunha de instrumentos para observação da atividade cerebral in vivo, algo que se consolidaria só mais tarde com o advento da década do cérebro. Estranhamente, porém os filósofos da mente, mesmo aqueles mais ambiciosos na defesa do identitarismo pouco parecem ter se importado com os problemas epstemológicos ou metodológicos que a neurociência apresenta e como estes poderiam afetar suas posições filosóficas. [...] A ciência do cérebro deve ser concebida como uma ciência de como nós representamos nosso próprio cérebro, ou seja, de como falamos de uma entidade construída através do conhecimento neurocientífico – uma entidade teórica. A construção de um conhecimento do cérebro começa pela chamada cartografia cerebral, que constitui um problema que exige decisões metodológicas e epistemológicas. [...] formas específicas ou arquiteturas específicas do cérebro parecem ser responsáveis pelo desempenho de funções também específicas. As formas específicas correspondem a

regiões especializadas do cérebro e é nesse sentido que o debate forma/função se entrecruza com a questão da cartografia cerebral, ou seja, com a questão dos modos de fazer o mapeamento de funções cognitivas ou outras no cérebro.

(1) A ARQUITETURA FUNCIONAL DO CÉREBRO AO LONGO DA HISTÓRIA

Existem três opções metodológicas no que diz respeito a pensar a arquitetura funcional do cérebro: Localizacionismo, Holismo e Equipotencionismo. O localizacionismo tornou-se o localizacionismo funcional , ou seja, a localização de áreas obedece a um critério essencialmente funcional. O holismo nega que funções mentais possam ser entendidas em termos de áreas isoladas, mas não se choca com o localizacionismo, pois ele não precisa negar a especialização das áreas. Para os equipotencialistas não existiria especificidade funcional. Para eles cada parte do cérebro é funcionalmente equivalente a outra. Flourens defendeu o equipotencialismo a partir de estudos com o cérebro de animais (quase sempre pássaros ou pombos) a partir da extirpação de parte desses cérebros para ver quais funções desapareceriam [...] como essas funções não desapareciam após essas extirpações seria razoável manter o equipotencialismo. Um outro episódio que pode ser visto como parte do debate entre localizacionistas e equipotencialistas ocorre no final do século XIX: a polêmica entre Golgi e Cajal e o aparecimento da doutrina do neurônio. Na verdade a doutrina do neurônio nem é localizacionista nem equipotencialista, mas de certa forma uma posição de Golgi favorece o equipotencialismo. Hoje em dia, após a invenção do microscópio eletrônico e da descoberta dos neurotrasmissores sabe-se que a teoria de Golgi é inustentável. O debate entre localizacionistas e equipotencialistas nunca terminou. A história da neurociência não parece ter feito muita justiça a holistas como Lashley e Goldstein. A concepção holista do cérebro forneceria uma resposta a vários enigmas com os quais a neurociência vem se enfrentando nos últimos anos. Por exemplo, diante do problema das localizações lingüísticas, o holismo sustenta que há localizações relativamente a certas formas, mas não aos elementos que a compõem. O sistema nervoso é um todo e não um aparelho composto de elementos heterogênios.

feito. O mapeamento define o que se entende por cérebro, e é neste sentido que seu papel é fundamental para a filosofia da mente. Ao discutirmos esta questão, o problema da relação entre forma e função reaparece: se a idéia de forma prevalece, ou seja, se funções cognitivas dependem de formas específicas dadas por regiões especializadas do cérebro, a filosofia da mente terá de inclinar-se em direção a algum tipo de teoria da identidade entre mente e cérebro. Esta identidade é algo para a qual poderíamos, agora, contar com a confirmação empírica fornecida pelos novíssimos instrumentos de mapeamento cerebral, como por exemplo, o Fmri. Trata-se de uma proposta bastante diferente do materialismo não- reducionista que implicava o equipotencialismo no modo de conceber o cérebro. Finalmente cabe observar que em ambas as discussões, seja quando se argumenta em favor de uma identidade token-token como fazem os funcionalistas, seja quando se argumenta em favor da identidade type-type como fazem os materialistas/fisicalistas estritos, há um aspecto comum: a escolha tendenciosa de exemplos para ilustrar a equivalência funcional ou subsunção do estado mental a uma forma/arquitetura específica do cérebro. Os primeiros sempre tenderão a focalizar exemplos mais abstratos, como a atenção, as emoções, a consciência, onde o mapeamento neurológico ainda é muito incipiente. Os segundos, ou seja, os materialistas/fisicalistas, tentarão sempre focalizar exemplos cujas correlações neuro- anatômicas encontram-se mais elucidadas como é o caso da dor e de outros casos perceptuais.

(4) O FUTURO DO FUNCIONALISMO Agora que vimos que uma type-type indenty é defensável e que, portanto, invocar a impossibilidade da redução psiconeural completa não construiria uma defesa para o materialista não-reducionista. Podemos nos fazer a seguinte questão: qual será o futuro do funcionalismo? Associou-se o funcionalismo com o modelo computacional da mente (modelo simbólico) e a tese da múltipla instanciação com a idéia de que diferentes hardwares podem executar um mesmo software e vice-versa. Neste sentido, o funcionalismo trabalharia com hardwares ou bases físicas excessivamente genéricas e sua contrapartida neurológica teria de ser, quase que necessariamente, o equipotencialismo cerebral. A neurociência não nos ensina que o cérebro é necessariamente irreplicável; tampouco que não podemos reproduzir suas características funcionais usando outros materiais e arquiteturas para simular a mente da mesma maneira que uma máquina de diálise simula um

rim. Neste sentido, o funcionalismo digital tem seus dias contados, mas não o funcionalismo como tese geral. Certamente outros hardwares mais flexíveis podem ser formados a partir das interações comportamentais dos organismos/robôs com a complexidade do meio ambiente. Neste caso, estamos diante de hardwares plásticos que podem se modificar a si mesmos nestes processos interativos e este é o verdadeiro sentido da afirmação de que processos/comportamentos podem se transformar em hardwares ou no limite em wetwares. A crítica ao funcionalismo des-cerebralizado pode ter outras conseqüências que não exploramos aqui, como por exemplo, a necessidade de redefinir nossas concepções de computabilidade. Esta discussão requer uma reflexão sobre o estatuto ontológico do que chamamos software e nossa tendência a concebê-lo como entidade matemática com uma existência independente de sua realização física; uma questão que nos leva, por sua vez, para o campo de uma nova disciplina, a saber, a filosofia da ciência da computação.

realizar tarefas inteiramente distintas se seu software for diferente.” (TEIXEIRA, 2005, p. 25)

Creio que neste ponto (refiro-me à citação acima) a tese da múltipla instanciação nos apresenta um fato falso e outro verdadeiro:

  • Dois computadores fisicamente diferentes não podem ser impedidos de rodar o mesmo software – eis o fato falso. Se perguntarmos a qualquer técnico de informática se é possível instalar o Mac OS X (sistema operacional desenvolvido para computadores Macintosh) em um computador do tipo PC logo obteremos a resposta negativa. Da mesma forma não é possível instalar Windows em computadores Macintosh. Levando estes exemplos em consideração, penso ser coerente fazer a seguinte pergunta: é possível replicar seguimentos da atividade mental humana em um cérebro mecânico?
  • Dois computadores fisicamente idênticos podem realizar atividades distintas se seu software for diferente – eis o fato que considero verdadeiro. Apesar de não ser possível rodar um determinado software em computadores fisicamente diferentes, o contrário pode ocorrer desde que exista um software alternativo que seja compatível. Por exemplo: tanto Linux como Windows são compatíveis em computadores to tipo PC, portanto podemos ter um computador do tipo PC rodando Linux e outro (semelhante fisicamente) rodando Windows, mas jamais um PC rodaria Mac OS X. Voltemos agora à pergunta acima: é possível replicar seguimentos da atividade mental humana em um cérebro mecânico? Acredito que pode ser possível, mas não como os defensores da múltipla instanciação irrestrita que “se baseiam na idéia de que haveria uma classe ilimitada de hardwares que poderiam reproduzir o software da mente” (TEIXEIRA, 2005, p. 26), pelo contrário, penso que seja muito limitada e que talvez ainda possamos levar muito tempo para desenvolver esta façanha científica.

QUESTÕES

1 – De acordo com o texto de Teixeira, o aspecto mais interessante do funcionalismo é a característica não-reducionista da mente. Justifique. A mente embora seja instanciada pelo cérebro não se reduz a ele, tal como em um jogo de xadrez as regras e a posição das pedras não se reduzem ao aspecto físico-químico do tabuleiro e das peças.

2 – Qual é a idéia principal apresentada pela tese da múltipla instanciação? Esta tese nos diz que dois computadores diferentes fisicamente um do outro podem rodar o mesmo software e que esta analogia vale para mentes e organismo, por exemplo, um marciano e um ser humano com sistemas nervosos diferentes podem ter vida mental semelhante.

3 – De acordo com os funcionalistas, o que defende a teoria de token-token identity? Que alguma instância de um tipo mental é idêntica a alguma instância de um tipo físico.

4 – Porque o materialismo identitarista rejeita o modelo computacional da mente defendido pelos equipotencialistas? Por causa da teoria conhecida como “type-type identity”, ou a idéia de que determinados tipos de funções cognitivas correspondem a determinados tipos de substratos neurológicos, ou seja, há uma identidade entre tipos mentais e regiões funcionais específicas do cérebro.

5 – De acordo com Teixeira, o que sugere a crítica a um funcionalismo des- cerebralizado? A crítica sugere que o computador é um dispositivo regido por leis físicas que podem instanciar leis lógicas e não um dispositivo puramente abstrato. Devemos redefinir nossas concepções de computabilidade. Estas e outras questões nos levarão a uma nova disciplina, a saber: filosofia da ciência da computação.