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Análise Comparativa: Mercado Futuro vs. à Vista de Câmbio no Brasil - Liderança Curto, Resumos de Matemática

Uma análise histórica-institucional dos mercados de câmbio à vista e futuro no brasil, enfatizando a primazia do mercado futuro curto em termos de volume negociado e spreads de compra e venda mais estreitos. O texto discute a influência das cotações de um mercado sobre o outro, as diferenças na velocidade de ajuste das cotações e os testes estatísticos para avaliar a relação entre eles. Além disso, o documento aborda as limitações regulamentares no acesso à moeda estrangeira à vista e a transferência de operações típicas desse mercado para o mercado futuro.

Tipologia: Resumos

2020

Compartilhado em 17/05/2022

tiagoam10
tiagoam10 🇧🇷

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Mercados Futuro e À Vista de Câmbio no
Brasil: O Rabo Abana o Cachorro
André Ventura, Márcio Garcia
Conteúdo: 1. Introdução; 2. O Mercado Cambial Brasileiro; 3. Base de Dados; 4. Análise
Empírica; 5. Velocidade de Ajustamento da Cotação ao Fluxo de Ordem;
6. Comparação do Mercado à Vista e Futuro; 7. Conclusão.
Palavras-chave: Mercado Futuro de Taxa de Câmbio, Microestrutura da Taxa Câmbio, Mercados
de Câmbio no Brasil.
Códigos JEL: G12, G13, G14, G17.
Com base na nova literatura de microestrutura de mercados,
comparamos os dois principais mercados cambiais no Brasil o
mercado à vista e o mercado futuro de curta maturidade buscando
identificar em qual dos mercados se a formação da taxa de câmbio.
Analisa-se o funcionamento do mercado cambial no seu nível micro,
isto é, nas suas instituições e nas assimetrias entre seus participantes,
através da abordagem da microestrutura de mercados. Utiliza-se uma
base de dados inédita que contém 100% das propostas de compra,
venda e dos negócios fechados dos pregões de dólar futuro e do
mercado interbancário de dólar à vista entre 01/02/2006 a 31/05/2007.
Mostra-se que o mercado de dólar futuro é muito mais líquido do que
o mercado à vista no Brasil. Demonstra-se também que a cotação da
taxa de câmbio se forma primeiro no mercado futuro, sendo então
transmitida por arbitragem para o mercado à vista. Assim sendo, os
mercados cambiais no Brasil possuem uma configuração absolutamente
atípica no mundo. Breve análise histórica do desenvolvimento do
mercado de câmbio explica por que tal idiossincrasia desenvolveu-se
no Brasil.
In light of the market microstructure literature, we have compared
the two main FX (foreign exchange) markets in Brazil: the spot market
and the futures market (the next to mature contract). Our objective is to
identify in which market FX rate is determined. We analyze FX markets
at its micro level: its institutions and its players’ asymmetries. We use a
unique database that contains 100% of the bids, asks and of the deals of
Os Autores gostariam de agradecer a BM&FBovespa pelo fornecimento dos dados.
Mestre em economia, PUC-Rio. E-mail: andrevent@gmail.com
Departamento de Economia, PUC-Rio. E-mail: mgarcia@econ.puc- rio.br
RBE Rio de Janeiro v. 66 n. 1 / p. 21–48 Jan-Mar 2012
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Mercados Futuro e À Vista de Câmbio no

Brasil: O Rabo Abana o Cachorro

André Ventura†, Márcio Garcia‡

Conteúdo: 1. Introdução; 2. O Mercado Cambial Brasileiro; 3. Base de Dados; 4. Análise Empírica; 5. Velocidade de Ajustamento da Cotação ao Fluxo de Ordem;

6. Comparação do Mercado à Vista e Futuro; 7. Conclusão. Palavras-chave: Mercado Futuro de Taxa de Câmbio, Microestrutura da Taxa Câmbio, Mercados de Câmbio no Brasil. Códigos JEL: G12, G13, G14, G17.

Com base na nova literatura de microestrutura de mercados, comparamos os dois principais mercados cambiais no Brasil – o mercado à vista e o mercado futuro de curta maturidade – buscando identificar em qual dos mercados se dá a formação da taxa de câmbio. Analisa-se o funcionamento do mercado cambial no seu nível micro, isto é, nas suas instituições e nas assimetrias entre seus participantes, através da abordagem da microestrutura de mercados. Utiliza-se uma base de dados inédita que contém 100% das propostas de compra, venda e dos negócios fechados dos pregões de dólar futuro e do mercado interbancário de dólar à vista entre 01/02/2006 a 31/05/2007. Mostra-se que o mercado de dólar futuro é muito mais líquido do que o mercado à vista no Brasil. Demonstra-se também que a cotação da taxa de câmbio se forma primeiro no mercado futuro, sendo então transmitida por arbitragem para o mercado à vista. Assim sendo, os mercados cambiais no Brasil possuem uma configuração absolutamente atípica no mundo. Breve análise histórica do desenvolvimento do mercado de câmbio explica por que tal idiossincrasia desenvolveu-se no Brasil.

In light of the market microstructure literature, we have compared the two main FX (foreign exchange) markets in Brazil: the spot market and the futures market (the next to mature contract). Our objective is to identify in which market FX rate is determined. We analyze FX markets at its micro level: its institutions and its players’ asymmetries. We use a unique database that contains 100% of the bids, asks and of the deals of

∗Os Autores gostariam de agradecer a BM&FBovespa pelo fornecimento dos dados. †Mestre em economia, PUC-Rio. E-mail: andrevent@gmail.com ‡Departamento de Economia, PUC-Rio. E-mail: mgarcia@econ.puc-rio.br

André Ventura e Márcio Garcia

both the futures market and the interbank spot market from 02-Jan-06 to 31-May-2007. It is shown that the futures market is much more liquid than the spot market in Brazil. We also show that the FX rate is determined firstly at futures market, being then transmitted by arbitrage to the spot market. We conclude that FX markets in Brazil have a unique configuration in the World. A short historical review of the development of the Brazilian FX market explains why such idiosyncrasy developed in Brazil.

1. INTRODUÇÃO

As taxas de câmbio à vista e futuras estão ligadas por uma simples relação de não arbitragem, conhecida como paridade coberta das taxas de câmbio (PCTJ). Pela PCTJ, as taxas de câmbio futuro e à vista guardam sempre uma diferença que depende das taxas de juros interna e externa. Assim, quando uma delas se altera, mantidas as taxas de juros, a outra também deverá se alterar. Mas, em geral, qual se altera primeiro quando informações relevantes são recebidas pelo mercado? Para responder a esta pergunta, comparamos os mercados à vista e futuro de câmbio no Brasil, buscando cotejá-los no que diz respeito à liderança na formação da cotação. Quer-se identificar em qual dos dois mercados a cotação da taxa de câmbio é mais informativa, isto é, em qual mercado a cotação se forma primeiro. O método utilizado é a abordagem da microestrutura da taxa de câmbio. Esta literatura, que tem seu principal trabalho em Evans e Lyons (2002), contribuiu ao unir a literatura de microestrutura financeira à abordagem tradicional para a taxa de câmbio, obtendo melhores resultados empíricos quanto à previsão da taxa de câmbio. A proposta desta nova abordagem é que se analise o mercado cambial no seu nível micro, isto é, nas suas instituições, na forma como os agentes obtêm a informação necessária para as suas decisões e nos mecanismos como esta informação se transmite aos preços. Neste sentido, a abordagem da microestrutura reorienta o foco de análise da abordagem tradicional para a taxa de câmbio, mas mantendo a sua essência, isto é, buscando nos fundamentos macroeconômicos os determinantes para a taxa de câmbio. A variável central na abordagem da microestrutura é o fluxo de ordem – o fluxo acumulado das transações iniciadas pelo comprador menos as transações iniciadas pelo vendedor. A relevância do fluxo de ordem na abordagem da microestrutura se deve ao fato deste constituir o principal mecanismo de transmissão dos fundamentos e das expectativas à cotação. O impacto do fluxo de ordem sobre a cotação é o que se chama de pressão de preço, ou pressão de compra ou venda, no mercado cambial. Para os testes empíricos, utilizamos base de dados inédita, a qual contém 100% das operações do pregão da BM&F.^1 A base de dados contém todas as propostas de compra, venda e negócios fechados para o mercado de câmbio à vista e futuro, de 01/02/2006 a 31/05/2007. O foco no mercado de dólar futuro se deve às características institucionais do mercado cambial brasileiro: apenas os bancos com carteira de câmbio podem participar do mercado de câmbio à vista no Brasil. Como tal restrição não se aplica ao mercado de câmbio futuro, diversas operações típicas do mercado à vista de câmbio são transferidas para o mercado futuro de câmbio no seu primeiro vencimento, uma vez que as cotações dos dois mercados cambiais – à vista e futuro curto – têm que ser muito próximas. Na Seção 2, descreve-se pormenorizadamente a forma de funcionamento do mercado cambial brasileiro: as instituições, os participantes e os objetos de negociação (produtos negociados).

(^1) A partir de 2008, foi criada a BM&FBOVESPA, que é uma companhia de capital brasileiro formada a partir da integração das operações da Bolsa de Valores de São Paulo e da Bolsa de Mercadorias & Futuros. Como a base de dados usada neste artigo se encerra antes da criação da BM&FBOVESPA, nos referiremos sempre à BM&F.

André Ventura e Márcio Garcia

O pregão funciona de forma similar à Roda de Dólar Pronto e divide-se entre pregão eletrônico e de viva-voz ( pit ), mas ambos nunca funcionam concomitantemente. Como legislação brasileira referente ao mercado cambial autoriza o livre acesso à moeda estrangeira à vista tão somente a bancos com carteira de câmbio (Garcia e Urban, 2004), tal limitação faz com que diversas operações típicas do mercado à vista sejam transferidas para o mercado futuro. Segundo o Banco de Compensações Internacionais (BIS, 2007), o mercado de dólar futuro real/dólar é o segundo maior mercado de derivativos de câmbio transacionados em pregão do mundo, perdendo apenas para o mercado iene/dólar.^5 Enquanto isso, o mercado à vista real/dólar corresponde a menos de 1% do volume total de câmbio à vista negociado no mundo. De acordo com Garcia e Urban, “a maior liquidez do mercado de derivativos da BM&F, notadamente do contrato futuro de câmbio, levou os bancos a optarem por realizar suas operações nesse mercado e transferir ao longo do dia suas posições para o mercado à vista”. Para transferir essas posições os bancos desenvolveram alguns “informais” para sintetizar a partir de operações regulamentadas pelo Banco Central operações de câmbio no mercado spot e futuro. Esses produtos buscam evitar as restrições impostas pela legislação cambial. O principal desses produtos é o “diferencial” (também chamado de “casado”), em que uma operação de câmbio à vista vinculada a outra de câmbio futuro, no mesmo montante, mas com natureza oposta. Como demonstram Garcia e Urban (2004), “a operação de diferencial é muito utilizada para “migrar” posições formadas no mercado de derivativos, o contrato futuro de câmbio da BM&F, para o mercado pronto, à vista. Nesse processo o banco pode realizar algum resultado, positivo ou negativo, em função das variações intradia dos níveis do cupom cambial e da taxa de juro prefixada, fatores de formação dos preços do mercado futuro. A hipótese é a de que o mercado futuro (1o^ vencimento) da BM&F, por ser mais líquido e transparente tornou-se o locus da formação da taxa de câmbio. Uma vez formada a taxa futura, por arbitragem de juros, obtém-se a taxa de câmbio à vista”. No mercado de dólar futuro, a cada 1o^ dia útil do mês, abrem-se novos contratos com vencimento para o último dia útil do mês de vencimento; assim, a cada dia que passa, o contrato está um dia mais próximo do vencimento.^6 Os contratos são padronizados para US$50.000,00 (q = U S$50. 000 , 00 ). O contrato mais líquido corresponde ao primeiro vencimento (até 30 dias), que é responsável por 85% do volume total dos contratos de câmbio futuro negociados na BM&F. A legislação com relação ao mercado de derivativos de câmbio é muito menos rígida do que aquela que rege o mercado à vista de dólar. Uma restrição que não se aplica é quanto ao carregamento de posições em moeda estrangeira por instituições que não são autorizadas pelo Banco Central: enquanto no mercado à vista apenas as instituições autorizadas podem carregá-las, no mercado de derivativos praticamente qualquer agente pode fazê-lo, desde que atingidas condições mínimas exigidas pela BM&F. Em função do arranjo institucional menos restritivo do mercado de dólar futuro, nesse mercado há uma maior diversidade de participantes do que no mercado de dólar à vista. Os participantes do mercado de dólar futuro se dividem em seis categorias: bancos, investidores institucionais nacionais, investidores institucionais estrangeiros, empresas não financeiras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários (DTVMs) e pessoa física (Tabela 1). Uma característica singular do mercado cambial brasileiro é o fato do volume transacionado no mercado futuro de câmbio ser cerca de cinco vezes superior ao volume total transacionado no mercado à vista interbancário (Figura 1). Isso não se verifica nos principais mercados cambiais do mundo (principalmente nos países do G7), onde o volume negociado no mercado à vista é amplamente superior

que Ft,t+k , a parte que comprou o contrato futuro aufere lucro e seu lucro será o número de contratos negociados vezes a diferença entre o valor da moeda estrangeira em t + k e o valor pago por este dólar, acordado no momento do fechamento do contrato em t, ou seja, q[St+k − Ft,t+k ]. Caso em t + k o preço do dólar à vista seja menor que Ft,t+k , a parte que vendeu o contrato futuro aufere lucro, que neste caso será q[Ft,t+k − St+k ]. (^5) O volume do mercado futuro real/dólar era superior, inclusive, ao do mercado euro/dólar. (^6) São contratos futuros, não contratos a termo.

Mercados Futuro e À Vista de Câmbio no Brasil: O Rabo Abana o Cachorro

Tabela 1: Participação no mercado de dólar futuro em seu primeiro vencimento por categoria de participante, de 01/02/2006 a 31/05/

Bancos DTVM’s e Corretoras de Valores

Invest. Institucional Estrangeiro

Invest. Institucional Nacional

Pessoa Física Pessoa Jurídica Não Financeira

Participação no total dos contratos

42,9% 0,2% 25,5% 28,6% 0,2% 2,6%

Fonte: Cálculos dos autores a partir das informações da BM&F.

ao do mercado futuro.^7 No mercado à vista, tem-se que a Roda de Dólar Pronto representa em média 18,5% do volume total.

Figura 1: Volume negociado no mercado de dólar à vista e no primeiro vencimento do dólar futuro, de 01/02/2006 a 31/05/

0

5

10

15

20

25

01/02/06 01/03/06 01/04/06 01/05/06 01/06/06 01/07/06 01/08/06 01/09/06 01/10/06^ 01/11/06 01/12/06 01/01/07 01/02/07 01/03/07 01/04/07 01/05/

US$ Bilhões

Dólar futuro - 1º vencimento Dólar à vista - total Dólar à vista - pregão

Fonte: Cálculos dos autores baseados em dados da BM&F.

Como mencionado anteriormente a regulamentação do mercado cambial estimulou o mercado transferir as operações do mercado à vista para o mercado futuro de câmbio e desenvolver produtos singulares, buscando mimetizar, a partir de operações regulamentadas, algumas transações típicas de mercado à vista de câmbio. Criou-se assim um “acesso sintético” de agentes não regulamentados ao mercado à vista, como o “casado”. Esses produtos singulares é que estão por trás da expressiva participação dos bancos no mercado de dólar futuro. Na medida em que os demais agentes não podem carregar posições em câmbio

(^7) Lyons (2001).

Mercados Futuro e À Vista de Câmbio no Brasil: O Rabo Abana o Cachorro

para o dólar à vista, assim distribuídas entre ofertas de compras e vendas e negócios fechados. A Tabela 2 expõe as principais cifras.

Tabela 2: Distribuição das observações na base de dados

Futuro À Vista Total Frequência Total Frequência Operações 7.026.177 100% 2.140.103 100% Proposta de compra 3.468.677 49% 1.096.605 51% Proposta de venda 2.410.362 34% 989.605 46% Negócios fechados 1.147.138 16% 53.893 3% Fonte: Cálculos dos autores baseados em dados da BM&F.

O mercado futuro possui mais operações do que o mercado à vista, seja no número de propostas de compra ou venda, seja no número de negócios fechados (Tabela 2). Há duas formas pelas quais os agentes podem transacionar dólar (seja no mercado à vista ou no mercado futuro) no pregão da BM&F: podem colocar propostas de compra ou venda que não garantem execução da ordem; ou podem fechar negócio contra propostas de outros participantes, o que garante a execução ao preço estipulado na proposta. Para construir uma medida de fluxo de ordem, irá se classificar as transações em positivas ou negativas, de acordo com a parte que inicia a transação. Quando um participante coloca uma ordem de compra ou venda, como argumentado em Killeen et alii (2006), este tem a intenção de comprar ou vender uma determinada quantidade de moeda estrangeira a um preço pré-determinado; desta forma, nem todas as ordens de compra e venda se traduzem em negócios fechados, pois não encontra outro participante que queira fechar negócio naquelas condições. A convenção na literatura de microestrutura é identificar o iniciante da transação, a parte “agressora” da troca (que dará o sinal do fluxo de ordem), como aquele agente que fecha negócio contra a ordem colocada por outro agente. O fluxo de ordem foi identificado de maneira similar ao que fora feito em Killeen et alii (2006) e Berger et alii (2005): compara-se o preço do negócio com as cotações imediatamente anteriores. Por exemplo, se no dia 20/02/2007 às 10:02:43 houve uma transação a um determinado preço e às 10:02:30 fora colocada uma proposta de compra ao mesmo preço, então identifica-se a parte agressora na transação como uma venda (com fluxo de ordem negativo). Caso nos três minutos anteriores a uma transação não haja uma cotação com o preço exatamente igual (até a última casa decimal), classifica-se, então, esta transação como indeterminada. Assim, o agente agressor na troca é sempre aquele que aborda uma proposta de compra ou venda e exige a transação nos termos propostos. Uma vez identificado o sentido da troca, criou-se uma variável de fluxo de ordem, que assume valor +1(−1) vezes o volume transacionado se a parte agressora foi uma compra (venda). Entretanto, como não se tem o volume de cada negociação, procedeu-se de maneira similar a Evans e Lyons (2002) e se supôs que todas as transações são equivalentes ao negócio médio daquele dia.^13 A Tabela 3 apresenta o resultado do fluxo de ordem.

(^13) Alternativamente a esta metodologia, reconheceu-se o sentido das trocas pela metodologia chamada Tick-Test, originalmente proposta por Lee e Ready (1991) e incorporado a diversos estudos, como Madhavan et alii (1997) e Hasbrouck (1991). Esta metodologia consiste em comparar a cotação do negócio com o spread de compra e venda que prevalecia cinco segundos antes da transação. Caso a cotação do negócio esteja acima (abaixo) do spread , considera-se o fluxo de ordem como uma compra (venda). Caso a cotação do negócio esteja exatamente sobre o centro do spread , o fluxo de ordem é considerado indeterminado. Os resultados segundo esta metodologia Tick-Test são similares aos que encontramos. Para mais detalhes, vide Fernandes (2008).

André Ventura e Márcio Garcia

Tabela 3: Fluxo de ordem no mercado à vista e futuro de câmbio

Futuro À Vista Total Frequência Total Frequência Fluxo de ordem 1.147.138 100% 53.893 100% Compra 533.927 47% 33.146 62% Venda 592.397 52% 19.979 37% Indeterminado 20.814 2% 768 1% Fonte: Cálculos dos autores baseados em dados da BM&F. Nota: Os dados do mercado futuro de câmbio correspondem apenas ao seu primeiro vencimento.

Utilizando esta metodologia para identificar o sentido da troca (fluxo de ordem), para a grande maioria das transações encontra-se uma proposta em até três minutos com preço exatamente igual ao da transação. No mercado de dólar futuro há maior equilíbrio entre os fluxos de compra e venda, enquanto no mercado à vista há mais fluxos de ordem de compra. Esse fenômeno se deve ao período de análise considerado (01/02/2006 a 31/05/2007), no qual o Banco Central atuou de forma relevante no mercado de câmbio à vista, comprando dólar e acumulando reservas internacionais. Assim, quando o Banco Central anuncia que irá comprar dólar, seus dealers compram esses recursos no mercado para repassá-los ao Banco Central, de tal forma que há mais fluxos de compra do que venda. Como o Banco Central não atua na Roda de Dólar Pronto, o fluxo de ordem de venda dos bancos ao Banco Central não aparece nessa estatística (vide Tabela 3).

4. ANÁLISE EMPÍRICA

4.1. Estatísticas comparativas do mercado à vista e futuro

O volume médio negociado no primeiro vencimento do mercado futuro é mais de cinco vezes superior ao volume total negociado no mercado interbancário de câmbio (pregão mais balcão). Dentro do mercado interbancário, o mercado de pregão representa 18,5% do volume total negociado de câmbio pronto (Tabela 4). Segundo a abordagem da microestrutura da taxa de câmbio, de todas as medidas apresentadas, aquela mais relacionada à liquidez é o spread de compra e venda, sendo que, quanto mais líquido for o mercado, mais estreitos devem ser estes spreads.^14 O mercado de dólar pronto tem spread maior do que o mercado de dólar futuro no que se refere tanto à média, e ao desvio padrão, quanto ao valor máximo.^15 Assim, de acordo com esta variável, tem-se que o mercado futuro é mais líquido do que o mercado à vista, uma vez que seus spreads são de magnitude inferior.^16

(^14) Para gerar o spread de compra e venda, a cada segundo se selecionou a melhor cotação de compra (cotação mais alta) e de venda (cotação mais baixa) e se gerou o spread dividindo a diferença entre a cotação de venda e de compra pela média das duas cotações, ou seja: spread = p V (^) −pC pV^ +pC 2

× 100. Em que pV^ e pC^ são as melhores cotações de venda e compra, respectivamente, a cada segundo. (^15) No mercado de dólar pronto há dados sobre o spread apenas para a Roda de Dólar Pronto, pois no mercado de balcão não há qualquer registro das ofertas e assim não se consegue resgatar estes spreads. (^16) Esse procedimento é similar ao utilizado em Dufour e Engle (2000), Madhavan et alii (1997), Hasbrouck (1991, 1995).

André Ventura e Márcio Garcia

A comparação dos preços no mercado de pregão de câmbio pronto com o preço total do câmbio pronto (pregão mais balcão) sugere que há uma estreita ligação entre estes e assim, ao estudar o mercado de pregão, a despeito de seu reduzido tamanho frente ao mercado total de câmbio pronto, não se estaria introduzindo nenhuma fonte de viés na análise. Caso houvesse fontes sistemáticas de viés entre o preço dos mercados de balcão e pregão, operações de arbitragem deveriam levar à rápida equalização dos preços. A correlação contemporânea entre estes dois preços na base de dados é 0,9956, e, assim sendo, estudar o comportamento dos preços do pregão na alta frequência seria uma boa proxy para a cotação geral do mercado de dólar pronto.

4.2. Construção da série de preços

Para a construção da série de preços, à exceção das agregações no nível da transação e em frequência diária, considera-se a média das cotações de compra e venda ((pV^ + pC^ )/2). Em linha com a literatura, considerou-se sempre a cotação prevalente ao final do intervalo de tempo considerado (ao final dos cinco minutos, por exemplo, para a agregação de cinco minutos). O objetivo ao considerar apenas a última cotação do intervalo é capturar a tendência de variação da taxa de câmbio frente ao fluxo de ordem. Para evitar possíveis distorções que a consideração de apenas uma observação pode causar (por exemplo, quando há uma tendência na série de preços, mas apenas a última observação destoa das demais), procedeu-se como Andersen et alii (2003) e Madhavan et alii (1997), e calculou-se a média dos últimos cinco segundos de cada intervalo de tempo. Assim, por exemplo, na agregação de cinco minutos a cotação referente às 11:55 é a média das cotações entre 11:55:55 e 11:55:59. Após essa separação e a filtragem da base de dados, os dados foram agrupados em seis diferentes intervalos de tempo: no nível da transação, um minuto, cinco minutos, 10 minutos, uma hora e um dia. Para a agregação no nível da transação, consideraram-se apenas aquelas observações nas quais houve negócio fechado. Desta forma, comparou-se a cotação da taxa de câmbio imediatamente anterior à transação com aquela que prevalecerá imediatamente após a transação. Com isso se objetiva capturar a característica do modelo de Kyle (1985) em que a cotação do mercado se altera logo após um fluxo de ordem devido à probabilidade da transação estar sendo efetuada pelo agente mais bem informado. Para construção do fluxo de ordem, procedeu-se de forma similar à realizada por Evans e Lyons (2002), Ito e Hashimoto (2006), Berger et alii (2005) e Killeen et alii (2006) e se considerou o acumulado no tempo do líquido das transações em que a parte iniciante é a compradora e aquelas em que a parte iniciante é a vendedora. Formalmente:

∑^ t

τ =

OFτ =

∑^ t

τ =

(Cτ − Vτ )

em que

∑t τ =1 OFτ^ é o fluxo de ordem acumulado até o instante de tempo^ t,^ Ct^ é a soma das transações, até t, em que a parte iniciante foi a compradora e Vt é a soma das transações em que a parte iniciante foi a vendedora. Assim, nos intervalos de tempo em que OFt > 0 há um excesso de transações em que a parte iniciante foi a compradora sobre transações iniciadas pelo vendedor e quando OFt < 0 ocorre o oposto. Na agregação diária, gerou-se a variável de fluxo de ordem da mesma forma que acima, mas utilizaram-se as séries de preços de fechamento fornecidas pela própria BM&F. Estas cotações resultam de uma média ponderada das transações dos últimos 15 minutos do pregão. Primeiramente testou-se a precedência temporal entre o fluxo de ordem agregado e as variações da cotação do câmbio. Assim, analisa-se a capacidade do fluxo de ordem passado de prever a variação da cotação futura e o oposto.^17 Procedeu-se com testes de Causalidade de Granger (Tabela 5).

(^17) Testes ADF e Phillips-Perron de raiz unitária, indicam a presença das mesmas nas séries de preços do dólar à vista e futuro. O fluxo de ordem é uma variável estacionária, o que permite que se trabalhe com seu nível nas estimações. Para mais detalhes, vide Fernandes (2008).

Mercados Futuro e À Vista de Câmbio no Brasil: O Rabo Abana o Cachorro

Tabela 5: Testes de causalidade de Granger do fluxo de ordem e das cotações

Frequência Mercado Variável 1 Variável 2 p-valor Defasagens= 10 1 minuto futuro Fluxo de Ordem log(futurot/futurot− 1 ) 3.25E- log(futurot/futurot− 1 ) Fluxo de Ordem 1.98E-

pronto Fluxo de Ordem log(prontot/prontot− 1 ) 1.30E- log(prontot/prontot− 1 ) Fluxo de Ordem 3.75E-

Defasagens = 2 5 minutos futuro Fluxo de Ordem log(futurot/futurot− 1 ) 0. log(futurot/futurot− 1 ) Fluxo de Ordem 1.78E-

pronto Fluxo de Ordem log(prontot/prontot− 1 ) 1.24E- log(prontot/prontot− 1 ) Fluxo de Ordem 2.08E-

Defasagens = 1 10 minutos futuro Fluxo de Ordem log(futurot/futurot− 1 ) 0, log(futurot/futurot− 1 ) Fluxo de Ordem 0,

pronto Fluxo de Ordem log(prontot/prontot− 1 ) 0, log(prontot/prontot− 1 ) Fluxo de Ordem 9.04E-

Defasagens = 1 1 hora futuro Fluxo de Ordem log(futurot/futurot− 1 ) 0, log(futurot/futurot− 1 ) Fluxo de Ordem 0,

pronto Fluxo de Ordem log(prontot/prontot− 1 ) 0, log(prontot/prontot− 1 ) Fluxo de Ordem 0, Defasagens = 1 Diária Fluxo de Ordem log(futurot/futurot− 1 ) 0, log(futurot/futurot− 1 ) Fluxo de Ordem 0,

Fluxo de Ordem log(prontot/prontot− 1 ) 0, log(prontot/prontot− 1 ) Fluxo de Ordem 0, Fonte: Cálculos do autor. Nota: O teste de Causalidade de Granger é um teste F da hipótese nula que todas as defasagens da variável 1 são conjuntamente iguais a zero na equação da variável 2.

Os testes não sugerem qualquer relação de precedência sistemática entre as variáveis. Na agregação de um minuto, por exemplo, as variações nas cotações e os fluxos de ordem se causam (no sentido de Granger) mutuamente. Entretanto, quando na agregação de cinco minutos, este padrão desaparece para o dólar futuro. À medida que se reduz a frequência da agregação (passando de um minuto até um dia), os testes perdem significância.

4.3. Estimações

Para se testar a relação entre as variações cambiais e os fluxos de ordem, procedeu-se com a estimação da seguinte forma reduzida:^18

log st st− 1

∑^ T

i=

α∗ i di + βOFt + εt (1)

(^18) Para maiores detalhes sobre o modelo que originou essa forma reduzida, favor referir-se a Fernandes (2008).

Mercados Futuro e À Vista de Câmbio no Brasil: O Rabo Abana o Cachorro

Tabela 6: Estimação do coeficiente de impacto do fluxo de ordem na cotação: Frequências intradiárias

Agregação

Transação

1 minuto

5 minutos

10 minutos

1 hora

Mercado

Futuro

À Vista

Futuro

À Vista

Futuro

À Vista

Futuro

À Vista

Futuro

À Vista

Fluxo de ordem (

β)

0,0070***

0,0071***

0,0090***

0,0071***

0,0099***

0,0112***

0,0100***

0,0125***

0,0106***

0,0121***

t-stat

207,

46,

90,

25,

46,

22,

43,

21,

18,

12,

R

0,

0,

0,

0,

0,

0,

0,

0,

0,

0,

F^

-stat

165,3***

13,1***

25,6***

3,4***

9,6***

3,2***

7,6***

3,0***

3,1***

3,1***

Multiplicador de Lagrange

85,5***

87,4***

20,8***

3101,6***

9,2***

17,1***

7,9***

11,8***

180,4***

1,

Núm.observações

1.119.

Fonte: Cálculos dos autores baseados em dados da BM&F.Notas: Os coeficientes se referem ao modelo estimado (1).Coeficientes estimados por Mínimos Quadrados Ordinários.Erros padrão robustos à heterocedasticidade.Os coeficientes das variáveis

dummies

foram omitidos

por simplicidade de exposição (

dummies

para o

mercado de dólar futuro e 327 para o mercado à vista).Níveis de significância: *** significante a 1%; ** significante a 5%; * significante a 10%.

André Ventura e Márcio Garcia

Tabela 7: Estimação do impacto do fluxo de ordem na cotação da taxa de câmbio: Frequência diária

Especificação 1

Especificação 2

Especificação 3

Especificação 4

Futuro

Pronto

Futuro

Pronto

Futuro

Pronto

Futuro

Pronto

Constante

0,001***

-0,001*

0,002***

-0,001**

0,002***

-0,002***

0,002***

-0,002***

t-stat

3,

-1,

4,

-2,

4,

-3,

4,

-4,

Fluxo de Ordem

0,0039***

0,0094***

0,0052***

0,0115***

0,0073***

0,0166***

0,0073***

0,0164***

t-stat

5,

4,

6,

5,

8,

7,

8,

7,

log(Selic

t/Libor

t)/(Selic

t− (^1) /Libor

t− (^1) )

-0,02***

0,38*

-0,02*

0,45**

-0,

0,52**

t-stat

-2,

1,

-1,

2,

-1,

1,

log(Embi

t/Embi

t− (^1) )

0,14***

0,14***

0,18***

0,19***

t-stat

7,

7,

10,

10,

log(Ibovespa

t/Ibovespa

t− (^1) )

-0,14***

-0,15***


t-stat

-5,

-6,

R

0,

0,

0,

0,

0,

0,

0,

0,

F -stat

67,9***

63,9***

71,4**

65,3***

37,2**

28,7***

73,2**

53,0***

Multiplicador de Lagrange

10,7***

19,3***

6,1**

11,5***

0,

5,5**

0,

5,2**

Núm.observações

328

327

328

327

328

327

328

327

Os coeficientes das variáveisErros padrão robustos à heterocedasticidade.Coeficientes estimados por Mínimos Quadrados Ordinários.Notas: Os coeficientes se referem ao modelo estimado (1). Fonte: Cálculos dos autores baseados em dados da BM&F.

(^) dummies

(^) foram omitidos por simplicidade de exposição

( (^) dummies

(^) para o mercado de dólar futuro e 327 para o mercado à vista).

Níveis de significância: *** significante a 1%; ** significante a 5%; * significante a 10%.

André Ventura e Márcio Garcia

mercados interbancários do mundo, como o dólar/euro ou o euro/iene. Dessa forma, conclui-se que a liquidez do mercado cambial brasileiro (medida como o inverso do coeficiente de impacto β) é inferior às dos principais mercados cambiais do mundo. Conforme Wu (2007) argumenta, na frequência diária, o fluxo de ordem e a variação da cotação são endógenos (de acordo com a sua base de dados com informações do câmbio no Brasil), isto é, causam-se mutuamente, o que enviesa o estimador. Por esta razão, se trabalhará com as estimativas intradiárias, pois na alta frequência este problema de viés é reduzido – os fluxos são capazes de causar as variações na cotação, mas o oposto ocorre em menor intensidade.^20

4.4. Evolução temporal do coeficiente de impacto

De acordo com a abordagem da microestrutura da taxa de câmbio, o coeficiente β captura o grau de assimetria de informação do mercado e o quanto de informação uma transação transmite aos preços. Caso a assimetria de informação varie ao longo do tempo, poder-se-ia esperar que este coeficiente oscile no mesmo sentido, de tal forma que nos períodos de maior incerteza este coeficiente seja maior do que nos períodos de menor incerteza. Em outras palavras, caso a liquidez do mercado varie ao longo do tempo, espera-se que o impacto das transações no preço se altere no sentido oposto ao da liquidez. Quanto maior a liquidez do mercado, menor o impacto das transações no preço (menor o coeficiente β). A Figura 2 apresenta a evolução diária do coeficiente do fluxo de ordem sobre a cotação.

Figura 2: Evolução temporal do coeficiente de impacto do fluxo de ordem na cotação, de 01/02/2006 a 31/05/

0

0,

0,

0,

0,

0,

01/02/2006 01/03/2006 01/04/2006 01/05/2006 01/06/2006 01/07/2006 01/08/2006 01/09/2006 01/10/2006 01/11/2006 01/12/2006 01/01/2007 01/02/2007 01/03/2007 01/04/2007 01/05/

Coeficiente de impacto por US$ 1 bilhão

Evolução temporal do coeficiente de impacto

Dólar à vista Dólar futuro (1º vencimento)

Fonte: Cálculos dos autores baseados em dados da BM&F. Nota: Os desvios padrão foram omitidos para facilidade de visualização.

(^20) Simulações realizadas em Fernandes (2008) mostram que a agregação de cinco minutos é capaz de fornecer estimadores consistentes enquanto que na agregação diária há um viés que invalida a inferência sobre o estimador, em linha com o argumento de Wu (2007).

Mercados Futuro e À Vista de Câmbio no Brasil: O Rabo Abana o Cachorro

O coeficiente de impacto (β) não é constante ao longo do tempo, o que sugere que a assimetria de informação varia de acordo com o período considerado e com ela o grau de informação que as transações transmitem ao preço. Além disso, testa-se a existência de diferença entre os coeficientes dos fluxos de ordem de compra e de venda. Os resultados, presentes em Fernandes (2008), sugerem que não há variações significativas entre os mesmos, de tal forma que a diferença do coeficiente de impacto (β) das ordens de compra e venda não é significante na maior parte dos dias da amostra.^21 Esses resultados indicam que, apesar dos períodos de maior incerteza, como nas crises, serem acompanhados por uma maior quantidade de informação transmitida pelas transações aos preços (maior impacto do fluxo de ordem sobre a cotação), não se pode afirmar que nestes períodos haja maior assimetria nos coeficientes dos fluxos de compra e venda de moeda estrangeira. Isso mostra que, a despeito da maior incerteza associada aos períodos de crise, não há qualquer fonte de viés no coeficiente médio do fluxo de ordem sobre a cotação, seja este viés positivo ou negativo.

5. VELOCIDADE DE AJUSTAMENTO DA COTAÇÃO AO FLUXO DE ORDEM

O ajuste das cotações aos fluxos de ordem não necessariamente é instantâneo como a Tabela 6 sugere, mas podem levar algum tempo para que ocorram plenamente. Assim, nas agregações de mais alta frequência, pode se estar enviesando o estimador pois o ajuste pleno da cotação ao fluxo ainda não ocorreu. Para testar a velocidade com a qual as cotações reagem ao fluxo de ordem, isto é, o tempo que levam para atingir o novo valor de equilíbrio após um fluxo de ordem, procede-se como em Hasbrouck (1991) e estima-se o seguinte sistema VAR (vetor-auto-regressivo):^22

{ 4 pt = a 1 +

∑I

i=1 bi^4 pt−i^ +^ c^0 OFt^ +^

∑I

i=0 ciOFt−i^ +^ e^1 ,t OFt = a 2 +

∑I

i=1 di^4 pt−i^ +^

∑I

i=1 fiOFt−i^ +^ e^2 ,t

Para a escolha do intervalo I, isto é, do número de defasagens a serem incluídas em (3), utiliza-se o critério Bayesiano (SBIC) de escolha de defasagem, o que fornece I = 5 para o mercado de dólar futuro e I = 6 para o mercado de dólar pronto. Com esta metodologia, busca-se entender por que, para as frequências mais altas (no nível da transação e em 1 minuto), o coeficiente de impacto do fluxo de ordem no dólar pronto era menor ou igual ao do dólar futuro, mas, nas frequências mais baixas (a partir de 5 minutos), o resultado se inverte. A Figura 3 apresenta as funções de resposta ao impulso de 4 pt, a variação da cotação, a um choque na informação privada ε 2 ,t. No mercado de dólar futuro (painel A) o choque no fluxo de ordem se transmite rapidamente para as cotações e em menos de três minutos este choque foi plenamente incorporado à cotação. No mercado de dólar pronto (painel B), o choque leva entre quatro e cinco minutos para que tenha seu efeito total incorporado à cotação, implicando um efeito mais defasado que o dólar futuro. A partir deste resultado, tiram-se duas conclusões. A primeira diz respeito às primeiras estimações, apresentadas na Tabela 6. Os resultados expostos nessa tabela indicam que o impacto do fluxo de ordem sobre a cotação é superior no mercado à vista para as agregações de cinco minutos ou maiores. Entretanto, para as agregações no nível da transação e em um minuto, o coeficiente do mercado à vista é menor ou igual ao coeficiente do dólar futuro. Os resultados desta seção permitem perceber a razão deste aparente paradoxo: no mercado futuro os choques no fluxo de ordem têm efeito mais rápido sobre a cotação do que no mercado pronto, isto é, a cotação do dólar futuro atinge mais rapidamente seu novo

(^21) Dos 328 dias de pregão do dólar futuro, em apenas 35 tem-se que esta diferença é estatisticamente diferente de zero e dos 327 dias de pregão do dólar futuro tem-se que isso ocorre em 61 dos mesmos. (^22) Para mais detalhes sobre essas estimações, favor referir-se a Fernandes (2008).

Mercados Futuro e À Vista de Câmbio no Brasil: O Rabo Abana o Cachorro

mercado mais informativo, isto é, aquele que transmite mais informação sobre os fundamentos para o preço e, assim, lidera a determinação da cotação.

6.1. A paridade coberta da taxa de juros

A hipótese de ausência de arbitragem nos mercados financeiros atesta que, para que uma estratégia de investimento tenha retorno positivo, esta deve ter um custo de aquisição positivo. Em outras palavras, esta hipótese afirma que duas carteiras que tenham o mesmo retorno, sob quaisquer circunstâncias, devem ter o mesmo custo inicial. Caso contrário o investidor poderia comprar a carteira mais barata e vender a mais cara, obtendo um lucro infinitamente elevado. No mercado cambial existe uma relação de arbitragem entre as cotações à vista e futura conhecida como Paridade Coberta da Taxa de Juros (PCTJ ou CIP).^23 Esta relação afirma que a razão entre o preço futuro e o à vista da moeda estrangeira deve ser igual ao diferencial de juros entre as duas moedas. A CIP afirma que:

Ft,t+k St

(1 + it,t+k) (1 + i∗ t,t+k)

em que Ft,t+k é a cotação em t para um contrato futuro com vencimento em t + k, St é a cotação da taxa de câmbio à vista em t, it,t+k é a taxa de juros em t com vencimento em t + k e i∗ t,t+k é a taxa de

juros externa corrigida pelo prêmio de risco país.^24 Utilizando dados diários, as cotações do câmbio à vista e futuro (primeiro vencimento) têm um comportamento bastante próximo um do outro, não sendo possível através da simples inspeção visual dizer em qual mercado a cotação se forma primeiro (Figura 4). A CIP se aplica apenas quando há o pagamento de juros nas posições, isto é, nas posições mantidas no overnight. Como a capitalização dos juros não ocorre de forma contínua (durante o dia não há pagamento de juros nas posições), durante o dia a Paridade Coberta da Taxa de Juros não impõe qualquer limitação para os movimentos relativos do câmbio à vista e futuro. No primeiro dia útil de cada mês este diferencial atinge seu valor máximo, reduzindo-se ao longo do tempo e convergindo para zero ao final do mês. Este fenômeno é conhecido como convergência dos preços à vista e futuro. Como se considera o primeiro vencimento dos contratos futuros (os contratos que se iniciam no primeiro dia útil do mês com vencimento no último dia útil do mesmo mês), tem-se que a cada dia que passa este contrato está um dia mais próximo de seu vencimento e desta forma há um dia a menos para se contabilizar juros. Assim, em seu último dia de negociação, praticamente não há diferença entre este contrato e uma unidade de dólar à vista. No entanto, o diferencial intra-diário da CIP é uma série que varia ao redor de uma tendência, dada pelo diferencial de juros (Figura 5). Isso sugere que, apesar de não haver o pagamento de juros nas posições mantidas durante o dia, os operadores deste mercado não deixam as cotações descolarem da relação de arbitragem expressa na CIP. Desta forma, no momento em que, por exemplo, o dólar futuro se eleva muito com relação ao valor do dólar pronto, os operadores do mercado tendem a vender o primeiro e comprar o à vista, de forma a trazer a relação de preços de volta a essa tendência. Em suma, as Figuras 4 e 5 mostram algumas características do mercado cambial brasileiro. Por um lado, as cotações de fechamento do dólar à vista e futuro respeitam a relação de arbitragem expressa pela Paridade Coberta da Taxa de Juros, como prevê a teoria; por outro lado, nas cotações intradiárias (apesar de não haver qualquer relação teórica para a CIP), a razão destas cotações parece oscilar ao redor do valor de fechamento, de forma que os desvios são rapidamente corrigidos, validando a CIP mesmo na frequência intradiária.

(^23) Do inglês: Covered Interest Parity. (^24) No Brasil, i∗ t,t+k é o chamado cupom cambial.

André Ventura e Márcio Garcia

Figura 4: Cotação do dólar à vista e futuro: de 01/02/2006 a 31/05/

1,

2,

2,

2,

2,

2,

01/02/06 01/03/06 01/04/06 01/05/06 01/06/06 01/07/06 01/08/06 01/09/06 01/10/06^ 01/11/06 01/12/06 01/01/07 01/02/07 01/03/07 01/04/07 01/05/

R$/ US$

Cotação do dólar à vista e futuro

Futuro À Vista

Fonte: Cálculos dos autores baseados em dados da BM&F. Nota: A cotação do dólar futuro corresponde ao seu primeiro vencimento.

Figura 5: Diferencial da paridade coberta da taxa de juros: dia 20/07/2006.

0,

0,

0,

0,

0,

0,

(^90591592593594595510051015102510351045105511051115112511351145115512051215122512351245125513051315132513351345135514051415142514351445145515051515152515351545) Hora

Diferencial da Paridade Coberta da Taxa de Juros dia 20/07/

ln(futuro/pronto)

Fonte: Cálculos dos autores. Nota: Dados em cinco minutos.