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abordagem psicodinamica adolescencia, Resumos de Psicologia

abordagem psicodinamica adolescencia texto

Tipologia: Resumos

2012

Compartilhado em 15/07/2025

dani-ca-4
dani-ca-4 🇧🇷

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TERCEIRA EDIÇÃO PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA FUNDAMENTOS TEÓRICOS E CLÍNICOS CLÁUDIO LAKS EIZIRIK ROGÉRIO WOLF DE AGUIAR SIDNEI S. SCHESTATSKY ORGANIZADORES 3.ed. Porto Alegre 2015 A adolescência compreende um período do desenvolvimento humano crucial e complexo, com características e significa- do únicos. Sua definição e compreensão evoluíram e se modificaram ao longo da história da psicanálise, constituindo um vasto corpo teórico e técnico. Da mesma forma, o contexto sociocultural em que a adolescência vem sendo estudada tam- bém tem-se modificado. Ainda que muitas características da adolescência se mante- nham inalteradas ao longo da história da humanidade, outras dizem respeito a nossa atualidade. O adolescente de uma comuni- dade aferrada à rígida moral vitoriana que Freud observou não é o mesmo da pós- -modernidade, e tampouco são seus pais. A cultura atual, altamente sofisticada e tec- nologicamente desenvolvida, gera avanços que aumentam a qualidade de vida e a ex- pectativa de longevidade, ao mesmo tempo que incrementa a tendência, na geração dos adultos, desfazer diferenças. A dificuldade na aceitação da passagem do tempo e das perdas inerentes, com diluição de valores e reconhecimento da identidade de cada um e consequente confusão de papéis por parte dos adultos, é uma marca de nosso tempo. 43 ABORDAGEM PSICODINÂMICA NA ADOLESCÊNCIA Alive Becker Lewkowigz Gisha Brodacz A idealização da condição adolescente e a privação das diferenças entre as gerações como modelo de organização psíquica são a consequência. O desprestígio que vêm sofrendo os modelos reflexivos, que privilegiam a progressão lenta e dolorosa rumo às aqui- sições, com a necessidade de espera para gratificações, em contraste com os modelos de gratificação instantânea e descartável, é objeto de preocupação da psicanálise e de várias ciências humanas. A busca de iden- tificações imediatas, por meio de adições e perversões, e megalomaníacas, pelo uso da moda, com siglas, marcas e tatuagens, con- figura o que Cabanne! descreveu como a “dinâmica do instante”. Os interlocutores do adolescente de nossos dias compreendem parceiros tele- visivos e internáuticos, que veiculam va- lores e noções de sexualidade banalizados e distorcidos, oferecendo-os como mode- los reais de estruturação de relações. São modelos representativos da mudança de uma concepção de sexualidade vinculada à repressão para ontra, ligada à liberaliza- ção, em que noções de limites, privacidade e intimidade são desprestigiadas. Valores 756 Eizink, Aguiar & Schestatoky (orgs.) como capacidade de espera, postergação de prazeres e afetos, paciência e tolerância, ce- dem terreno para modelos de gratificações imediatas dos desejos, descargas instantá- neas dos desprazeres e trocas imediatas do desagradável pelo agradável, do difícil pelo fácil. A tolerância para a frustração vem se hipotrofiando, e a onipotência, se hipertro- fiando. A capacidade para a depressão cede espaço para funcionamentos maníacos e ilusórios.? É nesse contexto sociocultural que o adolescente atual terá de se incumbir da delicada tarefa de elaboração das duas principais questões dessa fase evolutiva: a) a reatualização edípica, por meio da ressig- nificação do Édipo infantil à luz do erotis- mo genital gerado pelo amadurecimento físico e o estabelecimento da identidade se- xual e adulta, autônoma dos objetos origi- nais; b) muito especialmente, desenvolver sua capacidade simbólica. Ao descrever a adolescência como o segundo processo de individuação, Blos! enfatiza esse período como um marco tão crucial quanto o que Mahler” apontou no desenvolvimento infantil. A gama de even- tos e fenômenos envolvidos nesse processo abrange, indissociavelmente, adolescente e família. Fatores relacionados a transgene- racionalidade foram estudados por vários autores? e considerados centrais na for- mação da identidade, incluindo a sexual. Kancyper, 1º ao estudá-la na psicanálise de crianças e adolescentes, acentua o fato de a história do adolescente nascer antes do seu nascimento: Existe uma ordem simbólica, ordem lógica, que precede seu nascimento cronológico. Esta ordem é o lugar que ocupa o filho na fantasmática indivi- dual em cada um dos progenitores e no casal, lugar que estará determina- do em relação com o sistema narcisis- ta da mãe e do pai e que se plasmará em uma representação: será o repre- sentante narcisista primário do desejo inconsciente da mãe e do pai, e assim se manterá a homeostasia narcisista da situação do meio familiar. MUDANÇAS CORPORAIS, INAUGURAÇÃO DA ADOLESCÊNCIA E REATUALIZAÇÃO EDÍPICA A adolescência constitui uma nova etapa libidinal, na qual se alcança, pela primei- ra vez, a identidade genital como fenó- meno psicológico e social.!t A puberdade tem início com o incremento da atividade hormonal e costuma ocorrer entre 9 e 14 anos. Compreende a fase do desenvolvi- mento em que a relação físico-psíquica fica mais evidente, correspondendo ao início da adolescência. A puberdade torha o cor- po apto para a realização de fantasias. As grandes e súbitas transformações corporais produzem profundas mudanças na natu- reza das relações objetais, na intensidade dos impulsos e no equilíbrio narcísico do self.!2 A imagem corporal previamente for- mada sofre intenso desequilíbrio, ao surgi- rem impulsos e fantasias reprimidos, sendo comuns, como consequência, ansiedades de estranheza ou fragmentação. O levanta- mento da repressão torna onipotente a fan- tasia, o que gera um efeito potencialmente traumático para a psique. 114 Com as mudanças hormonais que promovem a primazia genital, reatualizam- -se desejos pré-edípicos e edípicos, aos quais o adolescente tem de renunciar, voltando-se para a conquista do objeto exogâmico e mo- nogâmico, substituindo as fantasias inces- tuosas e de bissexualidade. O adolescente defronta-se com a realidade de suas limi- tações, seu desamparo, incompletude, dife- renças, o que constitui uma batalha narci- sista que afeta todas as instâncias psíquicas — ego, superego, ideal de ego e ego ideal —, as quais necessitam ser reestrnturadas, 15 Assim, a reestruturação do superego terá grande significado nesse momento, já que o tabu do incesto deve ser restabelecido, ao mesmo tempo que a sexualidade exogâmica necessita ser permitida. Enquanto, na infân- cia, a responsabilidade por conduta, regras e proibições ficava ao encargo dos pais, nesse momento, é 0 adolescente quem precisa as- sumir tal função. As alterações no nível do ego são tam- bém significativas. Quando Freudié des- creveu o ego como sendo, antes de tudo, corporal, não simplesmente uma entidade de superfície, mas a projeção de uma su- perfície, definiu o corporal não como cor- po anatômico, mas como a imagem corpo- ral configurada por permanente tarefa de construção.! 1 Harmonizar a imagem que integra a contra- dição entre um corpo biológico que, de repen- te, amadurece e uma mente ainda infantil, em meio a angústias ante o desconhecido e fre. quentes sentimentos de despersonalizaç passa a ser tarefa essencial da adolescência O impacto gerado pela perda do cor- po infantil, associado à incompatibilidade das novas imagens, é fonte importante de angústia e de árdua eláboração nessa fase, como bem descreve Adriana, que viven- ciou sua menarca de forma catastrófica, quando tinha 13 anos: Não sabia que merda era aquilo, não sabia de onde vinha aquele sangue, achei que ia morrer, Eu me enchia de papel higiênico, roupas largas e, apa- vorada, ia para o colégio. Depois de três dias, a mãe me perguntou se eu Psicoterapia de orientação analítica 757 estava menstruada. Não sabia o que queria dizer com aquilo, Respondi, apenas, que estava sangrando. Nesse sentido, o conceito de Freud!” sobre o a posteriori (aprês coup) descreve essa tarefa com propriedade, 101118 ag com- siderar os novos fenômenos psíquicos den- tro do processo de ressignificação retroati- va. Na adolescência, em virtude das novas condições, processa-se uma reorganização ou reinscrição da história pessoal de cada um, quando novos tipos de significados são buscados, por meio da reelaboração de experiências anteriores. O princípio do a posteriori pressupõe um tempo em con- tínua reelaboração, compreendendo uma concepção psicanalítica em que a história de cada um não é vista como destino imu- tável, pré-fixado e linear, mas passível de ser reorganizada e ressignificada, conside- rando o indivíduo como agente ativo dessa transformação. 19 Assim, pode-se ampliar a constata- ção de que mudanças corporais nessa eta- pa constituam, com frequência, fatores organizadores da vida psíguica do adoles- cente, em vez de desorganizadores. Ainda que as rupturas e as perdas dessa fase sejam dramáticas, para muitos adolescentes, con- figuram uma oportunidade de ressignificar um corpo infantil vivido como desvalido ou capacidades pessoais tidas como incer- tas, O novo contexto descortina um mun- do de descobertas de novas habilidades no âmbito intelectual, cultural e esportivo e de novos e diversos modos de relações e gratificações. Como acentua Urribarri,!8 as modificações corporais são substituídas por maturação e crescimento puberal, que também são desejados e vividos como ga- nhos. O adolescente é visto dentro de um processo evolutivo de mudança; ele dese- ja o novo, tentando obtê-lo e exercitá-lo, ainda que isso lhe custe abandonar o in- fantil. 760 Eiriik, Aguiar & Sohestatsky orgs.) idealizado perante o adolescente, neces- sitando, também, confrontar-se e desfazer- -se de ideais e fantasias com o próprio filho. Em certa medida, o filho sempre repres para cada um dos são de uma parte de si própi acordo com o que são, 0 que foram. o que dese- jariam ter sido ou o q' Em maior ou menor grau, esta- belecem sua relação de acordo com es- ses ideais, fantasias e conflitos pessoais. Quando as necessidades narcísicas dos pais estão associadas a questões com a própria identidade, o filho passa a ser solicitado para cumprir diferentes pa- péis: marido, mulher, mãe, pai, irmão. Corresponde, na fantasia dos pais, a um objeto reassegurador para seus medos e angústias e preenchedor de suas lacunas e carências. Nesses casos, com frequência, deparamo-nos com a impossibilidade dos pais de suportar e permitir o processo de individuação do filho. Quando questões ligadas à própria adolescência — indepen- dência, conflito edípico, ansiedades com o próprio corpo e fenômenos puberais, emergência da sexualidade — não foram devidamente elaboradas a seu tempo, a adolescência do filho funcionará. como uma bomba-relógio, com poder de fazer eclodix processos e conflitos latentes na vi- da psíquica de cada um dos genitores. O contraste entre o aumento da força e da sexualidade do adolescente e o declí- nio dos pais gera, nestes, sentimentos de perda e depressão. Mobilizados tanto pela tentativa de abortar, nos filhos adolescen- tes, um processo que promove sentimen- tos dolorosos e, não raro, catastróficos de abandono e perda, como pela expectativa de reviver uma adolescência não vivida e ainda idealizada, os pais têm reações que compreendem ma extensa gama de ma- nifestações, desde inveja, competição, c mes, até estímulo precoce e inadequado da independência, sexualidade e anulação de limites. Assim, as feridas narcísicas dos pais, reabertas no a posteriori,!º podem im- pedir o reconhecimento das reais necessi- dades do filho adolescente. E este, mais do que nunca, precisa do entorno para enco- rajar-se e adquirir confiança na capacidade de formar novas relações objetais. Sem essa ajuda, os adolescentes têm dificuldade de ultrapassar a dependência regressiva liga- da ao apego aos objetos originais?? e, com frequência, buscam saídas por meio de al- terações de conduta, perdas de limite ou acentuação do oposicionismo. Tais condutas configuram tentativas de solucionar os impasses gerados pelo embate entre as contradições no mundo interno do adolescente e o dos pais, com respeito à individuação. A exacerbação do oposicionismo — manifestação esperada no sujeito que trata de se individuar — da- nifica-o como qualidade de recurso egoico essencial ao processo de crescimento tanto para a criança pequena — Penfant térrible dos 2 anos — como para o adolescente. Am- bos, com o antagonismo, apoiam-se nos adultos aos quais se opõem, sem ter que to- mar consciência desse apoio, preservando seu narcisismo e sua autonomia pela afir- mação de suas diferenças. 14 Kaplan? destaca como o adolescente se distancia e define a si próprio em opo- sição aos pais, tende a negar a contínua necessidade de limites e apoio da matriz familiar, podendo obscurecer o reconheci- mento do seu papel essencial. Lembra que o crescimento psicológico é resultado de crença inata no desenvolvimento matura- cional, interagindo com estruturas psíqui- cas menos desenvolvidas e integradas, em contato com a psique mais desenvolvida dos adultos, sendo tal integração, portanto, essencial para os adolescentes. , necessidade de os sobreviverem à adolescência dos filhos, enfatizou a fundamental tarefa de tolerância e suporte ao seu turbilhão emocional, além do desafio contido no enfrentamento de uma con- dição crítica, oposicionista e que tenta burlar límites com vigor. Ritvo, citado por Kaplan,? ao afirmar ser função da geração mais velha prover con- tinuidade e manutenção de padrões de valor e moralidade, reafirma a condição de sobre- vivência e força — o que não deve ser confun- dido com inflexibilidade onipotente — que os pais necessitam manter. As relações com grupos de iguais configuram fator estruturante na vida psí- quica do adolescente. A complexidade ad- vinda da irrupção da puberdade, que gera isolamento e recusa da busca de conforto nos pais, além do surgimento de impulsos inaceitáveis e assustadores, preparam, se- gundo Kaplan, o caminho para a passa- gem para o grupo de iguais. Isso configura condição central na procura de equilíbrio e segurança diante das mudanças desorgani- zadoras, bem como na busca de autonomia e conquista de identidade. O surgimento de características sexuais secundárias cons- titui interesse comum, passando a ser sub- metido à aprovação grupal, que substitui a dos pais. Ser aceito por eles, ser um deles e ser “popular” entre eles são expectativas de grande significado. !2 A opinião do gru- po sobre as características sexuais torna-se, desse modo, base para a reação do ado- lescente a elas, favorecendo a melhora na baixa autoestima. Nesse sentido, a adesão a modas, siglas e marcas adolescentes corres- ponde a uma condição também esperada e Psicoterapia de orientação analítica 761 desejável no processo de aquisição de uma identidade separada e oposta à geração dos pais. Estes, se estão em conformidade com seu período evolutivo, se comportam de acordo com sua faixa etária, propor- cionando as diferenças necessárias para o confronto de gerações. Do contrário, cola- boram para a instalação de confusão e di- ficuldades para o estabelecimento de uma identidade autônoma. ão com o grupo de iguais repre- bilidade proje- tolerados em si — frustra , depressão, instabilidade mo um substituto do vínculo libidinal objetal regressivo, propician- d ência, para o grupo, da idealiza- ção e da fidelidade aos obje im suas caracierísticas onipotentes, oniscientes e grandio: Ao representar um padrão identifi- catório, em que inquietações e ansiedades semelhantes são compartilhadas, o grupo adquire o poder de proporcionar um sen- timento de unidade interna, que contraba- lança os sentimentos de divisão e confusão característicos dessa etapa. Meltzer, ao considerar a necessidade do adolescente de elaborar confusões e ansiedades resultantes das novas pulsões advindas das mudanças corporais e da dicotomia entre dependên- cia versus autonomia, geradora de senti- mentos de solidão e desamparo, descreve a existência de quatro comunidades pelas quais o adolescente transita: a família, o mundo adulto, os adolescentes e o isola- mento. Levy? sintetizou da seguinte forma o pensamento desse autor: O adolescente, na família, segue o pa- drão da latência, aceitando o mode- lo dos pais como sen modelo de vida, 762. Exririk, Aguiar & Schestatsky (orgs) com experiências sexuais mínimas, reproduzindo o esquema familiar que os pais lhe apresentaram. O adoles- cente, no mundo adulto, correspon- deria às incursões pseudomaduras em que o jovem age “como se” fosse um adulto, sendo que a força motivadora não seria o amadurecimento e a defi- nição de objetivos, mas a entrada rá- pida e forçada na adultez pata mos- trar aos pais como se é um adulto. A comunidade adolescente, inicialmen- te com o grupo homossexual de pú- beres e, posteriormente, com o grupo de casais, será o continente adequado para as ansiedades depressivas, para- noides e confusionais do adolescente. O isolamento — refúgio habitualmen- te utilizado pelos adolescentes como forma de realizar o trabalho reflexivo e elaborativo da adolescência —, quan- do se fixa como modo predominan- te de funcionamento, constitui o tipo psicopatológico mais grave. São si- tuações em que a desidealização dos pais foi intensa e abrupta, sem con- dições de transferir essa idealização a outro sistema (política, comunidade de adolescentes), levando-o a refu- giar-se em uma organização narcisis- ta na qual se imagina autossuficien- te, capaz de construir-se como se fos- se pai e mãe de si mesmo. Desenvolve uma megalomania tranquila e o sen- timento de ter uma missão a curaprir no mundo. Meltzer,? ao estabelecer limites entre normalidade e psicopatologia, acentua que, na primeira, observamos um adolescente que transita, de modo flexível, entre essas quatro comunidades, enquanto, na se- gunda, se observa a fixação rígida em uma destas. Kaplan? destaca o quanto é co- mum se observar-se, em adolescentes com psicopatologias mais graves, incapacidade de buscar envolvimento com os iguais ou afastamento rápido destes. Tais jovens são os propensos, também, a ligar-se a grupos nos quais predominam rituais masoquis- tas, práticas transgressivas, condutas de risco, adições e atos automutilatórios, que lhe conferem um sentido de pertencer e de ser alguém. Meltzer? refere que, à medida que o adolescente começa a sentir-se mais seguro com seu corpo e com seus impulsos, as relações com os grupos tendem a arrefe- cer e ser substituídas por relacionamentos diádicos, com mais intimidade. Só gradual- mente os iguais são percebidos de modo mais real, como separados e distintos, e como indivíduos imperfeitos. Também sa- lienta ser comum que os adolescentes com maior comprometimento psicopatológico não tolerem a transição gradual dos mem- bros do grupo homossexual pára o grupo heterossexual. SETTING, AVALIAÇÃO E CONTRATO Ao discutirmos avaliação, setting e contrato terapêutico de modo simultâneo, preten- demos destacar a inter-relação dinâmica desses fatores desde o início da psicoterapia de orientação psicanalítica. A psicoterapia, na adolescência, implica questões específi- cas, que se apresentarão desde os primeiros passos, cuja compreensão é essencial para a qualidade do processo que se pretende iniciar. Com quem realizar a prim ? Com os pais? Com o adolescente? Com a família? Qualo significado dos problems entados: configuram um quadro psicopatológico ou são manifestações esperadas nesse período do de- senvolvimento? Quando não há motivação o tratamento indicado, como pr preservar o sigilo indispensável para o víncu- lo terapêuti Antes de responder a essas pergun- tas, é necessário definir o setting na psico- terapia com adolescentes. Concordamos com Kancyper,lº que sugere a ampliação do conceito de campo analítico?” no tra- tamento de crianças e adolescentes; nessas circunstâncias, devemos incluir os efei- tos que as fantasias inconscientes dos pais exercem na determinação da fantasia in- consciente básica do campo, que se cria na relação do adolescente com seu terapeuta. Assim, também no contrato — conjunto de combinações que regem a relação terapêu- tica —, os pais estarão envolvidos e inseridos no setting que se estabelecerá.28:29 A atenção ao estabelecimento do set- ting deve estar presente desde o primeiro contato — seja com o adolescente, seja com sua família —, pois há qualidades da relação terapéutica que, se não forem preserva- das, colocam em risco o acesso adequado e esperado até mesmo da própria avaliação. Por isso, destacamos a importância de esta- belecer critérios adequados quanto ao sigi- lo das informações recebidas. ardar a privacidade do adolescente é nosso dever, sem, no entanto, negligenciar a cia que ainda tem da família, a qual des de risco, deve compartilhar os cuidados necessários. Com exceção desse tipo de situação, não revelamos aos pais assuntos veiculados pelo adolescente, mas deixamos claro que o que for falado sobre o filho será compar- tilhado com ele. Amparamos essa conduta na necessidade de as famílias serem auxi- liadas na luta pela autonomia do adoles- cente, que está sendo travada dentro do contexto familiar. Com o estabelecimen- to dessa “regra do jogo”, já nos primeiros contatos, poderemos observar aspectos es- Psicoterapia de orientação analítica 763 pecíficos do funcionamento da família e do adolescente quanto à restrição que o sigilo impõe e, assim, compreender a psicodinâ- mica familiar ligada ao processo de indivi- duação em andamento. Essa proposta nos coloca como um personagem ativo, já que nos dispomos a abrir um espaço reflexivo, porém com delimitações que pretendem ser preservadas ao longo do processo. Com isso, temos que estar atentos para o risco tentador de estabelecer um conluio tanto com o adolescente quanto com os pais, o que nos recolocaria em uma condição idea- lizada, onipotente e onisciente, sem limites, inclusive, em nossas capacidades terapêu- ticas. O primeiro contato, em geral, é feito pelos pais do adolescente, implicando a de- cisão de quem virá primeiro. A partir dos 16 anos, costumamos receber primeiro o adolescente sozinho. Quando são menores, preferimos ver, de início, os pais. Contu- do, a escolha quanto a quem virá primeiro pode variar, segundo a preferência da famí- Tia, do adolescente ou do terapeuta. Alguns preferem pelo menos uma entrevista com toda a família para observar a interação. Essa decisão está calcada no reconhecimen- to dos diferentes níveis de independização, que, supostamente, estaria relacionada com a idade. No entanto, o critério etário nem sempre é tão objetivo, já que existem variáveis subjetivas que não correspondem ao esperado. 3º Até aqui, estamos nos ocupando de situações em que os possíveis interessa- dos estão desejando nosso auxílio. Mas há, também, pais que nos procuram sem a aquiescência do filho, ou adolescentes desesperados que se mobilizam sem que os pais tenham percebido seu sofrimento. Nessas circunstâncias, há particularidades que deverão ser abordadas em suas espe- cificidades, mas sem perder de vista que a recusa em se dispor a pensar sobre o so- 766 Eizirik, Aguiar & Schestatsky (orgs.) do: ser novamente aprisionado em uma re- m que haja o reconhecimento de sua individualidade. o alívio de uma das grandes angústias des: n Dessa forma, queremos enfatizar a importância de o terapeuta, conhecendo os desafios psicodinâmicos característicos, to- lerá-los no campo terapéêntico. Estaremos, então, nos dispondo a assumir os desafios propostos no processo de desidentificação, que inclui um confronto intenso, profundo e ameaçador com algo decisivamente signi- ficativo para nós: a noção de quem, de fato, somos e/ou pretendemos ser, inclusive co- mo terapeutas.” OS DESAFIOS DO PROCESSO PSICOTERÁPICO NA ADOLESCÊNCIA É sabido que a maioria dos adoles- centes são pacientes que atuam (ac- ting out). Aqui, também, o fenômeno é adequado à idade, já que nesse es- tágio recordar o passado está no seu ponto mínimo, e reviver a experiência passada está no ponto máximo [...] Que o adolescente seja capaz de atuar (act out) violentamente na transferên- cia está de acordo com sta tendência acentuada ao reenactment. [...] Que esteja sempre a ponto de interromper o tratamento corresponde a sua ma- neira legítima de reviver a necessidade urgente de romper vínculos familia- res. Se a forma dramatizada de acting out do adolescente poderá ser trans- formada em material analítico útil de- pende, sobretudo, de duas condições por parte do analista: sua capacidade de diferenciar passado e presente no material do paciente e discriminar os elementos adequados ao desenvolvi- mento daqueles elementos patológi- cos 36 Essa tendência ao acting out no fun- cionamento dos adolescentes em trata- mento foi percebida desde os primórdios da psicanálise. Apesar de Freud ter-se re- ferido ao acting out (agieren), pela primeira vez, em A psicopatologia da vida cotidia- na,” foi no relato da primeira análise de uma adolescente na história da psicanálise, o “Caso Dora”;8 que introduziu de forma mais significativa o termo, atribuindo a in- terrupção do tratamento pela paciente ao acting out de suas fantasias infantis. sim como no tratamento de crianças privile; mos o brinquedo como via de acesso ao quisma e, nos aduitos, a verbalização, q actin out constituirá um veículo importante so à vida mental do adolescente. Sob esse ponto de vista, fica evidente que, assim como no processo psicoterápi- co exitoso na infância não se exige que o brinquedo seja substituído pela verbaliza- ção, também na adolescência a tendência à atuação dos conflitos não só não poderá ser abolida como deverá estar, necessariamen- te, integrada ao trabalho psicoterápico. Na Figura 43.1, propomos um es- quema gráfico que nos auxilia a visualizar a interação de alguns dos conceitos psica- nalíticos que podemos utilizar para desen- volver a instrumentalização técnica mais adequada para lidar com essas peculiari- dades. Na adolescência, o processo de desi- dentificação protagoniza a mobilização de todo o psiquismo, que busca lidar com a dor psíquica por meio de mecanismos de defesa complexos, os quais podem tanto Dor psíquica H Processo de desidentificação identificação Acting out U=H Psicoterapia de orientação analítica 767 Capacidade negativa do terapeuta Projetiva Ação comunicativa Figura 43.1 Esquema gráfico representativo dos conceitos psicanalíticos utilizados na técnica destinada a ado- lescentes. promover o desenvolvimento quanto im- pedi-lo. Antes de descrever os fenômenos psí- quicos propostos, desejamos destacar seu aspecto dinâmico, já que, sem essa perspec- tiva, se corre o risco de simplificações em- pobrecedoras dessa relação que pretende, justamente, ampliar a capacidade do ado- lescente de tolerar contato com a comple- xidade de sua realidade emocional. Segun- do Etchegoyen,* o acting out só pode ser conceituado em função do seu significado na relação terapêutica, ou seja, não há uma fenomenologia do acting out. Ele só adqui- re sentido ligado ao processo psicoterápi- co ou ao setting, correspondendo àquelas condutas que tendem a ignorar o objeto e afastar-se dele e que têm a intenção de ata- car a tarefa terapêutica, Barugel e Mantykow de Sola? pro- põem a diferenciação entre acting out e ação comunicativa nos tratamentos de adolescentes, conceituação que nos parece útil na compreensão e no manejo dessas situações. Diferenciam acting out de ação comunicativa, descrevendo que esta última [...] busca favorecer a tarefa e tenta co- municar, pela ação, algo que está a ca- minho da simbolização, à procura de um objeto que se suponha disponível para este tipo de comunicação, Mes- mo que essas condutas provoquem, fenomenologicamente, certo grau de distanciamento hostil do objeto e possam produzir alterações no setting, a fantasia inconsciente mostra que es- ses comportamentos são uma manei- ra de associar que favorece o encontro e a comunicação com o objeto. Dian- te delas, o analista pode identificar-se com seu paciente e sentir-se convida- do a pensar no processo junto com ele. Essas “ações comunicativas” não ocorrem no lugar da tarefa, mas, ao conttário, são a única maneira de ga- rantir que se realize.“ Enfatizamos a importância do meca- nismo de identificação projetiva, já que é a via predominante de interação dos ado- lescentes. Descrito por Melanie Klein! em 1946, esse conceito tem sido estudado e am- pliado quanto a sua função primordial de comunicação entre o bebé e sua mãe, 243 em condições normais do desenvolvimen- to. Utilizaremos a descrição de Ogden,** que nos parece acessível e elucidativa: [..] o conceito diz respeito ao modo como as fantasias inconscientes de uma pessoa são processadas por ou- tra, ou seja, a maneira pela qual uma pessoa usa a outra para viver e conter um aspecto de si própria. erá ao terapeuta, por meio de pacida- de negativa, continência e rêverie, transformar 768 Eizirik, Aguiar & Schestatsky (orgs.) a experiência transmitida pela ação comunica- tiva em simboliz desenvolve mentos de incompreen: mbiguid radoxos. Dessa forma, os processos internos do analista poderão ser utilizados para compreender e, com isso, tentar comple- tar o que ainda falta no aparelho mental do adolescente. Sabemos que os aspectos destacados estão presentes em qualquer processo psicoterápico de orientação ana- Jítica. O que desejamos enfatizar não é sua presença, mas sua intensidade nas psicote- rapias com adolescentes. Em consonância com a proposta de Barugel e Mantykow de Sola,*º acredita- mos que, na psicoterapia com adolescentes, as ações comunicativas predominam sobre os acting outs. A discriminação entre am- bos, no entanto, depende da capacidade do terapeuta de tolerar a inquietação provoca- da por mecanismos primitivos, que geram dúvidas constantes quanto a estarmos en- volvidos em um conluio com o paciente, provocadas pela mobilização de nossos próprios estados mentais adolescentes. As autoras destacam que só fora da sessão, a posteriori, será possível estabelecer com cla- reza essas diferenças. É o desenvolvimento progressivo do processo que dará subsídios para avaliar se estamos lidando com um conluio ou com a gradual, possível e tole- rada compreensão desejada. O adolescente recorre à ação comu- nicativa quando percebe que o pensar pro- voca dor e que é necessário um trabalho psíquico que crie um continente capaz de contê-la/tolerá-la. Para isso, um estilo pró- prio que pressuponha firmeza, paciência e contenção é particularmente importante no terapeuta. A receptividade com a pos- sibilidade de a linguagem verbal ser tem- porariamente substituída por outra, mais primitiva, torna-se decisiva, como se a ação comunicativa fosse o “idioma possível”. As autoras consideram prudente não ou- torgar significados prematuros aos acting outs, mas assinalar elementos do setting que foram modificados, para que se possa continuar pensando sobre o que se passa na relação. Por exemplo, se o paciente não vem à sessão, caberia perguntar, de forma direta, por que não veio nem telefonou. As autoras concluem que, assim como o brin- car, na criança, a ação, no adolescente, ao desenrolar-se na situação transferencial e no mundo externo, possibilita que o mun- do interno torne-se menos caótico e mais tolerável para o próprio paciente. Enfatizamos, assim, o interjogo diná- mico entre essas diferentes possibilidades de comunicação: acting *5 ação comunica- tiva S linguagem verbal simbólica. A quali- dade da interação entre terapeuta e pacien- te poderá promover a transformação das ações comunicativas em conflitos acessíveis à compreensão, ou, ao contrário, desenca- deará processos mais primitivos, que pode- Tão acentuar os acting outs. TÉRMINO O término do tratamento tem sido menos estudado do que os meios para manter os adolescentes em psicoterapia, já que é co- mum decidirem unilateralmente pela in- terrupção.*647 Contudo, a separação em si — por decisão unilateral ou conjunia — é de grande significado no destino do trabalho psicoterápico realizado, pois reatualiza, na relação terapêutica, um dos aspectos deci- sivos do conflito adolescente: a possibili- dade de separação com a sobrevivência de ambos.?* Quando a interrupção corresponder a um acting, a relação terapêutica deverá procurar transformá-lo em uma ação co- municativa que permita a compreensão do que motiva o paciente, naquele mo- mento, a provocar a ruptura. Ao mesmo tempo, quanto mais pudermos tolerar as interrupções, mais abritemos o caminho para o retorno quando o paciente consi- derar necessário.?»48 Devemos ter O cui- dado de não esperar de uma psicoterapia com adolescentes aquilo que se poderia almejar com adultos: relações afetivas mais estáveis, definição profissional, relaciona- mento sem maiores intercorrências com os pais. Assim, Meltzer? julga típico de um tratamento bem-sucedido na adolescência o fato de que, ao estabelecer uma relação amorosa e sexual íntima, o paciente quei- ra protegê-la de “interferências externas”, inclusive a do terapeuta, decidindo ter alta. Psicoterapia de orientação analítica 769 Além disso, com adolescentes entre 15 e 16 anos, poder tolerar melhor sua condição de dependência dos pais pode ser decisi- vo para que o sentimento de autonomia desenvolva-se internamente, o que, muitas vezes, os faz não necessitarem mais de nos- sa ajuda. Como principal critério para alta, consideramos o desenvolvimento da ca- pacidade emocional do adolescente de lidar com suas ansiedades, com possibi- lidade de refletir mais sobre sentimentos, ideias e condutas, a fim de obter melhor compreensão do que se passa consigo e em suas relações com o mundo externo. Como consequência, a sintomatologia que trouxe o adolescente ao tratamento deverá estar mais atenuada, possibilitan- do que utilize seus recursos para inserir-se em um processo de desenvolvimento mais criativo, PONTOS-CHAVE DO CAPÍTUL! 1, A compreensão dos processos psicodinâmicos próprios de cada etapa da adolescência é fundamental na avaliação, na indicação e no desenvolvimento do processo psicoterápico com adolescentes. 2. Aimportância do reconhecimento paulatino e progressivo da interação da condição adolescente com as vivências ligadas à história pessoal, possibilitando o estabelecimento de uma identidade própria, é essencial ao processo psicanalítico. 3. Requer-se, da parte do terapeuta, a capacidade de tolerar, no campo, os paradoxos e as vicissitudes impostos pelo processo de desidentificação do adolescente (capacidade negativa). 4. A presença do acting out constitui via comum de expressão dos conflitos intrapsíquicos na adolescên- cia, sendo importante sua diferenciação como função comunicativa ou destrutiva. O grupo de iguais (comunidade adolescente) tem papel de destaque, ao proporcionar um espaço, fora do âmbito familiar, para a elaboração das ansiedades inerentes a essa etapa do desenvolvimento, Reconhece-se a importância da receptividade e da utilização de diferentes recursos (música, livros, filmes, personagens/ídolos) trazidos pelo adolescente às sessões, na comunicação de seu estado emo- cional. É preciso a considerar a restrição, por parte do adolescente, na abordagem direta de sua sexualidade, bem como a consequente necessidade de cautela por parte do terapeuta no contato com esse tema. O desenvolvimento dos processos simbólicos é importante consequência do trabalho psicoterápico nessa fase do desenvolvimento.