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A precarização do trabalho rural, Notas de estudo de Cultura

trabalho, precarização

Tipologia: Notas de estudo

2012

Compartilhado em 04/04/2012

fernanda-brito-33
fernanda-brito-33 🇧🇷

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XI JORNADA DO TRABALHO
Trabalho e as Escalas da Práxis Emancipatórias: autonomia de classe frente à territorialização do
capital 12 a 15 de outubro de 201 0, UFPB – João Pessoa
ISSN - 978-85-60711-19-2
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A PRECARIZÃO DO TR ABA LHO RURAL NO PROCESSO
PRODUTIVO DO SISAL: A INFORMALIDADE E O SILÊNCIO D OS
INOC ENT ES
Edinusia Moreira Car neiro Santos1
On ildo Araujo da Silva2
Oria na Araujo 3
1. Introdução
O processo de exploração do sisal (agave sisalana) é marcado pela
superexploração do trabalho. Em pleno século XXI as relações de trabalho estabelecidas
no primeiro processo de beneficiamento do sisal não são de pleno assalariamento, ou
seja, a produção é organizada por uma pessoa que possui uma máquina de desfibrar
(paraibana) e contrata o trabalhador remunerando-o de acordo com a quantidade de fibra
que esse consegue desfibrar numa semana, de modo que os trabalhadores necessitam
trabalhar muito para obter certa quantidade de dinheiro.
A remuneração obtida pelo trabalhador do processo produtivo do sisal, em sua
fase rural, não atinge sequer metade do salário mínimo estabelecido no Brasil. Além
disso, o “contrato de boca” define as relações e condições de trabalho, deixando o
trabalhador sem nenhum tipo de segurança legal.
Na sociedade contemporânea, a questão ambiental tornou-se um imperativo, de
modo que a utilização de fibras naturais (biodegradáveis) em detrimento de fios
1 Professora Adjunta da Universidade Estadual de Feira de Santana. Doutora em Geografia (UFS). Vice-
Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Geografia e Movimentos Sociais GEOMOV/DCHF/UEFS.
nusiafs@hotmail.com
2 Professor Adjunto da Universidade Estadual de Feira de Santana. Doutor em Geografia (USC).
Coordenador do Grupo de Pesquisa em Geografia e Movimentos Sociais GEOMOV/DCHF/UEFS.
araujo@uefs.br
3 Professora Auxiliar da Universidade Estadual de Feira de Santana. Mestre em Ciências Ambientais
(UEFS). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Geografia e Movimentos Sociais
GEOMOV/DCHF/UEFS. orianageo@gmail.com
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Trabalho e as Escalas da Práxis Emancipatórias: autonomia de classe frente à territorialização do capital 12 a 15 de outubro de 2010, UFPB – João Pessoa ISSN - 978 - 85 - 60711 - 19 - 2 A PRECAR IZAÇÃO DO TR ABA LH O RURAL NO PROCESS O PRODUTIVO DO S ISAL: A INFO RMA LID ADE E O S ILÊNC IO DOS INOC ENTES Ed inusia Moreira Carneiro Santos^1 Onildo Araujo da Silva 2 Oria na Araujo^3

1. Introdução O processo de exploração do sisal ( agave sisalana ) é marcado pela superexploração do trabalho. Em pleno século XXI as relações de trabalho estabelecidas no primeiro processo de beneficiamento do sisal não são de pleno assalariamento, ou seja, a produção é organizada por uma pessoa que possui uma máquina de desfibrar (paraibana) e contrata o trabalhador remunerando-o de acordo com a quantidade de fibra que esse consegue desfibrar numa semana, de modo que os trabalhadores necessitam trabalhar muito para obter certa quantidade de dinheiro. A remuneração obtida pelo trabalhador do processo produtivo do sisal, em sua fase rural, não atinge sequer metade do salário mínimo estabelecido no Brasil. Além disso, o “contrato de boca” define as relações e condições de trabalho, deixando o trabalhador sem nenhum tipo de segurança legal. Na sociedade contemporânea, a questão ambiental tornou-se um imperativo, de modo que a utilização de fibras naturais (biodegradáveis) em detrimento de fios (^1) Professora Adjunta da Universidade Estadual de Feira de Santana. Doutora em Geografia (UFS). Vice- Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Geografia e Movimentos Sociais – GEOMOV/DCHF/UEFS. nusiafs@hotmail.com (^2) Professor Adjunto da Universidade Estadual de Feira de Santana. Doutor em Geografia (USC). Coordenador do Grupo de Pesquisa em Geografia e Movimentos Sociais – GEOMOV/DCHF/UEFS. araujo@uefs.br (^3) Professora Auxiliar da Universidade Estadual de Feira de Santana. Mestre em Ciências Ambientais (UEFS). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Geografia e Movimentos Sociais – GEOMOV/DCHF/UEFS. orianageo@gmail.com

Trabalho e as Escalas da Práxis Emancipatórias: autonomia de classe frente à territorialização do capital 12 a 15 de outubro de 2010, UFPB – João Pessoa ISSN - 978 - 85 - 60711 - 19 - 2 sintéticos é elemento que impulsiona a discussão sobre a forma como as fibras naturais são beneficiadas e quais as condições de trabalho das pessoas envolvidas nesse processo. No semiárido da Bahia, a fibra natural que mais se destaca é a fibra produzida a partir da agave sisalana , conhecida popularmente como sisal. Ao analisar o processo produtivo do sisal é preciso considerar o fato de que a fibra é biodegradável e, por esse aspecto, ambientalmente correta. Mas, se o processo para produzi-la é socialmente degradante, então ficamos diante de um impasse: degradamos a sociedade (ou parte desta) para preservar, em parte, o ambiente? Partindo dessa perspectiva, este artigo analisa o processo produtivo do sisal no estado da Bahia, com foco no estabelecimento da informalidade como aspecto estruturante das relações de trabalho e da omissão acerca desse problema.

2. O sisal na Bahia: breve caracterização O sisal ou agave sisalana não é um vegetal nativo do semiárido baiano, ele é originário da península de Yukatan, no México. Segundo Pinto (1969), os primeiros bubilhos de sisal foram trazidos da Flórida para o Brasil, no início do século XX, e introduzidos no Recôncavo Baiano por Horácio Urpia Júnior, que desejava explorá-lo comercialmente em suas propriedades, já que o vegetal fornecia uma fibra de ótima qualidade; porém, no Recôncavo Baiano, as freqüentes chuvas não permitiram tal exploração, uma vez que se trata de uma planta xerófila. Assim, por volta de 1910 a agave sisalana foi introduzida no Nordeste do Estado da Bahia, onde encontrou um ambiente semiárido favorável ao seu desenvolvimento. Ao longo do tempo, o sisal foi plantado em vários municípios, impulsionando uma reorganização espacial. Na perspectiva de SANTOS (2010), baseada numa regionalização estatal, a região sisaleira da Bahia é constituída por vinte e sete

Trabalho e as Escalas da Práxis Emancipatórias: autonomia de classe frente à territorialização do capital 12 a 15 de outubro de 2010, UFPB – João Pessoa ISSN - 978 - 85 - 60711 - 19 - 2 FIGURA 1 – MUNICÍPIOS DA REGIÃO SISALEIRA DA BAHIA. Em 1942, o Brasil estava na lista dos países importadores de sisal, e, devido ao

Trabalho e as Escalas da Práxis Emancipatórias: autonomia de classe frente à territorialização do capital 12 a 15 de outubro de 2010, UFPB – João Pessoa ISSN - 978 - 85 - 60711 - 19 - 2 desenvolvimento da cultura sisaleira na Bahia e também na Paraíba, em 1946, ele esteve presente nas estatísticas como exportador com 2000 toneladas_._ Nesse sentido, ao impulsionar o crescimento econômico regional, a cultura sisaleira se estabeleceu, tendo como demanda basilar e propulsora o mercado externo, que definiu a forma de estruturação e articulação regional. Sua articulação com o mercado nacional e internacional foi concretizada com a exploração do sisal através do fornecimento de matéria – prima para a então crescente indústria de fiação do Centro Sul do País e das exportações para os mercados dos EUA e da Europa no pós – guerra (CAR, 1994, p. 8). A região se estruturou baseada, exclusivamente, na gestação de uma infra- estrutura voltada para produzir sisal destinado à exportação. Esse aspecto, ao mesmo tempo em que produziu a riqueza de uma pequena elite, produziu também a pauperização do trabalhador e a vulnerabilidade regional aos condicionantes do mercado extra regional. Essa forma de estruturação favoreceu a gestação da fase de apogeu da cultura, na década de 70, a ponto de a planta ficar conhecida como o ouro verde do sertão. O cultivo do sisal tornou-se a referência econômica da região. No entanto, a produção é estruturada com características peculiares como:  o predomínio das pequenas propriedades exploradas a partir do trabalho familiar;  baixo nível tecnológico envolvido em todo o processo produtivo do sisal (plantio, colheita, desfibramento e beneficiamento);  subaproveitamento do produto (apenas a fibra equivalente a 5% do potencial da planta);  a geração de um excedente desigualmente distribuído;  a intensa exploração do trabalhador na fase rural, principalmente em função da

Trabalho e as Escalas da Práxis Emancipatórias: autonomia de classe frente à territorialização do capital 12 a 15 de outubro de 2010, UFPB – João Pessoa ISSN - 978 - 85 - 60711 - 19 - 2 FIGURA 2 – ESQUEMA DO PROCESSO PRODUTIVO DA CULTURA SISALEIRA Na fase rural, onde o proprietário da terra plantou campos de sisal, a colheita é o primeiro passo para o beneficiamento, que é realizado com motores de sisal, onde é intensivo o uso de mão-de-obra, pois, para um motor de sisal funcionar, é necessário, no mínimo, um cortador de folha, um botador de folha, um cevador, um resideiro e uma estendedeira, cada um com função específica, materializando a divisão técnica do trabalho: a) o cortador retira (colhe) as folhas e empilha na lateral do campo; b) o botador recolhe os montes de palha de sisal que foram organizados pelo

Trabalho e as Escalas da Práxis Emancipatórias: autonomia de classe frente à territorialização do capital 12 a 15 de outubro de 2010, UFPB – João Pessoa ISSN - 978 - 85 - 60711 - 19 - 2 cortador e coloca em cangalhas com ganchos apropriados para o transporte das folhas do local de corte até o motor, realizado por jegue. Ao chegar no motor, o botador de folhas retira as folhas dos ganchos e deposita na banca do motor; c) o cevador executa o principal passo do processo de beneficiamento, é o trabalhador responsável por desfibrar o sisal, nas lâminas afiadas do ‘motor’ ou máquina paraibana; cabe ressaltar que encontra-se muito exposto à mutilação; d) o resideiro fornece as folhas ao cevador e retira o resíduo, originado no processo de desfibramento, depositando-o numa pilha a céu aberto, geralmente localizado a poucos metros do motor. É comum que alterne de função com o cevador, geralmente combinando-se o turno (manhã e tarde); e) a estendedeira transporta a fibra do motor para a área onde é estendida em varais de arame. Pode-se destacar, ainda, que as funções de botador e estendedeira são exercidas, muitas vezes, por mulheres e até por crianças, inclusive gerando o clássico problema do trabalho infantil, que ainda hoje persiste na região, mesmo já com a existência do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI. É importante ressaltar que a finalização do processo, na sua fase rural, é de responsabilidade do ‘motorista’, que nesse caso é a pessoa encarregada pelo funcionamento do motor, a quem cabe retirar a fibra seca, enfardá-la e cuidar de seu transporte até as batedeiras de sisal. Esse é o trabalhador mais difícil de caracterizar, porque é muito raro que ele seja apenas o ‘motorista’, mas normalmente é também o dono do motor. Ao se considerar a situação mais comum no processo produtivo do sisal na Bahia, a de que o ‘motorista’ seja também o dono do motor, tem-se ampliada a complexidade da análise de seu papel quanto as relações de trabalho, porque ele é ao mesmo tempo explorador de mão-de-obra e mão-de-obra explorada, notadamente demonstrada pelo fato de que todos os trabalhadores envolvidos nessa etapa de produção são contratados “de boca” pelo dono do motor. Assim, convém explicitar qual a relação do dono do motor com os seus

Trabalho e as Escalas da Práxis Emancipatórias: autonomia de classe frente à territorialização do capital 12 a 15 de outubro de 2010, UFPB – João Pessoa ISSN - 978 - 85 - 60711 - 19 - 2 funções: a) classificador: efetua a seleção das fibras em função dos tipos (qualidade); b) paieira: seleciona a fibra, entregando-a aos batedores; c) batedor: introduz as fibras na máquina, onde são batidas; d) classificadora: efetua uma nova classificação das fibras, buscando o controle de qualidade, passando-as para os prenceiros; e) prenceiro: embala as fibras na forma de fardos; f) catador de bucha: cata a bucha que fica do lado de fora da batedeira. Na batedeira e no primeiro beneficiamento do sisal o processamento da fibra deixa subprodutos que tem valor econômico: o resíduo, a bucha, o pó e o sumo. Porém, esses subprodutos não são ainda aproveitados a ponto de gerar um outro processo em escala industrial ou comercial.

4. A informalidade do trabalho no sisal: submissão e silêncio O trabalho no processo produtivo do sisal possui um conjunto de aspectos que o torna uma atividade degradante e incapaz de fazer repor, a contento, as necessidades básicas do trabalhador para reconstituir-se enquanto tal. É comum a falta de registro do trabalho, a insalubredade, o baixo nível de proteção para o trabalho e a baixa remuneração. A inserção da atividade produtiva sisaleira na lógica do mercado mundial resulta também na exacerbação da exploração do trabalho na sua fase rural. Logo, essa realidade faz parte de uma lógica onde: Num mundo cada vez mais contaminado pela perversidade do processo de reprodução do capital e pelo embaralhamento ideológico e conceitual, teremos (temos) que reconhecer, desde já, por meio das fraturas que

Trabalho e as Escalas da Práxis Emancipatórias: autonomia de classe frente à territorialização do capital 12 a 15 de outubro de 2010, UFPB – João Pessoa ISSN - 978 - 85 - 60711 - 19 - 2 identificam um sem número de relações vivas (desconectadas) do trabalho, a malha de significados que pode repor em questão a ruptura com a lógica do capital, em escala mundial. Em Antunes 1999, temos as pistas para vincular a economia informal à terceirização, subcontratação, trabalho temporário, parcial, precário, desemprego estrutural. Quer dizer, esse processo de fragmentação da classe trabalhadora em diversos segmentos que tem prejudicado o entendimento de pertencimento de classe, diante dessa realidade movediça (THOMAZ JR, 2010, p. 212). No caso da fase rural é extremamente alto o índice de informalidade, pois impera o acordo de boca que estabelece os critérios de remuneração, as horas a serem trabalhadas e as condições de realização do trabalho. Não existe sequer dados confiáveis sobre o número de homens e mulheres exercendo algum tipo de trabalho com o sisal. Isso está expresso quando os próprios órgãos estatais trabalham com uma estimativa de 700 mil trabalhadores, como já destacamos anteriormente. Verificamos durante a realização de nossas várias pesquisas na área sisaleira da Bahia, que é comum que os trabalhadores não sejam beneficiados por nenhuma vantagem da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas no caso das etapas desenvolvidas na zona urbana já existem empresas que consideram a CLT e assim os trabalhadores passam a dispor das condições mínimas enquanto trabalhadores oficiais. Com relação ao trabalho em si ele é insalubre, pois expõe o trabalhador às seguintes condições: excesso de horas trabalhadas e de peso a carregar durante as ações de trabalho, exposição a produtos derivados do processo, como o sumo (de cheiro altamente forte), o resíduo que é extremamente úmido e o pó que dificulta a respiração nas batedeiras. Além disso, o cortador da folha está exposto ao sol e ao espinho da planta; o cevador e o resideiro estão expostos ao barulho da máquina paraibana. Existem relatos de trabalhadores com problemas como micoses, cegueira e mutilação da mão. Assim, é óbvio que esse tipo de trabalho necessita de ampla proteção de equipamentos para os olhos, ouvidos, nariz, boca e pele. Essa proteção é improvisada pelos próprios trabalhadores que usam varias roupas, mesmo num calor de 30 graus em

Trabalho e as Escalas da Práxis Emancipatórias: autonomia de classe frente à territorialização do capital 12 a 15 de outubro de 2010, UFPB – João Pessoa ISSN - 978 - 85 - 60711 - 19 - 2 TABELA 01 SÃO DOMINGOS: RENDIMENTOS OBTIDOS NO PROCESSO DE DESFIBRAMENTO DO SISAL, POR FUNÇÃO EXERCIDA - JUNHO DE 2010. FUNÇÃO RENDIMENTO POR 1.000 Kg. (em R$) Cevador 55 , Resideiro 55, Cortador 50, Botador 50, Estendedeira 20, FONTE: Pesquisa de Campo, Junho de 2010. Assim, evidencia-se a extrema pauperização desse trabalhador e de sua família, gerando um ciclo contínuo de perpetuação de pobreza, associada, via de regra, ao analfabetismo. Trata-se de um processo de submissão e precarização, porque induz à não contestação das próprias condições a que são submetidos os trabalhadores e, mais ainda, naturalizado pela lógica de que o dono da terra, do motor e das batedeiras são trabalhadores que deram certo, o que corrobora a seguinte discussão efetuada por OLIVEIRA, (2007): [...] a relação social capitalista é uma relação baseada na liberdade e na igualdade, pois somente pessoas livres e iguais podem realizar um contrato. Um contrato de compra e venda da força de trabalho. O capitalismo transformou a desigualdade econômica das classes sociais em igualdade jurídica de todas as pessoas da sociedade. [...] a riqueza que o capital acumula não aparece como se fosse retirada do trabalhador, e sim produto do capital. Daí decorre a ilusão que pode nascer para o trabalhador de que a troca que realiza com o capital é justa e legítima. É comum ouvir de um trabalhador que o capitalista tem o direito de obter o lucro, pois ele é o dono do capital. Sendo assim, tem o direito de aumentá-lo, pois sem ele (o capital) não haveria trabalho para os trabalhadores. (OLIVEIRA,

Trabalho e as Escalas da Práxis Emancipatórias: autonomia de classe frente à territorialização do capital 12 a 15 de outubro de 2010, UFPB – João Pessoa ISSN - 978 - 85 - 60711 - 19 - 2 2007, p. 36-37) Conforme MARTINS (2010) a produção ideológica da noção de trabalho difundida pela elite fundiária funcionou em muitos lugares do Brasil, como em São Paulo devido à idéia disseminada de que o trabalho poderia conduzir o trabalhador à mesma situação em que se encontram seus patrões (mobilidade pelo trabalho). No caso do sisal fica claro que o silêncio do trabalhador rural não ocorre apenas por essa razão citada. Foi, e é atualmente difundida regionalmente, a idéia de que os trabalhadores que não se qualificaram ou não ‘trabalharam o suficiente’ para comprar a terra não o fizeram por falta de mérito próprio e que atualmente o trabalho com o sisal não é mais rentável nem mesmo para o dono da terra ou para o empresário. Logo, é considerado normal que um trabalhador “de motor” não consiga, com o seu trabalho atual, sequer um salário mínimo. Esse deve, portanto, estar feliz por encontrar um trabalho, porque o sisal já não é mais rentável. É estranho que não seja perguntado: ora, se o sisal não é rentável, porque as batedeiras e fábricas continuam dando certo? Por que ainda são plantados sisalais? As respostas, impossíveis de serem dadas sem a devida articulação com a identificação das velhas e novas formas do capital (re)criar mecanismos de exploração, estão articuladas também a idéia de modernização que caracteriza outros espaços agrícolas. Ou seja, existe um imaginário coletivo construído que difunde a imagem de que a cultura sisaleira é tradicional e por isso as relações de trabalho “precisam” permanecer as mesmas para que o sisal não acabe, razão pela qual se diz não ser possível pagar sequer o salário mínimo ao trabalhador rural. Com a difusão desse imaginário, os atravessadores e empresários do sisal, acobertam o elemento que viabiliza sua (re)produção: em busca de competitividade internacional vende-se o sisal a preços que dificultam o assalariamento no campo, a menos que haja redução dos lucros dos empresários exportadores, que logicamente não

Trabalho e as Escalas da Práxis Emancipatórias: autonomia de classe frente à territorialização do capital 12 a 15 de outubro de 2010, UFPB – João Pessoa ISSN - 978 - 85 - 60711 - 19 - 2 Esses aspectos do trabalho na fase rural do processo produtivo do sisal também nos oferecem indícios do que FRANÇA JR (2009) denomina de signos da precarização do trabalho que [...] “muitas vezes não são sequer percebidos pelos trabalhadores que ali estão imersos em uma realidade de trabalho já contingenciada”(p.95). Ou seja, no caso do “trabalhador do motor” (nome popular para designar todos que trabalham com o desfibramento do sisal) a relação direta com quem os emprega (nesse caso o dono do motor que utiliza a mão-de-obra da própria família), é construída a partir também de laços de amizade e “favorecimento”, a oferta de trabalho já é em si um beneficio ou uma concessão. Em visita técnica a várias propriedades rurais conversamos com vários desses trabalhadores e a situação em si do trabalho não é uma preocupação imediata e generalizada, mas sim a possibilidade de não ter onde trabalhar. Deve-se ressaltar ainda que suas experiências de vida são extremamente ligadas ao rural e há dificuldades em perceber outras possibilidades de trabalho, com exceção da migração para áreas ditas mais dinâmicas, a exemplo das áreas monocultoras de cana-de-açúcar e algodão na região Centro-Oeste, onde as condições de trabalhos não são menos difíceis, mas ocorre remuneração com o salário mínimo e garantias trabalhistas básicas como o seguro desemprego. Logo, argumentamos que para que mudanças sejam efetivadas nas relações de trabalho até aqui estabelecidas é necessário a participação dos movimentos sociais, entidades representativas e do Estado. É preciso que o sindicato, a associação, a cooperativa e o ministério público, pautem essa questão para além do desejo do próprio trabalhador que, imerso numa condição extremamente desfavorável de trabalho, é praticamente incapaz de, sozinho, rebelar-se contra o estado de coisas posta pela realidade que o aprisiona.

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5. Conclusão A partir da caracterização realizada anteriormente, percebe-se que é na primeira fase do processo produtivo do sisal que a precarização acontece de forma mais efetiva, dizemos mais efetiva porque nem mesmo as condições mínimas estabelecidas pela legislação brasileira são atendidas, seja no tocante ao valor pago mensalmente aos trabalhadores ou nas condições mínimas de trabalho. A mais valia produzida durante todo o processo produtivo do sisal, desde o desfibramento até a industrialização da fibra, acaba sendo apropriada de forma excessivamente concentrada, gerando a renda dos grandes empresários do ramo sisaleiro. Isso porque é na primeira fase do processo que estão as condições de trabalho mais precárias, onde se concentra o maior número de empregos gerados. Mas, como a cultura sisaleira é a base econômica de aproximadamente 20 municípios do semiárido baiano o indivíduo acaba tendo que escolher entre essas condições precárias de trabalho ou nenhum trabalho. Como na sociedade capitalista os escravizados pelo trabalho não tem outra opção, pois quem não trabalha “não ganha a vida”, a maioria expressiva acaba se submetendo a essas condições. Assim, quem vai reclamar, quem vai dar voz e acabar com o “triste silêncio dos inocentes”? Nossa aposta é na ampliação da atuação das associações, dos sindicatos, das cooperativas e dos movimentos de luta pela terra. Evidentemente, embora as atuais estruturas de poder dificultem, acreditamos que a estratégia desses trabalhadores possa se modificar, e, ao invés do silêncio, possam surgir estratégias emancipatórias, afinal, como alerta PORTO-GONÇALVES (2010): Se, d esd e o pri mei ro mo men t o da pri mei ra modern o - c ol on i al i d ad e h ou ve r - e xi st ên ci a, at é porqu e t od a d omi n aç ão é c ont at o c om o d o mi n ad o, port an t o, l u gar d e at ri t o, a s est rat égi as d e s o bre vi vên ci a d o s s et ore s su b al t erni z ad o s for am, a o l on g o t e mpo, di versa s. Hou ve ép oca q ue fu gi r par a l ugar es de di fí ci l a ce sso foi a forma d e s e l i bert ar: o s

Trabalho e as Escalas da Práxis Emancipatórias: autonomia de classe frente à territorialização do capital 12 a 15 de outubro de 2010, UFPB – João Pessoa ISSN - 978 - 85 - 60711 - 19 - 2 Disponível em: http://www.fundacentro.gov.br/dominios/CTN/anexos/Mesa%201%20- %20Ricardo%20Antunes%20texto.pdf ANTONELLO, I. T; VARGAS, M. A. M. Visões do espaço rural. Aracaju: Gráfica e Editora Triunfo Ltda; São Cristóvão: UFS, POSGRAF, NPGEO, 2001. COELHO NETO, A. S. SANTOS, E. C. SILVA, O. A. (organizadores). ( Geo)grafias dos movimentos sociais. Feira de Santana: UEFS Editora, 2010. COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO E AÇÃO REGIONAL - CAR (BA). Alternativas sócio-econômicas para o desenvolvimento da Região Sisaleira. Salvador: CAR, 1994. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Modo Capitalista de Produção, Agricultura e Reforma Agrária. São Paulo: Labur edições, 2007. PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A Reinvenção dos Territórios: a experiência latino-americana e caribenha. In: COELHO NETO, A. S. SANTOS, E. C. SILVA, O. A. (organizadores). (Geo)grafias dos movimentos sociais. Feira de Santana: UEFS Editora, 2010. SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. HUCITEC. São Paulo. 1996. SANTOS, E. M. C. Reorganização Espacial e Desenvolvimento da Região Sisaleira da Bahia: O Papel da associação dos Pequenos Agricultores do Município de Valente. Salvador: UFBA, 2002. (Dissertação de Mestrado). SANTOS, E. M. C. O desenvolvimento da Região Sisaleira da Bahia. Revista Humanas. Ano 2. nº 04. Feira de Santana: Departamento de Ciências Humanas e Filosofia/UEFS, jul./des., 2008.

Trabalho e as Escalas da Práxis Emancipatórias: autonomia de classe frente à territorialização do capital 12 a 15 de outubro de 2010, UFPB – João Pessoa ISSN - 978 - 85 - 60711 - 19 - 2 SANTOS, E. M. C. Associativismo e desenvolvimento: o caso da região sisaleira da Bahia. Feira de Santana: UEFS Editora, 2010. SILVA, S. B. de M e; SILVA, B. C. N. Estudos sobre globalização, território e Bahia. 2ª ed amp. Salvador: UFBA - Mestrado em Geografia, 2006. SILVA, O. A. da. Água e seca no semi-árido baiano: relações com a tecnologia e com o território. Revista Abalar : A geografia galega en construción. n. 3. Proxecto Abalar. Santiago de Compostela, 2005. SECRETÁRIA DA AGRICULTURA, IRRIGAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – SEAGRI (BA). O Sisal na Bahia. Salvador: CER, 1991. TEIXEIRA, M. A; LAGES, V. N. Transformações no espaço rural e a geografia rural: idéias para discussão. Revista de Geografia. V. 14. UNESP: São Paulo, 1997. VEIGA, J. E. da. Cidades Imaginárias : O Brasil é menos urbano do que se calcula. Campinas: Autores Associados, 2002. THOMAZ JÚNIOR, A. Geografia passo-a-passo. Ensaios críticos dos anos 90. Centella. Presidente Prudente, 2005. THOMAZ JÚNIOR, A. Por uma Geografia do Trabalho. Scripta Nova, Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales , Universidad de Barcelona, Vol. VI, nº 119 (5), 2002. [ISSN: 1138-9788] http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119-5.htm. THOMAZ JÚNIOR, A. Movimentos sociais e mundo do trabalho: rupturas teóricas, diálogos e tensões emancipatórioas. In: ( Geo)grafias dos movimentos sociais. Feira de Santana: UEFS Editora, 2010.