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Romance - Romance
Tipologia: Notas de estudo
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Não perca as partes importantes!
Fonte: AZEVEDO, Artur. Teatro de Artur Azevedo - Tomo 1. Instituto Nacional de Artes Cênicas- INACEN. V. 7: Coleção Clássicos do teatro Brasileiro.
Texto proveniente de: A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro http://www.bibvirt.futuro.usp.br A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo Permitido o uso apenas para fins educacionais.
Texto-base digitalizado pelo voluntário: Sérgio Luiz Simonato –Campinas/SP
Este material pode ser redistribuído livremente, desde que não seja alterado, e que as informações acima sejam mantidas. Para mais informações, escreva para bibvirt@futuro.usp.br.
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A Casadinha de Fresco Artur Azevedo
Imitação da ópera-cômica
Ópera cômica em três atos
Representada pela primeira vez no Rio de Janeiro, no Teatro Fênix Dramática em 19 de agosto de 1876, e em São Paulo, no Teatro de São José em 5 de outubro do mesmo ano.
Pátio de uma estalagem. Portão ao fundo. Portas aos lados.
Cena I
Bento, Beatriz, viajantes, estancieiros, camaradas, depois peões. (Os viajantes comem e bebem, sentados defrontes de pequenas mesas. Bento e Beatriz andam azafamados de um lado para o outro, servindo-os.)
Introdução
CORO —Mais presteza! Ligeireza! É petiscar e partir! A carreta com certeza sem demora vai sair. UM ESTANCIEIRO —Olá senhor! OUTRO —Olá senhora! OUTRO —É despachar! BENTO —Não val’zangar: inda tendes muita demora. BEATRIZ —Podeis com vagar mastigar BENTO (A um viajante.) —Provai desta botelha. BEATRIZ (A outro.) —Que belo pastelão! BENTO (A outro.) —Eis uma pinga velha! BEATRIZ (A outro.) —Não quer que o sirva, não?
CORO —Mais presteza! etc. (Ouve-se o rodar de um carro, e o barulho dos guizos dos animais.) UM VIAJANTE —Atenção, rapaziada! Os guizos ouvi! CORO —Os guizos ouvi da tal carreta abençoada. (Entrada ruidosa de oito peões.) CORO DE PEÕES —Hop! Hop! Hop! Bonitos peões,
lampeiros, ligeiros, ligeiros, lampeiros... Hop! Hop! Hop! vos dizem: Patrões, é já seguir sem tugir nem mugir. Eis os peões ligeiros, lampeiros! (Aprontam-se todos para seguir viagem.) BENTO —Escutai! Um costumezinho, ao qual convém vos conformar, a Beatriz, neste instantinho, vai, a cantar, vos explicar... CORO —Pois venha lá mais essa! BENTO —Beatriz, escarra e começa.
Canção
BEATRIZ —Há muito já, fregueses meus, abriu-se a nossa hospedaria; tem sido um —louvar a Deus — lá no que toca à freguesia; mas a razão plausível é: desde que abriu-se esta casita a estalajadeira é bonita e o vinho é velho como a Sé. O vinho é bom! Mais um almude! Convém os copos esgotar! Da estalajadeira a saúde bebei! bebei! É de virar!
TODOS —O vinho é bom, etc.
O ALFAIATE —Já sei: por acolá (Vai saindo.) CARLOS —Falar não vá Hein? ... Olhe lá! Psiu!, etc. (Carlos conduz o Alfaiate à direita, e volta depois para a esquerda.) Oh! meu Deus! Se acaso alguém me viu! (Chamando.) Olá! UMA VOZ —Olá! (Aparece à esquerda a Costureira, também com um embrulho.) CARLOS —Psiu! etc. (Mesmo jogo de cena que com o Alfaiate. Carlos, depois de ter feito entrar a Costureira para a esquerda, dirige-se para o fundo, inquieto, sempre como se esperasse ainda alguém, e sai. Cessa a música.)
Cena III
Bento, Beatriz, depois Carlos
( Bento e Beatriz, que reapareceram à porta, acompanharam todo o jogo de cena.) BEATRIZ - Titio? BENTO - Minha sobrinha? BEATRIZ - Vossa Mercê viu? BENTO - Tu reparaste? BEATRIZ - O que quer isto dizer? BENTO - Sei cá! este estrangeiro, que aqui chegou há oito dias, em companhia de um velhote e de sua filha, não me inspira lá muita confiança. BEATRIZ - No entanto o velhote tem cara de boa pessoa e a menina é bem simpática. BENTO - Sim, não duvido; mas o moço tem assim uns modos... BEATRIZ - Tem uns modos assim... É um foguete; não pára! Preocupado, sombrio! Além disso, titio, dos viajantes moços que tem aqui pousado, é o único que ainda não me deu sequer um beijo... BENTO - Como é lá isso? Pois ele não te beijou ainda? BEATRIZ (Suspirando.) - Não, titio! E creio que se irá embora sem cumprir essa formalidade! BENTO - Oh! Oh! Um homem que não beija a sobrinha do estalajadeiro! A coisa é mais séria do que eu supunha! Se fossem conjurados?! BEATRIZ - O moço é estrangeiro: não deve conjurar. BENTO - Quem nos diz a nós que não é tão brasileiro como tu? Estes conjurados de tudo se lembram! Uma conjuração em minha casa! Não me faltava mais nada!
BEATRIZ - O Senhor Capitão-general dizem que não é para graças! BENTO - Estou perdido! O desembargo do paço manda-me enforcar como toda a certeza! BEATRIZ - É preciso sabermos ao certo que gente é esta! BENTO - Tens razão... tens razão... BEATRIZ - Mas como há de ser? BENTO - Muito simplesmente; vendo e ouvindo. Olha, vai espiar aquela porta e eu esta. (Vai espreitar à direita; a sobrinha faz o mesmo à esquerda.) CARLOS (Entrando.) - E o meu amigo, nada de aparecer! Queira Deus que não me deixe a ver navios! (Vendo Bento e Beatriz.) Hein? O que é aquilo? (Aproxima-se de Bento e dá-lhe um pontapé.) Ah! patife! BENTO (Gritando.) Ai! BEATRIZ (Voltando-se.) - Viu alguma coisa, titio?... BENTO (Esfregando a parte ofendida.) - Não! Isto é , vi estrelas. CARLOS (Agarrando-o pela orelha) - O que fazia você ali? Musque-se! BENTO (Tremendo.) - Sim, meu fidalgo. Anda daí Beatriz! BEATRIZ - Vamos, titio! BENTO - Aqui anda maroteira, e grande maroteira! (Saem Bento e Beatriz.)
Cena IV
Carlos, só
[CARLOS] - É isto! ando cercado de espiões. De um momento para outro tudo se descobrirá, e então... Começo a arrepender-me de haver dado esse passo! É o diabo! Quem me mandou sair de Lisboa? (O Alfaiate e a Costureira entram. Música.) Ah! finalmente deram conta do recado... (Dá-lhes dinheiro. O Alfaiate e a Costureira saem.)
Cena V
Carlos, depois Gabriela
CARLOS - Ninguém os viu entrar nem sair... Muito bem! (Ao público.) Se eu disser que estes dois indivíduos, que assim envolvo no mais tenebroso mistério, são simplesmente... Qual! Ninguém acredita! São simplesmente um alfaiate e uma costureira que trazem a roupa de noivado de meu futuro sogro e de minha futura mulher... (Com terror.) Ó céus! falei tão alto! Creio que ninguém me ouviu! (Olhando em volta de si.) Não... Ninguém... Respiro! (A porta de Gabriela abre-se lentamente.) Vem alguém! Calma, sangue frio! GABRIELA (Entrando.) - Aqui estou, meu queridinho! CARLOS (À parte.) - Gabriela! E como vem vestida!
Aflito esteja, meu senhor; mas se não quer me ver aflita, diga-me lá, faça o favor, se a noivazinha está bonita. (Carlos volta a cabeça; Gabriela afasta-se despeitada.) Amor, então, já me não tem? CARLOS —Juro fazer quanto em mim caiba para que sejas feliz porém, convém, amor, que ninguém saiba... GABRIELA —Como ninguém?... CARLOS ——Ninguém! Ninguém! Eu te falo sério... Não duvides, não! Lá no coração guardemos o mistério deste ardente amor... Ninguém seja sabedor deste amor... GABRIELA —Só posso então dizer que te amo... CARLOS —Bem devagar. GABRIELA —Bem devagar? Pois assim seja: eu não reclamo. CARLOS (À meia voz.) —Eu te amo! GABRIELA (No mesmo.) —Eu te amo JUNTOS —Eu te falo!} } sério Tu me falas} Não duvides } } não Não duvido } Lá no coração, etc.
GABRIELA - Mas por que todo este mistério? Quem se casa corre perigo? CARLOS - O casamento é um perigo para os homens em geral, e para mim em particular... Oh! GABRIELA - O que receias tu? Não gozas de tanta influência? Não é o privado do Capitão-general?
CARLOS - O Capitão-general! Oh! não pronuncieis esse nome, Gabriela! Se ele soubesse... GABRIELA - O quê? CARLOS - Não me perguntes mais nada! Amas-me, não é assim? Casemo-nos. GABRIELA - Decerto! Isso é coisa resolvida! (Ouve-se rumor de fora.) Jesus! Aí vem papai! Ele é que não está nada satisfeito com estas reservas! CARLOS - É teu pai? Aí vem ele deitar a casa abaixo! E todo mundo vai ouvi-lo!
Cena VI
Os mesmos e Castelo Branco
CASTELO BRANCO (Entrando de muito mau humor.) Palavra d’honra! Isto não se comenta! (Vendo Carlos.) Ah! é Vossa Mercê, Monsiu? Quisera vê-lo no inferno, e ao seu casamento absurdo! CARLOS - Então! tenha calma, senhor meu sogro. GABRIELA - O que é papai? o que é? CASTELO BRANCO - O que é? O que é? Não é nada! (Com toda a calma.) Ah! falta-me um botão. (Zangado.) Quando digo que tudo me chega! GABRIELA - É só isso? Descanse: hei de pregá-lo, papai. CASTELO BRANCO - Pois bem, pois bem. Mas não me posso conter! Quero desabafar! por que cargas d’alhos, eu, Antonio Pedro Salema Coutinho Castelo Branco, morgado de São Gabriel e podre de rico, consenti no casamento de minha filha com Vossa mercê, que não é meu compatriota, nem tem, nem pode ter posição oficial definida? GABRIELA - Eu sempre gostei muito do Senhor Carlos, papai. CASTELO BRANCO - Não é um motivo plausível! GABRIELA - Pois não é? CASTELO BRANCO - O motivo foi outro. Já lhes disse que sou podre de rico, e, por conseqüência, proprietário de muitas propriedades. Uma dessas propriedades, e justamente aquela que ligo mais apreço, de tal modo está situada, que tira a vista do rio ao palácio do Capitão-general. Muitas vezes chegou a dizer-me o Capitão-general: “Morgado de São Gabriel, você não quer vender-me o cochicholo.” recusei sempre ceder- lhe o cochicholo. Então, vai um belo dia e diz-me o Capitão-general: “Morgado de São Gabriel, você não quer vender-me o cochicholo? hei de possuí-lo sem gastar um real. Vou mandar arbitrá-lo pela municipalidade, e babau!” CARLOS - Mas não sei que relação possa haver... CASTELO BRANCO - Espere! Um dia pareceu-me que a rapariga tinha certa inclinação por Vossa mercê. GABRIELA - Oh! muita, muita, muita, papai! CASTELO BRANCO - Não insistas, rapariga. Inclino-me a crer que, de seu lado, Vossa Mercê tinha também certa inclinação pela rapariga. Iam ambos por um plano inclinado! Vai uma vez, convidei-o para jantar. No dia seguinte Vossa mercê apresentou-
GABRIELA - Papai! CASTELO BRANCO - Não insistas, rapariga! (A Carlos.) Convidamos o estalajadeiro? CARLOS - Não! não e não! CASTELO BRANCO - Tome sentido Monsiú : eu posso desmanchar a igrejinha! CARLOS (Encolhendo os ombros.) - Pois desmanche: é o mesmo. GABRIELA - Hein! Pois é o mesmo? CASTELO BRANCO - Mas devo observar-lhe que se não devia meter de gorra em minha casa! CARLOS - Diga antes que me armou uma ratoeira! CASTELO BRANCO - Por que razão vinha jantar comigo? CARLOS - Se não fosse convidado... CASTELO BRANCO - Por que aceitava os meus convites? CARLOS - Que culpa tenho de que sua filha me pespegasse como um cáustico? GABRIELA (Furiosa.) - Um cáustico, papai, um cáustico!... CASTELO BRANCO - Não insistas, rapariga! (A Carlos.) Estava em suas mãos desviá-la. GABRIELA - A culpa foi sua. CARLOS - Minha!
Terceto
CARLOS —Tão amável não fosse a senhora... GABRIELA —Não me houvesse jurado afeição... CASTELO BRANCO —Meu genro não seria agora, se não gabasse tanto a sua posição! CARLOS —... de certo a não teria amado! GABRIELA —... não me teria apaixonado! CASTELO BRANCO —Eu não havia de lembrar de o convidar para jantar! GABRIELA —Mas o senhor é tão galante... CARLOS —Mas a senhora é tão chibante... CASTELO BRANCO —Tal posição! GABRIELA —Ai! que ilusão!
Juntos CASTELO BRANCO GABRIELA E CARLOS
—Estou despeitado! —Fui de seu agrado Que sogro eu sou! e já não sou! ‘Stá tudo acabado... ‘Stá tudo acabado... Tudo entre nós acabou! Tudo entre nós acabou!
CARLOS —Oh! Felizmente inda podemos sanar o mal que feito está! GABRIELA —O dito por não dito demos! A mim bem pouco se me dá! CASTELO BRANCO —Tudo entre nós acabará! CARLOS —Pois não, senhor morgado! É já! CASTELO BRANCO —Isto é, se for do seu agrado... CARLOS —Senhor, não vai ficar zangado... CASTELO BRANCO —Tudo acabou! GABRIELA e CARLOS —Tudo acabou! CASTELO BRANCO —Já despir este fato vou! GABRIELA e CARLOS —Tudo acabou! CASTELO BRANCO —Meu genro, tudo acabou! (Silêncio. Cada um toma direção diversa.) GABRIELA —Adeus, senhor! CARLOS —Adeus, minha senhora! GABRIELA (Parando à porta, à parte.) —Porém... CARLOS (Mesmo jogo de cena, no fundo.) —Porém... JUNTOS —Meu Deus! quero-lhe bem! Quem o negará? Ninguém! Ninguém! CARLOS (Voltando.) —De novo o coração se humilha... GABRIELA —De novo o meu também se humilha... CASTELO BRANCO —Então, minha filha? CARLOS —Meu anjo! GABRIELA —Meu amor! CASTELO BRANCO —Voltam ao velho estado? GABRIELA —Meu amor! CARLOS —Meu anjo! JUNTOS —‘Stá tudo arranjado. CASTELO BRANCO —Nada acabou? CARLOS e GABRIELA —Nada acabou! CASTELO BRANCO —Oh! já não está cá quem falou!
BEATRIZ (Aproximando-se com precaução.) Aqui tem... (Dá-lhe a carta e retira-se vivamente.) BENTO (Levando-a) - Anda daí... Credo! Um conjurado. CARLOS (Que abriu e leu a carta.) - Oh! Sapristi! Isto só a mim acontece! O padrinho não pode vir: estou reduzido ao mudo. Todavia é preciso outro... Hei de arranjá- lo por força.
Cena VIII
Carlos e Manuel de Souza
MANUEL DE SOUZA (Fora.) - Estou muito apressado! Façam com que meu cavalo coma a galope! Não me posso demorar! (Entra.) CARLOS - Um estancieiro!... MANUEL DE SOUZA - Três dias de atraso! Gertrudes deve estar furiosa! CARLOS (Observando.) - Esta cara não me é estranha! MANUEL DE SOUZA (No mesmo.) - Não me engano! É ele... CARLOS (Dirigindo-se a ele.) - Não é por ventura o Senhor Manuel de Souza? MANUEL DE SOUZA - Não é ao Monsiú Carlos que tenho a honra de... CARLOS - Exatamente. Foi pelo ano passado... MANUEL DE SOUZA - Tomávamos banhos no rio... em Porto Alegre. CARLOS - Eu nadava como um peixe... MANUEL DE SOUZA - Eu nadava como uma pedra... CARLOS - Tu andavas em uma barquinha.. MANUEL DE SOUZA - De repente a barquinha virou-se, e bumba... CARLOS - Ias morrer afogado, quando agarrei-te pelos cabelos e trouxe-te à tona d’água. MANUEL DE SOUZA - Eu estava salvo! Devo-te a vida, meu bom Carlos. CARLOS - Ora este Manuel de Souza! (À parte.) Tenho padrinho (Alto.) Não fazes idéia do prazer que me causa a tua presença! Tu vais bem, não vais? MANUEL DE SOUZA - Menos mal... Isto é, eu casei-me... CARLOS - Casaste-te? pois, aqui onde me vês, vou fazer outro tanto! MANUEL DE SOUZA - Oh! diabo! CARLOS - E mesmo a esse respeito, preciso muito de ti, é indispensável que me prestes um serviçozinho. MANUEL DE SOUZA - Tenho a observar-te que estou com muito pressa. CARLOS - Apenas uma hora. MANUEL DE SOUZA - Uma hora! Sinto muito não te poder ser útil, meu caro, mas minha mulher está à minha espera. CARLOS - Ela que espere mais uma hora. Que inconveniente há nisso?
MANUEL DE SOUZA - Que inconveniente? Ah! bem se vê que não sabes quem é Gertrudes! Que mulher, meu amigo! ela me tem um amor, mas que amor tão veemente que, não me lembra sob que pretexto, fui obrigado a ausentar-me de casa. Devia estar de volta no fim de quinze dias, e há dezoito que saí de casa. Faz tu idéia da recepção que me aguarda! Além de tudo, Gertrudes tem um péssimo costume. CARLOS - Qual é? MANUEL DE SOUZA- Como gosta muito de montar a cavalo, tem sempre uma chibatinha na mão... e quando zanga-se comigo... zás... CARLOS - E tu consentes nisso? MANUEL DE SOUZA - Que queres tu? Ela tem-me um amor! CARLOS - E tu temes a chibatinha! Pois bem: uma vez que já estás habituado a semelhante sistema, algumas carícias de mais ou de menos, para servires um amigo que te salvou a vida... MANUEL DE SOUZA - Mas... CARLOS - É absolutamente preciso que me sirvas de padrinho. MANUEL DE SOUZA - De padrinho! Pois ainda não estás batizado? CARLOS - Padrinho de casamento... MANUEL DE SOUZA - Pois é para isso? Por que não agarras tu outro sujeito, que tenha menos pressa? CARLOS - Porque o meu casamento deve ser ignorado por todos... Já arranjei um mudo. Preciso de outro... Manuel de Souza, esse outro mudo hás de ser tu. MANUEL DE SOUZA - Mas por quê? CARLOS - Por quê... queres tu saber? MANUEL DE SOUZA - Sim... não! tenho muita pressa. CARLOS - Pois bem! Escuta... e treme! MANUEL DE SOUZA (À parte.) - Diabo! uma história... Quanto mais pressa, mais vagar... CARLOS - Como muito bem sabes, Manuel de Souza, eu sou há muito tempo, o amigo... o privado do Capitão-general. Vim com ele de Lisboa, e até hoje tenho-me conservado sempre ao seu lado. Hoje esse tirano está viúvo, mas, antes disso, era casado... MANUEL DE SOUZA - Ah! (Lembrando-se.) Naturalmente, pois se é viúvo... CARLOS - Muito bem! A mulher do Capitão-general, uma italiana de temperamento de fogo, de sangue cálido, de alma ardente e vulcânica... MANUEL DE SOUZA - Como Gertrudes... CARLOS - Era admiravelmente formosa... eu andava pelo beicinho... MANUEL DE SOUZA - Como eu... CARLOS - Era inevitável o escândalo... Um belo dia, ou antes um mau dia, o Capitão-general surpreendeu-nos em um colóquio que... MANUEL DE SOUZA - Não deites mais na carta... CARLOS - Em meu lugar, outro qualquer abriria a janela, e deixar-se-ia escorregar pela goteira. Eu fui sublime! Fiquei! Coloquei-me entre a mulher e o marido ultrajado, e exclamei: “Perdoai-lhe, senhor! É de sangue que precisais! Aqui tendes o meu! É vosso!”
BEATRIZ (Entrando com Bento, a Manuel de Souza.) - Está pronto o cavalo. CARLOS - Deixe-o estar. Não é preciso por ora. BEATRIZ - Sim, senhor. BENTO (Examinando a Manuel de Souza.) - É outro que tal! Decididamente isto não é uma estalagem; é um valhacouto de conjurados... BEATRIZ - Estamos bem aviados, titio. (Saem.) CARLOS - Agora, mãos à obra! (Indo à porta de Castelo Branco.) Olá Senhor Morgado de São Gabriel! Gabriela! CASTELO BRANCO (Entrando com a filha.) - Podemos ir? CARLOS - Sim, senhor. (Apresentando Manuel de Souza.) Meu padrinho, o Senhor Manuel de Souza, a quem salvei a vida. (Cumprimentos.) MANUEL DE SOUZA - Estou com muita pressa. Vamos ligeiro, hein? CARLOS - A demora não há de ser por mim. Vou buscar o mudo. (Chamando para dentro.) Oh! Senhor Mudo... Psiu! Venha cá! (Entra o Mudo e cumprimenta a todos.) MANUEL DE SOUZA - Então você é mudo? (O Mudo faz sinal afirmativo.) Não pode dizer com a boca? É preciso estar a ... (Arremedando o Mudo, ri-se bestialmente — a Carlos.) Saiu-te ao pintar, hein? CARLOS - E baratinho... Vinte cruzados só... Mas vamos, vamos embora! TODOS - Vamos embora!
Quinteto
CARLOS —É já safar, sem mais tardar sem haver demora! GABRIELA —Com precaução, com prontidão! vamo-nos embora! TODOS É já safar, etc. MANUEL DE SOUZA —É já partir com todo o afã! O MUDO —An, an, an, an! CARLOS —Cautelosos pressurosos convém sairmos daqui! MANUEL DE SOUZA —Tempo é de andar daí! O MUDO —Hi, hi, hi, hi! GABRIELA —Com prudência, com cadência, partamos sem tardar!
TODOS —Sem demorar! Já, já, já, já! O MUDO —Ah! Ah! Ah! Ah!
(Saem todos. O Mudo fica só em cena continuando mentalmente o motivo da saída. Vendo que está só.) O MUDO (Confidencialmente.) - Eu sou mudo de profissão; mas se isto só me render o ajuste, mudo de profissão! (Sai a correr.)
Cena X
Bento, Beatriz, depois Gertrudes
BENTO - Então, minha sobrinha? BEATRIZ - Então, titio? BENTO - Não é o que te digo? Aqueles desgraçados vão revoltar o interior da província! BEATRIZ - Ah! titio! O que será de nós!... GERTRUDES (Entrando bruscamente com uma chibatinha na mão.) Olá! Oh! de casa! Venha alguém! (Vendo Bento e Beatriz.) - Olá velhote, olá rapariga! BEATRIZ (Voltando-se.) - Uma senhora! BENTO (Com solicitude.) - Oh! minha senhora, vós... GERTRUDES (Sem lhe dar tempo de falar.) - Nem claro, nem moreno... BENTO - Senhora... GERTRUDES (No mesmo.) - Nem alto, nem baixo... BENTO - Senh... GERTRUDES (No mesmo.) - Nem gordo, nem magro; figura insignificante, boca sem expressão; sorriso desenxabido; mas com um certo ar de distinção... Nem muito nem muito pouco... São estes os seus sinais. Viram-no? (Passeia agitando a chibata). BEATRIZ - O que diz ela? BENTO - Nem muito, nem muito pouco... (Com uma idéia.) Ah! é a senha... a senha dos conjurados... Senhora, também pertence a ... GERTRUDES -A quê, homem de Deus? BENTO - Bem sabe... (Baixo.) À conjuração.. GERTRUDES - Você é um tolo! Quem foi que lhe falou em conjuração? É meu marido, é o meu Manuel de Souza que procuro. BENTO - Seu marido! GERTRUDES - Não percebem? Meu marido! Só tenho aquele e não me faz conta perdê-lo!